quarta-feira, 22 de abril de 2020

Cristiano Romero - Por que Bolsonaro gesticula tanto?

- Valor Econômico

Presidente, à medida que se revela, perde apoiadores à direita e no grupo dos eleitores “móveis”

Se a chegada de Jair Bolsonaro ao posto máximo da República foi uma surpresa, mais surpreendente tem sido a maneira como ele governa o país. É desnecessário lembrar em pormenores a estratégia vitoriosa que o levou a Brasília contra os prognósticos da maioria dos analistas da cena política, inclusive, o titular desta coluna - alguns ainda insistem no equívoco ao atribuir a vitória à facada que o então candidato sofreu em Minas Gerais, a poucas semanas do pleito; acreditar nisso é fazer calundu e desrespeitar a escolha do povo, revivendo a máxima atribuída a Pelé, segundo a qual, “brasileiro não sabe votar”. Como em toda eleição, deu a lógica simples e acachapante: Bolsonaro apresentou-se bem cedo como a opção anti-PT (não como o anti-Lula porque, se tivesse feito isso, teria fracassado) e anti-establishment, em meio a um cenário econômico aterrador: um triênio de recessão (2014-2016), em que o PIB encolheu quase 7%, seguido da recuperação mais lenta da história (alta de 1,1% em 2017 e de 1,3% em 2018). Passados quase 16 meses de mandato, o presidente, o primeiro extremista da história da Ilha de Vera Cruz a chegar lá, nos sobressalta cotidianamente.

Bolsonaro assumiu o poder a bordo de uma agenda liberal que não é sua. O fracasso retumbante do governo Dilma Rousseff não foi provocado por um fenômeno inesperado. Simples assim: a então presidente tomou decisões para alterar o arcabouço macroeconômico que vigorava havia 11 anos (desde o início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso) e as mudanças, em vez de acelerar o crescimento do PIB, abalaram a confiança de empresários e consumidores; diante disso, temendo não se reeleger, Dilma fez intervenções em preços administrados e adotou, em vão, inúmeras medidas para estimular consumo e investimento; nada deu certo e os resultados foram a escalada da inflação (11% em 2015), dos gastos e da dívida pública.

Na campanha de 2014, Dilma adotou discurso populista que não combinava sequer com sua reputação - o que mais chamou atenção foi o vídeo em que se mostrou comida desaparecendo da mesa das famílias, caso o Banco Central se tornasse independente. O fato é que a presidente se reelegeu “raspando”, sob a promessa de fazer mais do mesmo. Ao assumir, cometeu estelionato ao nomear o liberal Joaquim Levy para fazer duro ajuste na economia.

Estelionato enfraquece sobremaneira quem promete uma coisa e faz outra. No início de FHC 2, o real sofreu forte desvalorização. A população, que no ano anterior reelegeu o presidente no primeiro turno graças à promessa de manter o real forte, entendeu a depreciação como um estelionato - do lançamento, em julho de 1994, a outubro de 1998, data da eleição, a moeda pouco se movera.

Dilma logo se arrependeu da guinada liberal e, sem avisar a ninguém, começou a fritar Levy. A fritura foi a mais longa da história porque a Faria Lima não aceitava de forma alguma a saída do ministro. Como o mercado funciona com um olho no amanhã, as condições financeiras (bolsa, juros e câmbio) se deterioraram imediatamente. Em setembro de 2015, o Brasil perdeu o selo de bom pagador de dívidas, a crise se aprofundou e, em novembro, depois de 11 meses no cargo, Levy caiu.

O substituto, Nelson Barbosa, um habilidoso e talentoso economista político, não deu o giro de 180 graus esperado, antes, pelo contrário: propôs a reforma da Previdência e a adoção de um teto para os gastos, além de ações para reanimar a economia no curto prazo _ mumunhas típicas de Brasília: uma mesma agenda pode prosperar, a depender de quem seja o mensageiro. Mas, naquele caso, não deu tempo porque Dilma esgarçara de tal forma a relação com seus aliados que, em maio de 2016, não resistiu ao impeachment.

Michel Temer, o vice, assumiu, abraçou a agenda liberal e começou a suceder no Congresso. Um ano depois, porém, perdeu força após a divulgação de diálogo embaraçoso com um empresário. Naquela crise, Brasília mandou recado importante aos setores produtivo e financeiro: a 19 meses de concluir o mandato, Temer não aprovaria mais nada de relevante, ainda que a economia estivesse anêmica e necessitando de reformas; a mensagem é a de que presidentes fracos, acusados de fatos desabonadores, não têm legitimidade para aprovar mudanças institucionais importantes.

Bolsonaro não teria chegado a lugar algum se sua retórica fosse anti-liberal. Mas, como na fábula, logo revelar-se-ia escorpião _ sapos, no caso, são os eleitores “móveis”, os que escolhem sempre de acordo com a lógica do momento, aqueles que votaram nele por acreditar que ele seria uma espécie de anti-Dilma encarnado, liberalizante até as últimas consequências, e políticos à direita no espectro partidário, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, a deputada estadual Janaína Paschoal e todos os que viram na República do Paraná o marco zero da moralização dos costumes.

Bolsonaro passou 28 anos na Câmara defendendo apenas uma bandeira: os direitos e as vantagens da carreira militar, e por extensão dos funcionários públicos em geral. Isso foi suficiente para que sempre se reelegesse. Essa agenda é incompatível com a agenda liberal que a maioria dos brasileiros, neste momento, apoia. A reforma da Previdência proposta pela equipe econômica confrontava os direitos dos militares defendidos historicamente pelo presidente e, foi por essa razão, que levou tanto tempo para ser aprovada, e só o foi porque Bolsonaro livrou os ex-colegas de corporação com uma PEC paralela que anula os efeitos da reforma geral.

Quando a turma de Paulo Guedes elaborou a proposta de reforma administrativa, o escorpião deu sua picada mortal antes de ela chegar ao Congresso. Essa reforma é, na visão desta coluna, mais ou tão importante quanto a da Previdência, não pelo que possa gerar em termos de economia fiscal, mas, pela necessidade de se reformar o Estado brasileiro, de forma que ele passe a trabalhar para o cidadão, principalmente os mais pobres, e deixe de ser autóctone e patrimonialista.

O presidente, à medida que se revela, perde apoiadores à direita e no grupo dos eleitores “móveis”. Essa perda de apoio tem feito com que Bolsonaro se fie em sua base social, uma gama minoritária de brasileiros um tanto fanática e inconsequente. Defende a volta dos militares, sendo que esses estão no Palácio do Planalto justamente para evitar perturbações desse tipo.

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