sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Luiz Carlos Azedo - O traficante e o senador

- Correio Braziliense

O julgamento do habeas corpus de André do Rap foi o assunto político da semana, mas acabou ofuscado pelo flagrante no senador Chico Rodrigues (DEM-RR), com R$ 37 mil na cueca

O Supremo Tribunal Federal(STF), por 9 a 1, confirmou a decisão do presidente da Corte, ministro Luiz Fux, que cassou a liminar que soltou o traficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap, da lavra do ministro Marco Aurélio Mello. Um dos chefões do Primeiro Comando da Capital (PCC), o traficante fugiu para o exterior. A decisão era pedra cantada, assim como o bate-boca no final do julgamento entre os dois ministros. Novo decano, Marco Aurélio sustentou sua posição, embora tenha negado um habeas corpus de um comparsa do fugitivo, cujo advogado alegou as mesmas razões acolhidas no caso de André do Rap, para pedir sua libertação.

Apesar do resultado dilatado, a sessão de ontem foi tensa. Todos ressaltaram a necessidade de o presidente da Corte respeitar as liminares dos ministros, e trataram o caso de André do Rap como excepcionalidade. O ministro Ricardo Lewandowski chegou a criticar Fux por ter sustado uma de suas liminares, durante um plantão, quando era vice-presidente do Supremo. Houve críticas dos ministros à proposta de mudanças no sistema de distribuição de processos por ato administrativo feita por Fux.

O ministro Gilmar Mendes destacou as falhas no caso de André do Rap, uma vez que a liminar concedida por Marco Aurélio foi dada após o advogado do traficante ter peticionado pela segunda vez; antes, havia retirado outro pedido de habeas corpus, que fora distribuído para a ministra Rosa Weber. Também criticou a omissão do juiz de primeira instância, que deveria ter se pronunciado no prazo de 90 dias, e o Ministério Público Federal (MPF), que somente recorreu da decisão no sábado passado, o que também facilitou a fuga do traficante, que não foi devidamente monitorado pela polícia.

O julgamento do habeas corpus de André do Rap foi o assunto político da semana, mas acabou ofuscado pela operação de busca e apreensão da Polícia Federal que flagrou o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), vice-líder do governo no Senado, tentando esconder R$ 37 mil dentro da cueca. O delegado que comandava a operação desconfiou do volume do calção do pijama que o senador usava em sua casa e resolveu fazer uma revista íntima no parlamentar. O vexame foi notícia no mundo inteiro e virou meme nas redes sociais. O ministro Luís Roberto Barroso, que determinou a operação, depois do flagrante, decidiu afastar Chico Rodrigues do mandato por 90 dias, mas não concedeu o pedido de prisão feito pela Polícia Federal. Os vídeos que registram o momento do flagrante não foram divulgados e estão trancados num cofre da PF.

Dinheiro da Saúde

Com lugar agora garantido no folclore político da pior maneira possível, Chico Rodrigues criou grande constrangimento para o presidente Jair Bolsonaro, de quem era amigo desde os tempos em que ambos foram deputados na Câmara. Por recomendação do Palácio do Planalto, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, aconselhou o parlamentar a renunciar ao cargo de vice-líder do governo, o que foi feito ontem mesmo. O senador está sendo pressionado pela cúpula do DEM, inclusive o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP), a renunciar ao mandato, mas resiste. Não quer perder a imunidade parlamentar, com medo de ser preso imediatamente.

GuesChico Rodrigues, segundo as investigações, articulou a remessa de recursos federais destinados ao combate à covid-19 em Roraima, sob condição de que fosse contratada a empresa Quantum Empreendimento em Saúde, controlada por Jean Frank Padilha Lobato, apontado como seu operador. Segundo relatórios da CGU, a empresa assinou um contrato de R$ 3,2 milhões com o governo de Roraima, para fornecimento de kits de testes de covid-19, com superfaturamentos da ordem de R$ 956,8 mil. O senador chegou a solicitar um avião da FAB para transportar materiais da Quantum, o que está sendo investigado, pois o ônus do transporte deveria caber à empresa e não ao Ministério da Defesa.

Com acesso direto ao presidente Jair Bolsonaro, Chico Rodrigues era muito influente, com vários apadrinhados indicados para órgãos federais em Roraima. Integraria um esquema que desviou mais de R$ 20 milhões em emendas parlamentares, que seriam destinadas ao combate da covid-19 no estado. Roraima já recebeu, em 2020, cerca de R$ 171 milhões repassados pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS). Desse valor, R$ 55 milhões eram especificamente para combate à covid-19.

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