Exceto
se reduzirmos o País aos limites mentais de Bolsonaro e seus mais retrógrados
apoiadores
Política
externa não é um tema popular. Mas nas circunstâncias do mundo de hoje erros ou
acertos nesse campo vão repercutir no cotidiano das pessoas comuns. É preciso
acionar os sinais de alerta para uma configuração negativa no horizonte. Nela
nos poderemos isolar, simultaneamente, da Europa e dos Estados Unidos.
No front europeu, são inúmeras as
advertências de que o acordo comercial com o Mercosul subiu no telhado por
causa da política ambiental do governo Bolsonaro. A recusa começa por
Parlamentos nacionais, estende-se ao Parlamento Europeu e já aparece no
discurso oficial da França. Angela Merkel tem sofrido forte pressão, embora
reconheça, como estadista, a importância do acordo e a necessidade de salvá-lo
dos desatinos bolsonaristas.
Nos
EUA, além da China, o Brasil foi o único país a ocupar a agenda do debate na
campanha presidencial: Joe Biden anunciou a possibilidade de reunir
investimentos de US$ 20 bilhões para preservar a Amazônia e ameaçou com sérias
consequências econômicas caso não se altere a política do governo brasileiro na
região.
Além
das divergências no campo ambiental, Biden discorda claramente da visão de
Bolsonaro sobre a tortura no regime militar. Ele veio pessoalmente entregar a
Dilma Rousseff documentos do governo americano que confirmam e até mesmo
ampliam o conhecimento sobre a repressão no período. São textos de diplomatas
americanos, baseados também na ampla equipe de informantes nacionais, militares
incluídos.
Sou
adversário da política destrutiva de Bolsonaro e lamento a visão das Forças
Armadas sobre a Amazônia, que me parece uma estratégia de defesa ultrapassada e
míope. No entanto, duvido que restrições econômicas sejam a melhor fórmula para
resolver esse problema crucial para a humanidade. Baseio-me nas experiências
históricas de bloqueio, que de modo geral fortaleceram governos despóticos e
penalizaram seus povos. Barack Obama compreendeu isso ao inaugurar uma nova
política sobre Cuba. Antes de o próprio Obama buscar acordo com o Irã, a
habilidade do diplomata brasileiro Celso Amorim conseguiu desatar o nó, pela
ONU, que estrangulava o povo iraniano e, em contrapartida, pouco incomodava os
aiatolás.
Por
isso acho que um amplo e cuidadoso diálogo com o Brasil seria muito mais
adequado para tratar desse problema, que preocupa o mundo. Bolsonaro é
irredutível e dificilmente deixará entrar um raio de luz nas trevas que o
dominam.
O
mesmo não se pode afirmar de dois outros atores decisivos: o agrobusiness e as Forças
Armadas. Os produtores brasileiros até que compreendem as restrições no mercado
externo. Mas é preciso convencê-los também de suas perdas com o aquecimento
global e a destruição da Amazônia.
Pesquisas
recentes já quantificam os prejuízos que as plantações brasileiras tiveram com
a onda de calor: R$ 20 bilhões. A tendência é aumentar e não atingir apenas o
que se planta, mas também os animais. Houve há poucos dias uma grande perda de
aves no interior de São Paulo. Da mesma forma, é preciso convencê-los da
importância da floresta em pé para o regime de chuvas, falar dos rios voadores,
tão importantes para irrigar as plantações, apagar incêndios.
Quanto
às Forças Armadas, é preciso discutir com elas, perguntando quem é o inimigo na
Amazônia. A ideia de que as grandes potências querem levar o nosso minério não
é defensável. Nenhum país suportaria a rejeição internacional por um punhado de
ouro. A própria França não conseguiu levar adiante seus planos de abrir minas
na Guiana.
A
ocupação territorial da selva não é inteligente nem exequível. Resta um
problema internacional que sempre tentamos equacionar: a biopirataria. Mas isso
se resolve com leis que protejam o conhecimento nativo e uma fiscalização
eficaz. Inúmeros projetos já foram elaborados, mas esse é um tema dinâmico e
merece sempre atualizações.
Não
pode ficar de fora no debate com os militares a questão indígena. A
Constituição prevê o respeito a suas cultura e tradições. Dissolvê-los na
sociedade abrangente não é o caminho escolhido. É possível pensar um projeto de
defesa que implique simultaneamente proteção da diversidade biológica e da
cultural, pois elas se entrelaçam.
Nesse
longo processo de debate necessariamente surgirão acordos, mediações, ninguém é
dono da verdade. Se houver um entendimento entre os brasileiros, estaremos em
excelente posição para assumir nosso papel de potência ambiental e trazer o
mundo para cooperar conosco.
Não
somos uma ilha, exceto se quisermos reduzir o Brasil aos limites mentais de
Bolsonaro e seus apoiadores mais retrógrados. As dimensões do Brasil
encolheram. Éramos um interlocutor importante nos encontros internacionais.
Antes mandávamos ideias, hoje enviamos agentes de inteligência para os grandes
debates. Isso mostra não a estreiteza das novas posições, mas a paranoia que
domina o governo.
O
mundo contra o Brasil, isso não existe. Há apenas uma grande rejeição à
política de Bolsonaro. O que o mundo tem são saudades do Brasil, um país
orgulhoso de seus recursos naturais, aberto à cooperação planetária, atento à
busca da paz. Sem a raiva que, de repente, o dominou.
*Jornalista
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