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“Estas forças podem se aproximar com base em um Programa Mínimo, discutido entre seus representantes, com vistas a dar um primeiro passo para sair da defensiva, isolando a chamada “ala ideológica” do governo.”
Sergio Augusto de Moraes
Alfredo Maciel da Silveira
Ricardo Pessoa da Silva
Maio/ 2019
“Estas forças podem se aproximar com base em um Programa Mínimo, discutido entre seus representantes, com vistas a dar um primeiro passo para sair da defensiva, isolando a chamada “ala ideológica” do governo.”
Desde novembro de 2018 vários analistas políticos vêm estudando a eleição de Jair Bolsonaro. Até agora preponderam, como é natural, as análises que tentam identificar as causas da derrota dos candidatos do centro e da esquerda.
Elas apontam principalmente para:
- a crise econômica que atinge o país desde 2014;
- as ações do Ministério Público e do Judiciário contra a corrupção dos últimos governos (tidos como de esquerda ou de centro) e a espetacular cobertura política dada pela grande mídia às mesmas;
- o crescimento da violência nas grandes cidades e a incapacidade daqueles governos de enfrentá-la;
- um ativismo identitário, particularmente do PT e aliados, muitas vezes fechado sobre si mesmo, desconectado de uma agenda solidária e emancipatória de todos os oprimidos;
- as condições e práticas usadas pelo PT para construir suas alianças e governar;
- o avanço da direita nos EEUU e na Europa.
Este é um lado da questão. O outro é identificar quem votou e porque votou em Bolsonaro. Claro, este é um universo composto principalmente por aqueles que de uma ou outra maneira foram lesivamente expostos aos fatos acima apontados. Mas há também os votos tradicionais de direita e os ressentidos, os que ficaram à parte há anos, caldo de cultura do antipetismo.
Já no primeiro turno um contingente significativo de votos em Bolsonaro foi motivado por este sentimento. Tal tendência se amplia no segundo turno. A diferença da votação de Bolsonaro entre o primeiro e o segundo turno um contingente de aproximadamente 8,5 milhões de votos, em boa parte votou em Bolsonaro para evitar um novo governo do PT. Por outro lado assinale-se que a diferença da votação de Haddad entre o primeiro e o segundo turnos, algo em torno de 15,7 milhões de votos, não foi uma votação no candidato do PT mas sim uma tentativa de evitar uma provável derrota da democracia, representada pela vitória da candidatura Bolsonaro.
Assim faz-se necessário reconhecer que boa parte dos eleitores de Bolsonaro não é de extrema direita. O vasto e diferenciado contingente de forças - inclusive democratas - que levou Bolsonaro à presidência não tem uma pauta coerente; vem disposto a empreender uma “revolução liberal e de costumes” porquanto há uma grande desilusão com o Estado, com a política, com as questões de gênero. Setores dessas forças querem desfazer parte das conquistas sociais de 1988 e dificilmente se alinhariam a um programa que não contemplasse uma reforma do Estado com tons liberais. Por conseguinte não foi apenas o antipetismo que jogou essa gente nos braços de Bolsonaro.
Este, nos parece, é o quadro de forças delineado pelas eleições. Mas isto muda quando Bolsonaro toma posse, compõe o governo e começa a agir. Nos primeiros meses ele não consegue descolar do que se poderia chamar de “formato eleitoral”: suas ações são balizadas pelo confronto com seus adversários políticos, ele não concentra nos grandes problemas da nação. Privilegia a ação nas mídias sociais, não age como chefe de estado. Até seus ministros mais lúcidos criticam “em off” tal comportamento.
Até certo ponto isto é fruto natural da diversidade de sua base eleitoral e de sua reconhecida incompetência para governar. Não é de estranhar que nestes primeiros meses as pesquisas de opinião indiquem uma queda de 15% na aprovação do governo entre aqueles que o apoiavam.
Mas os democratas de esquerda e de centro, apontando tais erros, podem e devem propor alternativas.
A começar pela necessária reforma da previdência, trabalhando pela aprovação de uma proposta na qual conste:
A começar pela necessária reforma da previdência, trabalhando pela aprovação de uma proposta na qual conste:
1 – transparência aos distintos orçamentos da Seguridade e da Previdência Sociais;
2- conjugação de justiça social e de adaptação às dinâmicas demográfica e do mercado de trabalho;
3- estrito compromisso com o princípio constitucional da solidariedade (Art. 3º, inciso I da CF).
Destarte as análises já feitas e as medidas e ações do governo Bolsonaro nestes poucos meses já nos permitem esboçar e discutir elementos de uma tática para enfrentá-lo.
O primeiro passo é reconhecer que os democratas de esquerda e de centro sofreram uma séria derrota e que diante disto é necessário recuar de suas posições anteriores a outubro de 2018. Esta é uma ação indispensável para unir os democratas, atrair ou neutralizar os setores democráticos que votaram em Bolsonaro e aqueles que irão perder com as medidas deste governo.
Pela grande esperança que fora empenhada no PT pelo povo brasileiro, merece destaque analisar o comportamento de seus dirigentes. De fato nem há mais por que cobrar-lhes qualquer autocrítica, porquanto do ponto de vista deles não haveria mesmo que fazê-la: seja por estarem embasados no referencial teórico do populismo latino-americano, tido como “revolucionário” e “de esquerda” - e encarnado na figura indiscutivelmente carismática de Lula - seja pelo jogo oportunista que aceitam fazer com os interesses de seu “vitimizado” líder, renunciando a compromissos e alianças com outras lideranças democráticas pelo bem do país e de seu povo, conforme ostensiva e lamentavelmente se comportaram nos dois turnos das eleições, conduta que segue reiterada nestes primeiros meses do governo Bolsonaro.
Outro passo é dar sentido e esperança a uma “esquerda órfã”, uma massa de milhões de cidadãos, reformistas, sensíveis à questão social no Brasil, que até hoje não conseguiu se libertar do "Lula Livre", gente que foi traída pelo PT, gente que não sabe pra onde ir. Essa massa de esquerda não pode jamais ser confundida com a alta cúpula do petismo. É preciso tratá-la de maneira distinta, visando ações conjuntas.
Já acusamos que os conflitos e divisões no governo Bolsonaro advêm, no fundamental, da diversidade de seus eleitores. Não somente aquela derivada do que vem se chamando de “antipetismo” mas também aquela contida em seu eleitorado no primeiro turno, um contingente desorganizado, movido pela antipolítica, pelo medo, pelo preconceito. A linha que até agora o governo vem adotando demonstra que ele não governa para o conjunto de seus eleitores e muito menos para todo o povo brasileiro. Este contingente de eleitores de Bolsonaro, não contemplado pelas medidas do governo, embora difícil de ser atraído para uma ação comum com o centro e a esquerda, todavia pode ser neutralizado.
Entretanto há que assinalar que o atual governo conta com o apoio de 59% dos empresários (pesquisa CNI/ Ibope). Dentre estes há que destacar o apoio do agronegócio, hoje o setor mais dinâmico da economia. Apesar de não termos números de uma pesquisa específica, todas as indicações são de que o apoio das camadas médias, decisivo que foi para a eleição de Bolsonaro, continua vigente mas vem se reduzindo. É outro o movimento dos setores populares, não só pelo seu comportamento nas eleições mas também pela reação à incapacidade do governo de mudar minimamente o quadro da economia, quando aposta todas as cartas na aprovação de seu projeto de Reforma da Previdência, criticado pelas centrais sindicais e pelas lideranças populares.
Outro problema é que do lado de cá, do lado das forças reformistas ou "progressistas", faltam nomes de referência que possam suprir a falta de um Partido ou Partidos que pudessem unir os democratas. Gente como Ciro e Marina teriam que se reinventarem para se livrarem de seu personalismo.
As indicações são de que o conjunto de eleitores democráticos delineados nos parágrafos precedentes não quer um novo governo do PT e portanto que este partido não pode hegemonizar uma ampla aliança que permita evitar o pior, ou seja, a quebra das instituições e princípios básicos da Constituição de 1988. Como alguns analistas já vem apontando há movimentos de alguns políticos de destaque no sentido de aproximar partidos do centro e da esquerda democrática, com hegemonia do centro. Pode ser uma alternativa.
Mas não podemos cair no imobilismo ou na oposição retórica pela falta de líderes populares e democráticos com ampla base eleitoral. Estas forças podem se aproximar com base em um Programa Mínimo, discutido entre seus representantes, com vistas a dar um primeiro passo para sair da defensiva, isolando a chamada “ala ideológica” do governo.
Tal Programa poderia incluir algumas ou mesmo todas as seguintes medidas:
1 - Respeito às instituições básicas e princípios da Constituição de 88.
2- Apoio a reformas mitigadoras da ineficiência do Estado.
3 – Defesa do patrimônio intelectual, tecnológico, e econômico-financeiro das empresas estatais e de economia mista indispensáveis a um desenvolvimento socioeconômico soberano da nação.
4- Não permitir que a política de paz com nossos vizinhos, historicamente construída pelo Itamaraty, venha a ser desrespeitada.
5- Manter o Brasil nos acordos de Paris com respeito ao que ali se define como proteção do meio ambiente.
6- Manter o SUS.
7- Manter uma visão humanista da educação.
8 - Dar continuidade ao combate à corrupção.
9 - Tomar medidas efetivas para retomar o desenvolvimento.
10 - Desenvolvimento de uma política nacional de segurança pública.
11- Realização de reformas que combatam os privilégios e as desigualdades.
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