- Folha de S. Paulo
Dinheiro disponível após repasses obrigatórios diminui, luta por migalhas vai piorar
A receita anual do governo federal caiu. É menor que no ano passado. Não acontecia desde novembro de 2017. Além do mais, o dinheiro disponível nos primeiros quatro meses do ano diminuiu em relação ao início de 2018.
A arrecadação vinha crescendo cada vez mais devagar desde setembro do ano passado, quando a atividade econômica passou a perder o gás. Vide o Pibinho de crescimento quase nulo do trimestre final do ano passado. Vamos saber nesta quinta-feira (30) do PIB do primeiro trimestre de 2019. Deve ter encolhido, dizem quase todas as estimativas.
Além cair em valores absolutos e reais, a receita fica menor em relação ao PIB, ao tamanho da economia brasileira, que não cresce quase nada e talvez desacelere ainda mais nesta primeira metade do ano.
E daí?
1) Há sinais de estagnação espalhados pela economia inteira: impostos, confiança de consumidor e empresários, perspectivas de contratação de trabalhadores;
2) Não há hipótese razoável de o governo liberar despesas suspensas por precaução ("contingenciamento") antes do trimestre final do ano, sendo otimista e caso entrem mesmo alguns dinheiros excepcionais (leilões de petróleo);
3) A disputa por recursos muito minguados será tensa, é óbvio. Vai se transformar em fúria e balbúrdia se o governo continuar a cometer atrocidades tais quais a do Ministério da Educação. O dinheiro falta mesmo e, olhando a execução do Orçamento, não está acontecendo nada de especialmente pior nas áreas sociais. Juntar "insulto à injúria" dos cortes é, além de burrice, guerra ideológica, como gosta de dizer certa gente do governo.
Para ser mais preciso, a receita total do governo federal ainda cresce, cada vez menos, em direção a quase nada. Aumentava ao ritmo médio de 5% ao ano, na primeira metade de 2018. Agora, cresce a 1,2%. Mas o governo federal não fica com todo dinheiro que arrecada. Por lei, repassa parte para estados e municípios. Descontadas essas transferências obrigatórias, a receita disponível ("líquida") cai, tanto no acumulado em 12 meses como no acumulado do ano, em termos reais (descontada a inflação).
Olhando as entranhas da arrecadação, a coisa não fica mais bonita. A receita de impostos cai porque a indústria vai muito mal, para ficar em apenas um exemplo grave, e porque deixaram de entrar dinheiros excepcionais (de renegociações de dívidas).
Não baixou ainda mais porque os direitos do governo sobre rendimentos da exploração do petróleo engordaram por causa do dólar mais caro, por exemplo.
O déficit primário apenas não aumenta porque a contenção de despesas é maior do que a perda de receita. Se a carruagem continuar nesse andar, não haverá mais como fazer mágicas e milagres. Isto é, partes do governo começariam a parar no ano que vem.
Quando o governo de Michel Temer criou e o Congresso aprovou a emenda constitucional do teto de gastos, em fins de 2016, não estava prevista tamanha asfixia, tão cedo. Na época, acreditava-se que a despesa do governo federal estaria neste 2019 em cerca de 18,5% do PIB (o país cresceria mais de 2% ao ano, haveria reformas, blá-blá e etc. A economia cresce a 1% e não houve reforma).
A despesa está em 19,7% do PIB. A diferença em relação à estimativa é equivalente a uns R$ 83,5 bilhões.
Mesmo com esses otimismos, o teto ficaria inviável em algum momento, tem termos fiscais, sociais ou políticos. Esse "algum momento" chegou mais cedo.
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