segunda-feira, 20 de abril de 2020

Marcus André Melo* - A bazuca neoliberal

- Folha de S. Paulo

As consequências políticas dos pacotes de estímulo fiscal poderão surpreender

A reação ao pacote de estímulo fiscal de Trump (US$ 2,2 trilhões) e ao brasileiro (8% do PIB) tem sido que “generosidade fiscal em governo liberal é um oximoro”. A bazuca fiscal dos governos “de direita” que ascenderam ao poder na última década reacende o debate sobre preferências de política econômica. O que acontece quando tais governos alimentam o Leviatã? Eleitorados conservadores preferem políticas econômicas “de direita”? Qual impacto dos 150 milhões de corona cheques nos EUA?

O suposto de identidade universal entre conservadorismo e a agenda de Estado mínimo não é suportado por evidências. Só está presente nos EUA e outros poucos países e mesmo assim restringe-se às elites políticas, e não às crenças da massa. A caracterização bidimensional de preferências segundo um eixo comportamental/costumes e outro econômico capta parte do problema, mas só recentemente o tema foi objeto de pesquisas rigorosas.

A base de dados reúne 326 mil observações sobre preferências individuais em temas comportamentais (religião, comportamento sexual, minorias etc) e intervenção do Estado (propriedade de empresas, tributação, redistribuição etc.).

A conclusão do estudo é que valores conservadores na esfera dos costumes não mantêm correlação com políticas econômicas “de direita” (Estado mínimo/austeridade fiscal)”.

Eles não são preditores de preferências —na realidade, a correlação é fraca e negativa— no que se refere à esfera da economia, e vice versa.

As preferências das pessoas estariam organizadas em torno de um continuum entre maior proteção/segurança versus maior liberdade, e não de esquerda-direita.

Outro achado é que a consistência esquerda —direita só está presente no mundo anglo-saxônico, especificamente em suas elites, não na opinião pública em geral. Em outras palavras governos, partidos e a elites econômicas e sociais exibem consistência de crenças, mas o eleitorado como um todo não, o que engendra patologias na representação política.

Para Lelkes e associados as crenças de massa refletem valores e estratégias das elites, que podem ser ou não bem-sucedidas em estabelecer essa associação entre agenda de costumes e agenda de intervenção na economia. Nos EUA, essa estratégia foi perseguida pelas elites partidárias republicanas com sucesso desde a década de 60, mas nem sempre foi assim.

Mas se isso é verdade, os republicanos poderiam se reinventar como partido da proteção? E no resto do mundo qual será o impacto no eleitorado da massiva virada expansionista dos governos “de direita”?

*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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