- Folha de S. Paulo
Presidente propôs pacto, mas governar sem compromisso com Constituição gerará devida reação das instituições
Com altos índices de impopularidade e desaprovação em início de governo, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) apontou o Congresso Nacional e o Judiciário como responsáveis por tornar o país ingovernável.
O episódio gerou uma mobilização de bolsonaristas para protestos com mote de fechar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, depois amenizado em uma agenda em favor da reforma da Previdência e do chamado pacote anticrime. Ainda assim, as manifestações atacaram o presidente da Câmara, o centrão e ministros do STF.
Se o desenrolar dos fatos mostra que as manifestações dificilmente foram espontâneas, a conjuntura mostra que a pauta contra o STF tampouco é desinteressada.
Pessoalmente, Jair e Flávio Bolsonaro buscaram amparo do Supremo em suas demandas: o presidente recorreu da condenação civil que lhe obrigou a pagar indenização por danos morais à deputada Maria do Rosário e seu filho pediu ao Supremo que julgasse seu caso criminal; em nenhum dos casos tiveram sucesso, ainda que outras ações penais contra o então deputado Jair Bolsonaro tenham tido uma lenta tramitação até serem suspensas, por conta de sua posse como presidente da República.
Para além de demandas pessoais, grande parte dos decretos e das medidas provisórias editadas pelo presidente tiveram sua constitucionalidade questionada na forma e no conteúdo e hoje estão sob o crivo do tribunal.
A medida provisória 870 está sob questão por ter desarranjado os processos de demarcação de terras indígenas, por ferir a liberdade de atuação de organizações da sociedade civil e por ter fragilizado a política de proteção ao trabalho e aos trabalhadores.
A medida provisória 871, por sua vez, é questionada por restringir o acesso a benefícios previdenciários pelo INSS, impondo prazos de prescrição e decadência aos pedidos indeferidos, cancelados ou cessados.
A medida provisória 873, que altera a CLT e muda as regras para as contribuições sindicais, foi judicializada por ferir a liberdade de associação e por esvaziar instâncias coletivas de reivindicação de direitos.
Decretos editados pelo presidente também foram considerados inconstitucionais por representarem abuso de poder regulamentar e estão sob apreciação do Supremo.
Os decretos 9.685, 9.785 e 9.797, que flexibilizaram as normas sobre posse e porte de armas e munições, foram questionados por extravasarem os limites dados pelo Estatuto do Desarmamento e por violarem o direito à segurança pública.
Ações pedem ao STF a imediata suspensão do decreto diante do risco que milhares de armas e munições em circulação geram para a sociedade.
Já o decreto 9.759 extinguiu os conselhos e colegiados no âmbito da administração pública federal e, com eles, a dinâmica dúplice de controle e participação da sociedade civil. Uma ação sustenta que referido decreto é inconstitucional por violar o princípio democrático da participação popular.
A autonomia universitária é objeto de ação que questiona o decreto 9.794, que altera as regras de nomeação em instituições federais de ensino superior, permitindo ao governo analisar a conveniência e oportunidade de nomeações.
O contingenciamento de verbas e redução de investimentos na educação estipulados no decreto 9.741 são questionados por violarem o preceito fundamental à educação de qualidade.
De forma geral, as ações no Supremo contra a agenda do governo o acusam de abusar do poder, bagunçar políticas e violar a Constituição.
Mas há um outro tipo de litígio contra atos do presidente Bolsonaro e de seus ministros no âmbito do que se poderia chamar de para institucionalidade: são medidas anunciadas em canais oficiais e redes sociais, que conduzem a política governamental, mas que não se revestem de forma concreta.
São exemplos os ataques às universidades, a conclamação para festejar o golpe militar, o incentivo à perseguição de professores e ao uso excessivo de força letal por forças de segurança. Essas medidas, que podem tornar o controle judicial mais difícil de ser exercido, também têm sido levadas ao Supremo.
Não é nenhuma novidade que, dado o arranjo constitucional brasileiro, o Supremo ocupe o centro político-decisório; tampouco é novo ver partidos políticos de oposição e atores da sociedade civil acionarem o STF contra medidas do governo (pesquisa de Werneck Vianna, Burgos e Salles constatou isso em relação aos governos FHC e Lula).
Novidade mesmo é ter um presidente da República que despreze e procure atacar o papel de controle exercido pelo Congresso Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal.
O presidente propôs um pacto com os Poderes, mas governar sem compromisso com a Constituição gerará, inevitável e felizmente, a devida reação das instituições incumbidas de protegê-la.
Até o momento o tribunal não impôs nenhuma grande derrota ao governo, mas detém em todas essas ações o poder de revisar os atos do presidente e frustrar parte da agenda governamental inconstitucional.
Por isso, atacar o Supremo é, sobretudo, fragilizar o espaço de controle que tem por missão preservar a Constituição.
*Eloísa Machado de Almeida, professora e coordenadora do Supremo em Pauta da FGV Direito SP
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