Presidente confraternizou com manifestantes contra o Congresso, em frente ao Quartel General do Exército
Por Andrea Jubé e Fabio Murakawa | Valor Econômico
BRASÍLIA - Causou repúdio entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), governadores, parlamentares e ex-presidentes da República a participação do presidente Jair Bolsonaro ontem em ato de ataques ao Congresso Nacional e a favor da intervenção militar. No Dia do Exército, apoiadores do presidente se aglomeraram no Quartel-General (QG) - sem máscaras e expostos ao coronavírus - para gritar palavras de ordem contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e pela edição de um novo AI-5.
Em um discurso inflamado, Bolsonaro avisou que não tem mais espaço para diálogo. “Não queremos negociar nada, queremos é ação pelo Brasil", afirmou, do alto de uma viatura da Polícia Militar. Tossindo muito, com a voz falhando em alguns momentos, o presidente chamou o povo para a briga ao seu lado. "Acabou a época da patifaria, agora é o povo no poder, lutem com o seu presidente".
Sem citar governadores ou prefeitos, que têm mantido o comércio fechado como política para conter a expansão do coronavírus, ele afirmou que fará o que for necessário "para que possamos manter a nossa democracia e garantir o que há de mais sagrado, que é a nossa liberdade".
Ainda em claro recado aos gestores estaduais e municipais, Bolsonaro declarou que "todos no Brasil têm que entender que estão submissos à vontade do povo brasileiro”. Ao fim, ele bradou, ecoando a fala da campanha: "chega de velha política".
O ministro do STF e futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, disse que é “assustador ver manifestações pela volta do regime militar, após 30 anos de democracia”, e que defender a Constituição e a democracia é seu papel e seu dever. O ministro do STF Gilmar Mendes cobrou responsabilidade política e união. “Invocar o AI-5 e a volta da Ditadura é rasgar o compromisso com a Constituição e a ordem democrática”. O ministro Marco Aurélio Mello disse ao Valor que "não há espaço para retrocesso". "Os ares são democráticos e assim continuarão. Visão totalitária merece a excomunhão maior", alertou. Já o presidente do Supremo, Dias Toffoli, silenciou.
Alvo dos ataques, Rodrigo Maia reagiu no início da noite. Na rede social, sem citar Bolsonaro, lamentou que enquanto o mundo está unido contra o coronavírus, no Brasil também é preciso lutar contra o “vírus do autoritarismo”. Reforçou: “em nome da Câmara dos Deputados, repudio todo e qualquer ato que defenda a ditadura, atentando contra a Constituição”.
Governadores de 20 Estados assinaram carta pública de apoio a Maia e também ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que não comentou a manifestação presidencial, afirmando que a saúde e a vida dos brasileiros devem estar acima de “interesses políticos”.
Alegam que o inimigo comum é o coronavírus e fazem aceno de diálogo ao Executivo ao afirmar que não há “conflitos inconciliáveis” entre a proteção da população e da economia. Os governadores ainda aguardam socorro maior da União aos cofres estaduais.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lamentou a adesão de Bolsonaro a manifestações antidemocráticas. “É hora de união ao redor da Constituição contra toda ameaça à democracia”. Numa fala mais dura, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva observou que a mesma Constituição que permite a eleição democrática de um presidente, tem “mecanismos para impedir que ele conduza o país ao esfacelamento da democracia e a um genocídio da população”.
O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), oferecerá representação contra Bolsonaro por crime de responsabilidade (expor a população a risco de doença contagiosa) à Procuradoria-Geral da República (PGR).
O líder da oposição na Câmara, André Figueiredo (PDT-CE), afirmou que o ato de ontem não pode ser esquecido, mas a prioridade agora é conter o vírus: “Mas é motivo para impeachment? Com certeza, no futuro, será avaliado, mas o Brasil precisa concentrar seus esforços no enfrentamento dessa pandemia”.
Apesar das críticas ao establishment, Bolsonaro passou os últimos dias reunido em seu gabinete com a "velha política". Recebeu lideranças do PP, PL e Republicanos - partidos que ele e seus aliados associam ao Centrão -, com quem abriu negociações para ampliar o espaço deles no governo.
Fontes palacianas minimizaram o comparecimento de Bolsonaro a uma manifestação pró-AI-5. Para auxiliares do presidente, o discurso de ontem foi um “exercício de retórica” para manter a sua base eleitoral aquecida. A avaliação é de que quando Bolsonaro adotou um tom moderado, continuou sofrendo críticas da imprensa, e simultaneamente, perdeu apoio da ala ideológica. (Colaboraram Luisa Martins, Raphael Di Cunto, Mariana Ribeiro e Natália Portinari, de O Globo)
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