quarta-feira, 22 de abril de 2020

Míriam Leitão - Canais da saúde e da economia

- O Globo

Ministro da Saúde fala em “modelos matemáticos” com os governadores, e o da Economia fala a investidores sobre “oito anos” de governo

O ministro da Saúde, Nelson Teich, na reunião com os governadores do Nordeste, repetiu algumas vezes que é preciso olhar “os modelos matemáticos” para “entender o problema”. Para os governadores que vivem o drama real e imediato da pressão no sistema de saúde, pareceu meio apavorante que o ministro queira tempo para saber como agir. Um dos participantes da reunião disse que “ou ele terá um choque de realidade e vai virar um novo Mandetta ou pode ser um desastre monumental. Em crises como esta não costuma haver meio termo.”

No meio desse conflito federativo, todos os governadores com quem eu falei elogiaram a disposição de Teich para o diálogo. Isso, que deveria ser rotina numa federação, a esta altura parece até uma concessão de tão obstruídos que estão os canais. Os governadores focaram na ampliação que vêm fazendo de suas vagas de UTI nas redes estaduais, relataram as dificuldades e pediram mais critério no repasse de recursos e insumos. Ao fim, ficaram de formalizar seus pedidos ao Ministério.

Há dois trilhos de ajuda aos estados e municípios, um de repasse para a saúde, e outro de socorro aos estados, que depende do Ministério da Economia. Depois da derrota na Câmara, o projeto virou uma fonte de briga, continua parado no Senado onde o governo tenta mudar tudo.

Na segunda-feira, numa transmissão direta com investidores, o ministro Paulo Guedes falou que pode ampliar o dinheiro para os estados se os governadores congelarem os salários dos servidores por dois anos. Isso é super-razoável, mas há três problemas: primeiro, em vez de contar para banqueiros e investidores, deveria estar falando com governadores; segundo, deveria dar o exemplo e fazer o mesmo no governo federal. O terceiro problema é a maneira como Guedes relata os eventos e apresenta os números:

– Os governadores vieram para uma conversa com o presidente, e tudo que eles pediram foi dado. Inclusive com algum aumento. Por isso que é injusta essa visão de que o presidente está perseguindo o governador A ou o governador B. É falso. É falso. É uma fakenews política. É um uso político contra o presidente, injusto, e contra nós também, injusto. Porque os governadores vieram aqui e saíram muito felizes. Foram atendidos. Voltaram uma semana depois pedindo algo que foi calculado em R$ 220 bilhões.

O presidente mal fala com os governadores, o ministro prefere falar com o mercado financeiro. A questão é que aumentar o FPE ajuda estados menores. Para o Rio Grande do Sul, o FPE representa 1,6% da receita. No Nordeste é grande, mas não cobre as despesas que eles estão tendo agora. Falei ontem com um governador que recebeu R$ 40 milhões para a saúde e já aumentou seus gastos em R$ 180 milhões. Para os estados maiores, será preciso compensar perdas de ICMS. Pode não ser a fórmula aprovada na Câmara, mas terá que acontecer, do contrário, os estados entrarão em colapso. Paulo Guedes disse, nessa fala aos investidores, que os governadores estavam tentando “transformar uma crise na saúde em uma farra eleitoral”.

Por palavras, omissões, erros, este governo está provocando uma baita crise federativa no meio de uma pandemia. Paulo Guedes lamenta que esta crise não tenha acontecido depois dos “oito anos de transição”.

– Alguém tem alguma dúvida que nós somos federalistas? Alguém tem alguma dúvida que nós enfrentaríamos muito melhor esta crise se o Brasil já fosse uma federação fortalecida? Imagine que os estados já tivessem, ao fim desses oito anos de transição, em que nós estamos descentralizando as receitas para estados e municípios, imagine que já tivesse terminado isso e então chegasse a crise da saúde. Não estava esse desespero, procurando respirador e máscara, porque todos teriam a condição de se defender.

O governo, que chegou falando em mais Brasil e menos Brasília, tem feito o contrário e na crise deixa critérios políticos contaminarem decisões que teriam que ser técnicas. O dinheiro dos contribuintes está concentrado em Brasília, e a União tem o monopólio de emissão de títulos e de moeda. Mas isso não pode ser entendido como uma propriedade de quem neste mandato ocupa o governo federal. É do país como um todo, e Brasília tem que socorrer os entes federados em uma crise. E isso é agora. E não após o tal período de oito anos, com o qual conta o ministro da Economia.

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