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O Globo
O
Supremo Tribunal Federal (STF) esteve envolvido nos últimos dias em situações
extremas, desde a soltura de um traficante condenado a 25 anos por tráfico
internacional de drogas, até a suspensão de um senador da República que
escondia dinheiro não apenas na cueca, mas também nas nádegas.
O presidente Bolsonaro, que alardeava que em seu governo não havia corrupção,
teve que abrir mão de seu vice-lider Chico Rodrigues, com quem dizia ter “quase
uma relação estável”.
O presidente do STF, ministro Luis Fux, teve ontem ratificada sua decisão de
suspender o habeas corpus que seu colega Marco Aurélio Mello dera ao traficante
André do Rap, em prisão preventiva. O que para Marco Aurélio desmoralizou o
Supremo, para Fux a cassação salvou o tribunal da desmoralização.
Mesmo os que se incomodaram com a possibilidade de o presidente do Supremo
cassar decisão de um colega, admitiram que a medida foi acertada devido à
urgência do caso e à periculosidade do condenado.
Nos dois casos o Legislativo está envolvido. No habeas corpus, o ministro Marco
Aurélio obedeceu à letra fria da lei, sem levar em conta outros critérios para
apenas constatar que a prisão não fora reafirmada após 90 dias, como manda o
artigo 316 introduzido no Código de Processo Penal (CPP) pelo Congresso através
do pacote anticrime.
Ao final do julgamento, ficou definido que a soltura dos presos depois de 90
dias sem revisão da prisão preventiva não é automática, como interpretou Marco
Aurélio. O juiz de primeira instância que decretou a prisão terá que ser
consultado sobre se as razões da prisão continuam válidas. Com isso, mantém-se
a sentido benéfico da lei, que é o de impedir que presos sem acusação formal ou
sem julgamento apodreçam nas prisões. Mas impede-se que criminosos do colarinho
branco e grandes traficantes se beneficiem do artigo para fugir, como aconteceu
com André do Rap.
O próximo passo será definir se presos condenados em segunda instância não
necessitam de uma revisão, como era o caso do traficante. Essa alteração,
proposta pelos ministros Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso, teve o
apoio do presidente Fux, mas o ministro Ricardo Lewandowski se opôs,
argumentando que cada caso tem que ser analisado individualmente, e lembrando
que o Supremo já mudou a jurisprudência sobre a prisão em segunda instância,
permitindo que os condenados recorram até o trânsito em julgado.
O caso do senador Chico Rodrigues, do DEM, tem sabor de farsa ao repetir
tragédia já ocorrida durante o mensalão com um assessor do deputado federal
petista José Guimarães, preso com dólares na cueca. Desta vez o esconderijo foi
mais além da cueca, uma situação tão escatológica que obrigou o ministro
Barroso a pedir à Polícia Federal que guardasse num cofre “em absoluto sigilo”,
pois, “Consoante informado pela autoridade policial, o registro exibe
demasiadamente a intimidade do investigado. (...) Se comprovada a
culpabilidade, estará justificada a sua punição, mas não sua desnecessária
humilhação pública”.
O ministro do STF não aceitou o pedido de prisão feito pela Polícia Federal,
mas determinou o afastamento do senador por 90 dias, prorrogáveis por mais 90.
Agora caberá ao Senado decidir se acata a decisão do ministro. Ficam então
Câmara e Senado com questões éticas em suspenso.
A deputada federal Flordelis, acusada de um crime hediondo juntamente com
vários filhos seus, anda com tornozeleira eletrônica, mas não vai presa porque
tem imunidade parlamentar. A Câmara não consegue reunir seu Conselho de Ética
para cassar seu mandato, num movimento corporativista vergonhoso.
Agora o Senado terá que encarar mais esse problema ético. Não há prova mais
definitiva de quebra do decoro como a que o senador Chico Rodrigues deu.
A maior prova de que o dinheiro que tentou esconder no seu íntimo é ilegal é
que ele declarou à Justiça Eleitoral em 2018 que tinha em casa cerca de R$ 500
mil em dinheiro vivo.
Esse caso tem o agravante de ser conseqüência de verbas extras para combate à
Covid-19 que o presidente Davi Alcolumbre conseguiu com o Palácio do Planalto
para pavimentar o apoio à sua reeleição, até o momento ilegal.
A que ponto chegamos. Onde
acabaremos?
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