O
escândalo enojante, em todos os sentidos da palavra, do ex-vice-líder do
governo, senador Chico Rodrigues, é a mais recente prova de como Jair Bolsonaro
usou abusivamente a bandeira do combate à corrupção, vendendo-se diferente do
que sempre foi. Não precisava mais nada no governo, mesmo assim houve essa
última excrescência. Bastava a abundância de dinheiro sem origem ou sem
explicação clara que circula nas mãos ou nas contas de Bolsonaro, seus filhos,
sua mulher e suas ex-mulheres. No fim do dia, o ministro Luís Roberto Barroso
determinou o afastamento do senador do mandato por 90 dias, decisão ainda
sujeita à aprovação pelo Senado.
O
senador foi removido da vice-liderança pelo governo, mas isso não apaga o fato
de que foi líder, tinha com o presidente da República uma relação definida por
Bolsonaro como “quase uma união estável”, emprega no seu gabinete Leo Índio, o
notório primo dos filhos do presidente. O distanciamento que Bolsonaro tenta
agora ter em relação ao senador foi o mesmo movimento que ele executou contra o
advogado Frederick Wassef, o mesmo que tenta manter de Fabrício Queiroz, que,
por sua vez, tinha ligação com Adriano da Nóbrega, chefe miliciano.
Bolsonaro
terá que fazer cada vez mais esforço para manter o seu discurso que foi
definido pelo senador Chico Rodrigues como de “patriotismo, defesa da família e
retomada da moralidade”. Na verdade, ele é o antimodelo em cada um desses
quesitos.
Os
fatos verdadeiros estão no relatório da Transparência Internacional que
denunciou um “desmanche institucional” no país, afirmando que o principal
responsável é o presidente Bolsonaro. A Transparência fez dois relatórios. Num
deles, relacionou os casos da exportação da corrupção por diversas empresas. Em
outro, mostrou os retrocessos institucionais no Brasil que, por 15 anos, foi
exemplo no exterior pelo Mensalão e pela Lava-Jato. O relatório é uma
atualização e confirmação de outro documento de outubro do ano passado. Os
textos foram para o Grupo Antisuborno, da OCDE, e o Grupo de Ação Financeira
contra Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF). O Brasil
faz parte de acordos, integra esses grupos, portanto, o desmonte do combate à
corrupção executado pelo governo Bolsonaro está desrespeitando compromissos
internacionais. Será também levado em conta, assim como os crimes ambientais,
na decisão sobre a entrada do país na OCDE.
O
relatório sobre os retrocessos enumera os passos atrás que têm sido dados na
luta do Brasil contra a corrupção. Foram muitos. O Coaf foi enfraquecido, o
diretor da Polícia Federal, demitido para dar lugar a outro delegado submisso
ao governo, o procurador-geral da República, em seu primeiro ano de mandato,
colocou como alvos os procuradores da Lava-Jato, e a operação Greenfield “foi
parcialmente desmantelada”, diz o texto. O Congresso instalou uma comissão de
especialistas para elaborar uma lei de lavagem de dinheiro e excluiu do debate
exatamente o Coaf, principal órgão de combate a esse crime. O ex-presidente do
Supremo negociou novas regras para acordo de leniência sem passar pelo
Ministério Público. O Congresso quer fazer uma nova lei de combate à
improbidade administrativa e os sinais não são bons. O relatório relaciona
inclusive a retirada de representantes da sociedade de órgãos de controle como
o Conama.
“Foi reportado que no período de 24 anos, Flávio e Carlos Bolsonaro e as duas ex-mulheres do presidente Bolsonaro compraram várias propriedades e pagaram as despesas em cash, transações que totalizaram quase R$ 3 milhões em valores ajustados. Ainda que não seja ilegal, transações em dinheiro vivo são vulneráveis a práticas ilegais, como lavagem de dinheiro, que são difíceis de serem rastreadas.” Com fatos assim, circunstanciados, o relatório informa aos grupos internacionais de combate à corrupção que a cena brasileira é oposta à que o presidente descreveu quando disse que acabou com a Lava-Jato porque a corrupção acabou.
Por uma dessas coincidências da vida brasileira, o relatório foi divulgado no mesmo dia da descoberta de dinheiro nas cuecas do então vice-líder do governo. A diferença da primeira cueca monetária é que aquela foi de um assessor de parlamentar do PT, essa é do próprio senador governista e os maços foram acomodados atrás.
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