quinta-feira, 30 de maio de 2019

*Maria Hermínia Tavares de Almeida: A rua e o povo

- Folha de S. Paulo

O 'povo' de Bolsonaro pode ocupar avenidas, mas é minoria da população

Mobilizar o povo para pressionar as instituições políticas —especialmente o Congresso— é estratégia clássica do populismo. Ela começou a ser posta em prática no último domingo, por iniciativa de grupos mais radicais do bolsonarismo com o dissimulado beneplácito do seu líder e o incentivo entusiasmado de sua prole.

A extrema direita colocou muita gente nas ruas. Ainda assim, ficou bem longe de falar em nome daquilo que o presidente chamou de “essa população maravilhosa” que não pode ser ignorada.

O “povo”, cujas aspirações Bolsonaro imagina encarnar, é uma ficção política; na realidade se divide em relação ao governo, tanto na avaliação do seu desempenho quanto nas expectativas.

Segundo pesquisa de opinião da XP-Investimentos, realizada pelo Ipespe, neste mês, vem caindo a porcentagem daqueles que consideram o governo ótimo ou bom. Tendo chegado a 35%, empatou com os que, crescentemente, pensam que ele é ruim ou péssimo (36%).

O ceticismo também se manifesta na queda de 16 pontos percentuais dos entrevistados com expectativa positiva em relação ao futuro do governo: hoje, menos da metade (47%) prevê que o governo será ótimo ou bom.

Na verdade, embora predomine o total de brasileiros que atribui aos governos passados, especialmente aos do PT, a responsabilidade pelas dificuldades econômicas do presente, simplesmente dobrou a proporção daqueles que pensam que a culpa é do atual.

Bem pesados os números, verifica-se que os manifestantes favoráveis ao presidente e críticos do Congresso e do Judiciário falam hoje em nome de menos de um terço da população. Não passam de 31% aqueles que pensam que o governo deve endurecer suas posições, mesmo que isso lhe torne mais difícil aprovar suas propostas.

Em contrapartida, quase a metade dos brasileiros (48%) pensa que o governo deveria flexibilizar sua conduta para que os seus projetos cheguem a bom termo. Ou seja, o Planalto deveria negociar com o Legislativo: o benefício para a governança do país compensaria o custo (para o prestígio de seu titular) de ele engavetar as suas expressões mais pontiagudas, tão a gosto de seus adeptos aversivos à “velha política”.

No que decerto é o resultado mais significativo do levantamento, 83% dos entrevistados consideram importante que o presidente tenha uma boa relação como o seu homólogo da Câmara, Rodrigo Maia, execrado por manifestantes de domingo.

O “povo” de Bolsonaro pode ocupar avenidas, mas é minoria da população. Como dois mais dois são quatro, governar voltado para ela e em seu nome é receita perfeita de crise política.

*Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

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