- O Estado de S.Paulo
O 'medo da morte' relativiza as preocupações com as potenciais perdas econômicas
Tem ganhado força a interpretação de que a política de isolamento social, preconizada pela Organização Mundial da Saúde e implementada pelos governadores dos estados, estaria sendo primordialmente apoiada por aquelas pessoas que teriam recursos financeiros para se manter confortavelmente em quarentena. A pressuposição, inclusive reverberada pelo presidente Bolsonaro, é a de que seria mais fácil para o grupo social de maior renda priorizar os cuidados com a saúde e relegar os problemas econômicos gerados pela pandemia para segundo plano.
Por outro lado, as famílias com rendimentos mais baixos, que dependem de rendas do trabalho e/ou de transferências governamentais, seriam mais vulneráveis e, portanto, necessitariam voltar mais cedo às suas atividades profissionais e apresentariam assim maior resistência a manutenção do isolamento social. Na realidade, as famílias menos abastadas já estariam sendo atingidas pela crise.
Muitos não teriam recursos para alimentação, aluguel, remédios etc. Sabem que seus empregos, casas, negócios, estariam em risco iminente, especialmente o setor de serviços, onde as famílias mais pobres e de menor qualificação estão mais empregadas. Por isso, prefeririam enfrentar o risco de serem contaminados pelo vírus e voltar ao trabalho.
Será que este aparente antagonismo em relação ao isolamento social é realmente baseado nas diferenças de renda ou risco de prejuízo econômico? Para responder essas perguntas, eu e meus colegas Amanda Medeiros e Frederico Bertholini fizemos uma pesquisa de opinião, com o apoio do Estado. O questionário foi divulgado nas redes sociais, em especial pelo WhatsApp, entre os dias 28 de março a 04 de abril. A amostra total foi de 7848 respostas válidas.
A grande maioria dos respondentes que se auto identificam como de esquerda, centro-esquerda e centro discordaram da atuação de Bolsonaro durante a pandemia e aprovaram o isolamento social. Resolvemos, portanto, concentrar a análise apenas no segmento onde observamos variância de opiniões, entre os respondentes que se auto identificam como centro-direita e direita. Será que o nível de renda ajuda a explicar as diferenças de opinião?
A Figura 1 mostra que, ao contrário da expectativa de que as pessoas com diferentes faixas de renda deveriam exibir distintos padrões de apoio a política de isolamento social, a diferença entre as médias das distintas faixas de renda não é estatisticamente diferente. Ou seja, pelo menos até a semana que os dados foram coletados, a sociedade não está cindida pela renda. Os mais pobres e os mais ricos ainda estão no mesmo barco, apoiando majoritariamente o isolamento social e se opondo a recomendação do presidente de volta ao trabalho.
O que dizer dos potenciais prejuízos econômicos gerados pela política de isolamento social? A Figura 2 mostra a distribuição dos distintos níveis de prejuízo econômico em função do apoio à flexibilização do isolamento social pelo presidente, correlacionada com o conhecimento de pessoas infectadas pela Covid-19 e seus respectivos graus de gravidade.
Distribuição do nível de prejuízo econômico em função do apoio à flexibilização do isolamento social pelo presidente, correlacionada com o conhecimento de pessoas infectadas pela Covid-19 e seus respectivos graus de gravidade.
Enquanto os que não conhecem pessoas contaminadas (linha escura) chegam a apoiar a política do presidente e identificam risco de grande prejuízo econômico como consequência isolamento social, os que conhecem pessoas que se contaminaram e que vieram a falecer (linha amarela) não apresentam variação em relação aos níveis de prejuízo econômico. Em outras palavras, a gravidade da contaminação que eventualmente venha a gerar óbito, leva as pessoas a minimizar as potencias perdas econômicas que o isolamento social possa vir a lhes proporcionar.
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