- Valor Econômico
Testagem tem papel central na estratégia do governo
O novo ministro da Saúde, Nelson Teich, inicia a gestão como esperavam seus colegas de jaleco e do governo. É um ponto de equilíbrio difícil de encontrar e será ainda mais difícil de manter.
O oncologista se esforça para mostrar ao presidente Jair Bolsonaro e demais ministros que sabe bem qual seu principal desafio neste momento: formular um plano gradual e seguro para que o isolamento social seja relaxado e a atividade econômica, retomada. A testagem em massa está no fulcro dessa transição, que não pode ser lenta a ponto de enervar de novo o presidente e tampouco acelerada numa velocidade capaz de gerar questionamentos sobre o seu embasamento científico.
Um plano desses pressupõe a articulação de várias esferas do poder público, dos entes da Federação e da sociedade civil. É uma fórmula tão desejada no mundo quanto a própria vacina contra o novo coronavírus.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, já chegou a apontar publicamente o que na sua visão, a partir das experiências internacionais, seria o caminho ideal. Foi o que chamou de passaporte da imunidade, uma ideia lançada no início de abril e que se perdeu durante a disputa política que dominou as discussões sobre o combate à pandemia de covid-19. Na visão de autoridades do governo, no entanto, a formulação desse plano depende essencialmente do Ministério da Saúde.
Empresários continuam a questionar seus interlocutores no Executivo sobre a existência desse plano ou não. Além de acesso a linhas de crédito e medidas emergenciais para a contenção de perdas, demandam um pouco de previsibilidade.
O problema é que o governo federal não tem ainda uma resposta a apresentar, diferentemente de alguns Estados. Pelo menos dois deles são governados por adversários do presidente Jair Bolsonaro filiados ao PSDB, São Paulo e Rio Grande do Sul, o que aumenta a pressão sobre Teich. Principalmente porque a autonomia dos Estados e municípios está garantida pela Justiça e uma atuação conjunta dependeria de uma melhor articulação federativa, num momento de péssima relação entre o poder central e a maioria dos governadores.
Um dos principais desafios do novo ministro é contornar em segurança as armadilhas políticas instaladas em seu caminho. Havia tempo que Brasília não presenciava uma cerimônia de posse em que as palavras de quem deixava o cargo eram tão esperadas quanto às do novo ministro. A razão disso foi o antagonismo cultivado entre Mandetta e Bolsonaro e, com a mudança do titular da pasta, a saúde pública voltou a servir de morada à polarização política.
Até então, a esquerda criticava Bolsonaro, mas resistia a elogiar Luiz Henrique Mandetta. O ex-ministro é filiado ao DEM e foi, na Câmara dos Deputados, um dos principais críticos do programa Mais Médicos. Sua saída abriu espaço para que a polarização retomasse seu infeliz rumo natural, um ambiente que favorece a disseminação de notícias falsas e de questionamentos pouco fundamentados a respeito da capacitação técnica de quem quer que seja.
Uma crítica precipitada. Afora a aparente aversão a entrevistas, que não se sabe se é própria ou outra determinação do chefe, ainda é cedo para se avaliar uma gestão de menos de sete dias.
Algumas mudanças de conduta, contudo, já são perceptíveis. O Ministério da Saúde divulgou, por exemplo, o número de pacientes recuperados da covid-19 no país. Até agora, foram 24.325, ou 56,5% do total. Deixou-se, portanto, de limitar o balanço oficial à contagem de casos em acompanhamento, mortos e infectados. Há clara tentativa de se apresentar números um pouco mais reconfortantes.
Um próximo passo pode ser o ministro explicar se partiu dele a informação, divulgada à exaustão pelo presidente da República sempre desacompanhada da devida explicação técnica, de que 70% da população brasileira será contaminada.
Outro passo positivo seria o poder público seguir as orientações da Organização Mundial da Saúde para a testagem em massa. A OMS recomenda, por exemplo, que a testagem em municípios sem casos suspeitos ou confirmados ocorra de forma a identificar possíveis cadeias de transmissão, ou seja, examinar quem apresentar sintomas de gripe ou grupos demográficos específicos, como maiores de 60 anos. O mesmo ocorreria em municípios com surtos localizados.
Onde houver transmissão comunitária a meta deve ser diminuir a velocidade de transmissão, reduzir o número de casos e encerrar os surtos. A prioridade é colocar na frente da fila de testagem as pessoas que correm o risco de desenvolver doenças graves, populações vulneráveis, profissionais da saúde e os primeiros sintomáticos em ambientes fechados.
O governo adquiriu mais testes. Os kits precisam ser aplicados de forma coordenada com a distribuição de equipamentos individuais de proteção para a população. Conjugando esses fatores com informações em tempo real sobre a ocupação dos hospitais, poderia-se, então, flexibilizar o distanciamento social com mais segurança.
Para tanto, o Ministério da Saúde detém informações essenciais. Os coeficientes de incidência por 1 milhão de habitantes são maiores no Amazonas, Amapá, Roraima, Ceará e São Paulo. Entre as capitais, os maiores coeficientes de incidência da covid-19 são de Fortaleza, São Luís, Recife, São Paulo e Manaus. Os coeficientes mais altos de mortalidade são em Manaus, Recife, São Paulo, Fortaleza e Rio de Janeiro.
O perfil das vítimas também é conhecido. Entre os óbitos confirmados por covid-19, 72,0% tinham mais de 60 anos e 70,0% apresentavam pelo menos um fator de risco, sobretudo alguma doença do coração ou diabetes.
Teich se beneficiou do isolamento social implementado por Mandetta. Agora, sua estratégia precisa estar aberta à adoção de novas medidas restritivas, caso esses ajustes se provem necessários. Mesmo que isso resulte na insatisfação dos governantes, normalmente pouco dispostos a tomar decisões impopulares. Pode estar aí um ponto futuro de conflito entre o ministro e seu chefe, que não tem dado o melhor exemplo quando se fala na realização de exame para covid-19.
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