Presidente esteve em ato no qual apoiadores pediam afrouxamento de medidas contra a Covid-19, o fechamento do Congresso e do Supremo e um novo AI-5; ex-presidente Fernando Henrique Cardoso classifica atitude como 'lamentável'
João Paulo Saconi e Natália Portinari | O Globo
RIO e BRASÍLIA - A presença do presidente JairBolsonaro em um protesto em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, gerou reações de autoridades ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e parlamentares . No ato, os manifestantes utilizaram cartazes e gritos de ordem para expressar demanda inconstitucionais, como uma intervenção militar, o fechamento do Congresso e do STF e um novo AI-5, ato que marcou o início da fase mais violenta da ditadura militar. Entre os principais pedidos estava também a retomada de atividades econômicas não-essenciais, interrompidas por prefeitos e governadores como forma de combater o avanço do novo coronavírus.
O incômodo com o episódio ficou evidente em mensagens publicadas nas redes sociais pelos ministros do Supremo Marco Aurélio Mello e Luis Roberto Barroso, recém-eleito para presidir o Superior Tribunal Eleitoral (TSE). Também se manifestaram o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador João Doria (SP). Houve ainda falas de senadores — incluindo Randolfe Rodrigues (REDE-AC), líder da oposição no Senado — e deputados. O PSDB, partido de FH e Doria, se expressou por meio de nota assinada pelo presidente da sigla, Bruno Araújo.
Além de ter se encontrado com os manifestantes, que estavam aglomerados e contrariavam recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do próprio Ministério da Saúde, Bolsonaro discursou para eles e depois reproduziu imagens da reunião nas redes sociais.
O ministro Marco Aurélio disse ao GLOBO que o ato é uma atitude de "saudosistas inoportunos":
— Tempos estranhos! Não há espaço para retrocesso. Os ares são democráticos e assim continuarão. Visão totalitária merece a excomunhão maior. Saudosistas inoportunos. As instituições estão funcionando.
Barroso publicou duas mensagens no Twitter nas quais classificou o traço autoritário do movimento como "assustador" e afirmou que "pessoas de bem e que amam o Brasil" não desejam o retorno do estado de exceção vivido entre as décadas de 1960 e 1980.
"É assustador ver manifestações pela volta do regime militar, após 30 anos de democracia. Defender a Constituição e as instituições democráticas faz parte do meu papel e do meu dever. Pior do que o grito dos maus é o silêncio dos bons (Martin Luther King). Só pode desejar intervenção militar quem perdeu a fé no futuro e sonha com um passado que nunca houve. Ditaduras vêm com violência contra os adversários, censura e intolerância. Pessoas de bem e que amam o Brasil não desejam isso", escreveu Barroso.
O ministro Gilmar Mendes não chegou a se pronunciar, mas replicou em sua rede social a fala de Barroso, apesar de os dois pouco se falarem.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse, em rede social, que é "lamentável que o PR adira a manifestações antidemocráticas. É hora de união ao redor da Constituição contra toda ameaça à democracia. Ideal que deve unir civis e militares; ricos e pobres. Juntos pela liberdade e pelo Brasil."
Adversário político do presidente, Doria fez menção direta à atitude de Bolsonaro.
"Lamentável que o presidente da república apoie um ato antidemocrático, que afronta a democracia e exalta o AI-5. Repudio também os ataques ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal. O Brasil precisa vencer a pandemia e deve preservar sua democracia", publicou o governador.
A nota emitida pelo PSDB e assinada por Bruno Araújo, presidente da legenda tucana, diz que "o presidente eleito jurou obedecer à Constituição brasileira" e que "ao apoiar abertamente movimento golpista, coloca em risco a democracia e desmoraliza o cargo que ocupa". Em nome do PSDB, Araújo afirmou ainda que "o povo e as instituições brasileiras não aceitarão".
Eco na Câmara e no Senado
Também por meio do Twitter, senadores e deputados se manifestaram sobre a presença de Bolsonaro na manifestação. Houve publicações de Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado, e dos deputados Marcelo Freixo (PSOL-RJ); Ivan Valente (PSOL-RJ), entre outros.
"Enquanto enfrentamos a pior crise da nossa geração, com a capacidade do nosso sistema de Saúde comprometida, com pessoas morrendo e os casos aumentando, Bolsonaro vai às ruas, além de aglomerar pessoas, atacar as instituições democráticas. É patético!", diz trecho da mensagem compartilhada por Randolfe.
O senador ainda cobrou atitudes do procurador-geral da República, Augusto Aras, para que a participação de Bolsonaro no ato tenha consequências jurídicas:
"Agora cabe ao procurador-geral da República, Augusto Aras, abrir processo contra o Presidente da República por mais esse atentado ao povo brasileiro. Se Bolsonaro não respeita a Constituição Federal, as instituições devem funcionar tanto para ele, enquanto presidente, como para qualquer cidadão que comete crimes!", defendeu Randolfe.
Para o líder da oposição na Câmara, André Figueiredo (PDT-CE), o Congresso não pode cair no "jogo" de Bolsonaro em prol de uma "ruptura democrática".
— Temos que ter muita serenidade para não cair nessa cilada. Eu vejo que a irresponsabilidade dele já ultrapassou todos os limites. Ir para o enfrentamento agora é colocar em risco a vida de milhões de brasileiros. Não é o momento de jogar o jogo que ele quer jogar e que a legião de cegos que o acompanha querem jogar.
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