- Folha de S. Paulo
Negligência política deixa bola quicando em frente ao Supremo
Não tive tempo de dar uma volta em Copacabana para checar se temos uma epidemia de drogas, como afirmou o ministro da Cidadania, Osmar Terra. Mas os dados da pesquisa da Fiocruz mostram por que os números foram rejeitados pelo governo. Porque não comprovam o que as autoridades querem.
Qualquer percentual, em se tratando de saúde pública, é preocupante, mas o resultado quebra o argumento da epidemia da ala antilegalização. Pela pesquisa, 9,9% dos brasileiros relataram ter usado drogas ilícitas uma vez: 7,7% consumiram maconha, haxixe ou skank, 3,1%, cocaína, 2,8%, solventes e 0,9%, crack. Foi também mapeado o consumo de álcool: 16,5% dos entrevistados cometeram abusos. Talvez tenhamos uma epidemia de bêbados, e não de drogados. Mas isso, pelo visto, não interessa.
No começo de fevereiro, uma comissão formada por juristas e o médico Drauzio Varella, entregou à Câmara o resultado da encomenda de um anteprojeto para mudar a legislação sobre entorpecentes. O parecer, feito com base em dados, foi uma proposta que prevê a descriminalização do uso de drogas em até dez doses, para que o usuário não seja enquadrado como traficante.
O relator da comissão, desembargador Ney Bello, contou-me que desde então não houve nenhum avanço na tramitação do projeto. Talvez porque este não sirva aos interesses da turma que pretende resolver o problema do consumo enjaulando maconheiros e o do tráfico prendendo jovens pobres e negros.
A negligência dos governos e dos parlamentares em discutir tais assuntos de forma técnica, e não moral, e muito menos passeando em Copacabana, foi o que deixou mais uma vez a bola quicando em frente ao STF, que tem na agenda do próximo dia 5, além da criminalização da homofobia, a descriminalização da maconha. É possível que não haja tempo para que as duas pautas sejam votadas. Mas fica o recado para o Congresso: quem não faz leva.
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