- O Estado de S.Paulo
Tudo o que foi anunciado até agora por Donald Trump parece nada mais do que fumaça política
Não houve acordo com a Coreia do Norte para a desnuclearização do país, apesar do alarde. Não houve acordo sobre a renegociação do tratado comercial entre a Coreia do Sul e os EUA – o Korus – apesar do estrépito. Na mesma linha, não há acordo concreto entre os EUA e o México a respeito do Nafta – o tratado comercial da América do Norte que Trump afirmou várias vezes ser o pior de todos os tempos – embora o barulho dessa semana esteja quase ensurdecedor.
Na segunda-feira, a agência responsável pelas negociações comerciais dos EUA, o USTR, disse ter alcançado um “acordo preliminar em princípio sobre as renegociações do Nafta”. Peço ao leitor que pare por alguns minutos para considerar a frase entre aspas acima. Acordo preliminar em princípio soa similar ao desenvolvimento de novas tecnologias para estocar o vento. Acordos preliminares não são acordos finalizados. Acordos preliminares em princípio estão ainda mais longe de qualquer ideia de conclusão. Qualquer acordo preliminar entre México e EUA não é um acordo sobre o Nafta, tratado tripartite que exige, por definição, a participação do Canadá.
O Canadá está no banco de reservas desde que Trump resolveu comprar briga com um de seus aliados políticos e econômicos mais longevos não se sabe muito bem por quê. Talvez porque não goste das meias de Justin Trudeau, talvez por outra razão qualquer que escape à lógica cartesiana. A necessidade de trazer o Canadá para a mesa para que haja alguma chance de encerrar as negociações foi salientada várias vezes pelas autoridades mexicanas. Contudo, Trump e sua trupe decidiram ignorar sumariamente essa necessidade, reafirmando que haverão de impor mais tarifas sobre exportações canadenses caso o vizinho do norte se negue a participar da mais recente comércio-chanchada.
O acordo preliminar em princípio com o México tampouco trata de todos os temas – são muitos – para modernizar o Nafta. Nas áreas de comércio digital e meio ambiente, o acordo preliminar em princípio está alinhado ao que os três países negociaram quando o Acordo Transpacífico (TPP) que abarcaria 11 nações estava prestes a ser ratificado pelos membros. O ato de rasgar o TPP foi uma das primeiras medidas de Trump logo que assumiu a presidência. A cena do recém-empossado mandatário mostrando para os repórteres a assinatura no decreto que matou o acordo ainda está fresca na memória de quem viu no gesto a mais completa estupidez.
Ao alienar os EUA de seus parceiros, Trump abriu flanco para que os demais membros renegociassem vários dos termos, inaugurando o CPTPP – sigla para “Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership”. Canadá e Japão lideraram o processo.
Mas voltemos ao acordo preliminar em princípio. Nele está previsto que 40% a 45% dos trabalhadores de empresas que exportam para os mercados da América do Norte recebam salário mínimo de US$ 16 por hora. À primeira vista pode parecer uma excelente oportunidade. Contudo, não há acordo comercial no mundo que possa impor na marretada um piso para o salário mínimo de qualquer país, visto que essa é uma decisão soberana. Ademais, não há qualquer mecanismo que force as empresas a seguir a regra – por óbvio. As novas regras de conteúdo local do acordo preliminar em princípio provavelmente acabariam por aumentar os custos dos fabricantes de veículos e das montadoras, como revela análise recente do Peterson Institute for International Economics.
Por fim, difícil é imaginar como finalizar um acordo com o México quando as tarifas sobre aço e alumínio recém-impostas continuam em vigor. Há também o detalhe de que qualquer acordo bilateral com o México não é visto pela lei americana como parte do Nafta, o que portanto necessitaria de aprovação do Congresso que, de modo geral, é refratário a alienar o Canadá. Em resumo, tudo o que foi anunciado até agora parece nada mais do que fumaça política. Trump precisa dizer para sua base que renegociou o Nafta e cumpriu a promessa de campanha antes das eleições legislativas em novembro. Peña Nieto quer deixar um legado. López-Obrador está confortavelmente assistindo a tudo isso pois não acordos não levam seu nome ou selo. Aguardemos as próximas comércio-chanchadas.
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Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
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