Não houve a temida avalanche de votos nos partidos populistas e de extrema direita contrários à União Europeia nas eleições para o Parlamento Europeu. Mas governar a UE tornou-se mais difícil, com o significativo recuo do centro (tanto sua fatia direita como esquerda), que perdeu a maioria parlamentar. As correntes eurocéticas e populistas obtiveram quase um quarto das 751 cadeiras em disputa. O bloco de poder de centro terá de se apoiar nas duas forças em ascensão, os liberais, que avançaram para 107 deputados e os Verdes, que deram um salto de 40% e ficaram com 69 representantes. Pela necessidade de contar com o apoio dos liberais (como o bloco francês de Emmanuel Macron) e dos ecologistas (segunda força eleitoral nas urnas na Alemanha), a política protecionista agrícola dos europeus pode se intensificar, ganhando ingredientes ambientais, e se tornar mais desfavorável ao Brasil.
Se o motivo da necessária reacomodação política não foi um choque populista, ainda assim ela pode ser relativamente traumática em alguns países-chave entre os 28 que compõem a União Europeia. A direita populista manteve sua força e foi a mais votada na França. Com 23,3%, o grupo de Marine Le Pen impôs a primeira derrota eleitoral ao presidente Emmanuel Macron (22,4%), embora por margem insignificante). Mas a representação de Le Pen no Parlamento francês é irrelevante.
Mais importante pelos atritos políticos que causa e poderá causar foi a ampla vitória do vice-premiê italiano, Matteo Salvini, líder da Liga, com 34,3% dos votos, muito à frente de seus sócios no governo, o Movimento 5 Estrelas (17%). Salvini, entusiasmado com seu resultado e os de Le Pen e de Nigel Farage, expoente do Brexit no Reino Unido, prometeu fazer um corte de impostos que agravará ainda mais a delicada situação fiscal do país. A Comissão Europeia se prepara exigir dele o contrário - austeridade para deter uma trajetória insustentável de endividamento, sob pena de sanções. Salvini diz que não aceitará essa política. Outra de suas tentações pode ser a de se livrar de seu parceiro de governo, abrindo caminho a nova eleição nacional.
Se Macron manteve seu prestígio político nas urnas, impulsionando os liberais, Angela Merkel, a líder da Alemanha, país mais poderoso da UE, pode ter de antecipar o fim de seu longo reinado. A extrema direita do AfD ficou com 11% dos votos, menos que nas eleições nacionais, e não é um problema político para ela tão grave quanto o estrondoso fracasso dos socialistas, que integram a coalizão governista. Os social-democratas, com 15% dos votos, tiveram seu pior desempenho no pós-guerra. A direita de Merkel perdeu votos (29% do total). Os Verdes conseguiram um surpreendente segundo lugar, com 21%.
Em outra consequência de curto prazo, o pleito europeu tornou mais provável um Brexit radical. Os conservadores britânicos tiveram 9% dos votos, o pior resultado de sua história. Os trabalhistas também foram muito mal, sendo ultrapassados pelos liberais democratas e quase batidos pelos Verdes. Farage, o vencedor, com 31%, defende a saída radical da União Europeia, sem acordo. Há pressão sobre o Labour Party para que saia do muro e defenda a permanência na UE e um segundo plebiscito. A soma dos votos mostra que as correntes políticas favoráveis à permanência conseguiram 35,6% dos votos ante 34,9% dos que querem deixá-la (Financial Times, 27 de maio), ou 5,8 milhões e 6,6 milhões, respectivamente. Isto registra a persistência e a profundidade da cisão da opinião pública. Em 2016 votaram pela separação 17,4 milhões.
Ainda que o fluxo das decisões políticas se torne mais lento com a perda da hegemonia centrista, uma presença mais forte dos direitistas nacionalistas e o papel de primeira linha que os Verdes exercerão na formação da nova maioria tendem a empurrar o pêndulo na direção de maior protecionismo europeu. Os Verdes defendem maior taxação ambiental e a exigência de padrões ambientais e trabalhistas mais restritos para que a União Europeia nos novos acordos comerciais. Os liberais, que também serão fiadores de estabilidade da maioria parlamentar, tem em Macron um de seus líderes e a França continua a ser um baluarte da restrição aos produtos agrícolas.
As negociações com o Brasil e seu acesso ao mercado europeu devem se tornar mais difíceis. Ao rígido protecionismo francês serão acrescidas barreiras ambientais, o que toca um flanco cada vez mais vulnerável do governo Bolsonaro. O Brasil deve continuar se opondo de todas as formas ao primeiro, que é nocivo, e procurar se adaptar às exigências ambientais, universalmente benéficas.
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