quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Roberto DaMata: As perplexidades de Moneygrand

- O Globo

‘Assusta-me testemunhar a facilidade com a qual alguns dos vossos candidatos solucionam o Brasil’, diz o professor

Richard Moneygrand, mestre emérito de Ciências Humanas da New Caledonia University, está em Niterói. Numa entrevista exclusiva, ele revela suas perplexidades diante do Brasil magnetizado e carnavalizado pelo processo eleitoral.

O professor começa advertindo que todo país vive os mesmos problemas porque repete as mesmas receitas para resolvê-los.

—A incapacidade de perceber a mudança e provocá-la é quase sempre uma repetição castradora —resume.

No caso brasileiro, a igualdade produz dilemas. Para muitos, ela é o DNA da democracia; para outros, uma ilusão, segundo o professor, que fez as afirmações a seguir:

— Vocês falam muito mais em direitos do que em deveres — adverte. — Sei que não é fácil acabar com privilégios numa sociedade modelada por regalias e pelo ideal de “não fazer nada”. Entendo e espero, contudo, que isso esteja mudando. Observo que as promessas eleitorais começam a focar que emprego (sobretudo o emprego público) não pode mais excluir competência e trabalho.

— No passado, os problemas brasileiros eram explicados pelo reducionismo racista-evolucionista. A mestiçagem era lida como uma doença. Ainda hoje há resistências a admitir que os problemas brasileiros têm raiz numa matriz histórica aristocrática, dinamizada por patriarcalismo e trabalho escravo de origem africana. Como transitar de uma monarquia que foi centro do Império português para uma República com essa carga de instituições não é fácil.

Mas vocês se convenceram de que todos os problemas podem ser resolvidos pelo Estado e em programas por ele administrados. A mudança viria de fora da sociedade e dos seus costumes, como se o Estado fosse administrado por marcianos, e não por vossos amigos, parentes e partidários. Disso resulta “estadolatria”, “estado-patia” e “estado-mania”, um entendimento ingênuo que ignora a força dos costumes e éticas dadas nas relações e focos de transformação. O mundo da “rua” só vai mudar quando incluir a “casa”, como você diz num dos seus livros não lidos — complementou.


— A decepção contemporânea é paralela à descoberta de que, sem uma crítica das práticas sociais que governam o todo, direita e esquerda se dissolvem numa aristocracia governamental às custas da sociedade. Ideologias políticas definidas, com ou sem mercado, não liquidam a força de uma ética de reciprocidade que concilia compromissos opostos, desmoralizando instituições e partidos. O triunfo da “política” foi irônico. A esquerda no poder não só criou suas linhagens, mas reproduziu a direita e governou como ela: com a roubalheira típica da consciência de que “agora é a nossa vez!”.

— Minha outra perplexidade é ver como os candidatos enfatizam o politiquês e o economês. É como se a evolução política fosse feita a partir somente de uma discussão dos regimes e modelos financeiros, sem aprofundar as raízes sociais da corrupção. De que vale uma democracia com um presidente que resiste a tudo, menos ao pedido de um amigo, como se dizia antigamente? De que vale um socialismo feito de compadrios? Ninguém deseja acabar com os amigos. O que está em jogo, porém, é o limite da amizade e das suas implicações na cultura brasileira.

—Acho tudo isso um exagero... — disse eu. —Max Weber —retrucou Dick. —dizia que fazer sociologia é exagerar.

—Deixe-me mencionar mais uma perplexidade — solicitou Moneygrand, dando uma golada no meu parco uísque. — Assusta-me testemunhar a facilidade com a qual alguns dos vossos candidatos solucionam o “Brasil”. Não é um milagre da retórica política que o papel de candidato revele enfaticamente somente o seu lado messiânico? E que nenhum fale em dificuldades, obstáculos e resistências? Soluções fáceis não seriam sintomas de promessas que vocês gostam de ouvir para, em seguida, vê-las desfeitas por administrações execráveis?

— Até onde vocês vão continuar entregando o Brasil a “políticos” que vocês amam e odeiam, em vez de com eles governar? Acho que já é tempo de vocês compreenderem que democracia dá trabalho justamente porque ela renova seus governantes temporariamente — falou o professor, liquidando meu uísque.

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