Ao vencer mais uma batalha comercial graças ao peso da economia americana, o presidente Donald Trump ganhou mais um ponto na campanha contra a ordem multilateral. O recém-anunciado acordo entre os governos norte-americano e mexicano foi no entanto avaliado como boa notícia nos mercados financeiros – um pouco menos de tensão num mundo assombrado pelo risco de grandes conflitos econômicos. O impasse entre Estados Unidos e China continua, porque os chineses têm mais condições de resistir à pressão da potência número um. Com o entendimento entre Estados Unidos e México, a primeira etapa da renegociação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) foi percorrida. Com isso, uma promessa da campanha eleitoral de 2016 foi parcialmente cumprida por Trump. Mesmo faltando o acerto com o governo do Canadá, o terceiro membro do Nafta, a nova situação foi celebrada como um avanço no caminho da paz. Na terça-feira passada, um dia depois do anúncio, a novidade ainda se refletia no pregão da Bolsa de Nova York. Mas pax americana será mesmo um bom sinônimo de paz?
O candidato Donald Trump apresentou-se durante a campanha como uma figura truculenta, disposta a impor ao mundo sua visão dos interesses americanos, sem levar em conta os compromissos internacionais firmados por uma longa série de antecessores. Mais que isso: ele se dispôs a negar uma ordem mundial em grande parte construída com a liderança diplomática americana.
Contestar o Nafta e rever os compromissos com os países vizinhos foi um dos itens prioritários dessa pauta. Sem surpresa, o acordo recém-assinado com o governo mexicano refletiu basicamente as pretensões da Casa Branca.
O conteúdo regional na produção de automóveis foi ampliado de 62,5% para 75%, com mais vantagens também para os fornecedores locais, principalmente americanos, de aço e de alumínio. Também segundo o entendimento, trabalhadores com salário de pelo menos US$ 26 por hora produzirão entre 40% e 45% do conteúdo dos autos.
Ao falar sobre o acordo, na segunda-feira passada, o presidente Trump enfatizou a disposição de implementar as novas condições mesmo sem a adesão do Canadá. O acerto, segundo ele, poderá ser chamado Acordo Comercial Estados Unidos-México. O presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, declarou seu interesse em ver o Canadá incorporado nesse novo pacto, sem mencionar, no entanto, a mínima dúvida quanto à legalidade de um entendimento restrito a dois dos três participantes do Nafta.
O governo mexicano só poderia rejeitar esse acordo se estivesse disposto a enfrentar um conflito com o principal parceiro econômico de seu país. Embora participe de dezenas de acordos econômicos, o México realiza dois terços de seu comércio com os parceiros norte-americanos, principalmente com os Estados Unidos. A mera liquidação do Nafta forçaria os mexicanos a uma violenta e custosa mudança de rumo em sua economia.
Toda a diplomacia do presidente Donald Trump é uma exibição de desprezo a compromissos internacionais e, sobretudo, à ordem multilateral. Ele seguiu esse rumo ao abandonar a negociação da Parceria Transpacífico, um dos empreendimentos mais ambiciosos deste século. Manteve o padrão ao renegar o acordo com o Irã, apesar das pressões europeias. O mesmo roteiro estava claro quando foi rejeitado o acordo de Paris sobre o clima.
Ao barrar a importação de aço e alumínio com base em alegações de segurança nacional, o presidente americano contrariou uma norma clara da Organização Mundial do Comércio (OMC). De novo, nenhuma surpresa. Sua diplomacia tem trabalhado para minar o sistema multilateral de comércio. Os entraves à nomeação de árbitros para o organismo de solução de controvérsias, peça central do sistema, têm sido parte da estratégia. Sem apoio americano à renovação do mandato do juiz Chekitan Servansing, o Órgão de Apelação ficará com apenas três dos sete membros, quase destruído. Cada vitória de Trump será um passo para a consolidação da pax americana, uma paz sem direito.
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