Isolado
no início da vacinação, presidente troca discurso para recuperar terreno
Jussara Soares e Natália Portinari / O Globo
BRASÍLIA
- Derrotado politicamente após o governador de São Paulo, João Doria (PSDB),
dar início à vacinação contra o novo coronavírus, no último domingo, o
presidente Jair Bolsonaro tentou reagir na segunda-feira e sair do isolamento.
Ele se encontrou com o embaixador da Índia, Suresh K. Reddy, em uma tentativa
por ora frustrada de agilizar a importação de doses da vacina
Oxford/AztraZeneca; convocou ministros para uma reunião de emergência; e após
meses de críticas à CoronaVac, mudou o tom e disse que a “vacina é do Brasil,
não é de nenhum governador”. Integrantes do governo que evitavam se manifestar
sobre a vacinação passaram a publicar em suas redes sociais a imagem de
brasileiros que começaram a ser imunizados.
Auxiliares
de Bolsonaro reconhecem que o presidente errou ao minimizar a gravidade da
pandemia, bem como ao colocar em xeque a ciência. Reservadamente,
interlocutores do Palácio do Planalto avaliam que Bolsonaro, ao insistir no
tratamento precoce, com medicamentos sem eficácia comprovada, e ao adotar uma
postura contra a vacina, cedeu espaço para que o governador de São Paulo
faturasse com a viabilização do início da imunização no país.
Em
um esforço para tentar evitar o aumento do desgaste da imagem do presidente, o
governo tenta minimizar a participação de Doria no processo. Auxiliares do
Planalto atribuem a responsabilidade pelas falhas ao ministro da Saúde, Eduardo
Pazuello. Potencial candidato a presidente em 2022, Doria é visto como
adversário de Bolsonaro em seu projeto de reeleição.
A imagem do governador de São Paulo ao lado da enfermeira Monica Calazans, a primeira pessoa a receber a dose da vacina no país, irritou o presidente e seus aliados. Enquanto o tucano lucrava com a exposição, concedendo entrevista coletiva e sendo um dos assuntos mais comentados nas redes sociais, Bolsonaro permaneceu em silêncio após a aprovação da Anvisa.
Militares
também voltaram a demonstrar insatisfação com com atuação de Pazuello, que foi
mantido no cargo justamente com o argumento de que, embora não seja médico,
entende de logística. Na avaliação de integrantes das Forças Armadas com cargos
no governo, a atuação dele afeta a imagem do Exército não apenas pelos erros na
distribuição da vacina, mas também pelo colapso da saúde pública em Manaus,
onde há falta de oxigênio.
Após
a aplicação da primeira vacina em São Paulo, assessores palacianos debateram
como reagir politicamente. A estratégia escolhida foi investir na divulgação de
que a imunização será nacional e lembrar que o governo federal ajuda a pagar as
pesquisas do Instituto Butantan. O plano é evitar citar Doria ou antagonizar
com ele, segundo fontes do governo.
A
primeira medida adotada por Pazuello, sob essa orientação, foi uma reunião com
governadores na manhã de ontem. Pressionado por eles, o ministro concordou em
antecipar o início da vacinação. Antes, a data prevista era quarta-feira. Não
falou sobre Doria, mas disse que não se deve aceitar “divisão” em um momento
como esse.
—
O ministro foi muito receptivo à minha solicitação e de outros governadores que
a vacina fosse aplicada logo que chegasse (nos estados). Qualquer agilizada
nesse início você pode estar salvando vidas e nada justificaria não fazer isso
— disse Romeu Zema (Novo), governador de Minas Gerais.
Governadores
ouvidos pelo GLOBO dizem que as doses de vacina enviadas de São Paulo vão durar
cerca de uma semana. Embora cobrem o governo federal para trazer mais insumos
ou vacinas do exterior, apontando falhas do Plano Nacional de Imunização (PNI),
os governadores acabaram se valendo do conflito com Doria para dar início à
vacinação em seus estados. Eles se beneficiam, portanto, em manter um canal
aberto com Bolsonaro e Pazuello.
Os
governadores se dividem a respeito do impacto político da decisão de Doria de
dar início à vacinação no domingo em São Paulo. Wellington Dias (PT),
governador do Piauí, diz que a tensão entre Doria e Bolsonaro atrapalha e “pode
virar uma guerra sem fim”. Ele criticou o governador por ter dado início à
vacinação antes dos demais estados.
Flávio
Dino (PCdoB), governador do Maranhão, discorda. E ressalta as “carências na
diplomacia brasileira” no governo Bolsonaro que, segundo ele, vêm causando
dificuldade de conseguir insumos na China e na Índia.
—
Doria tem o mérito, pelo menos, de quebrar a inércia derivada do negacionismo
do Bolsonaro. Na prática, (Bolsonaro) é forçado a agir, porque a essa altura
fica bem evidente que, se dependesse do governo, a gente não teria nada.
Estranho seria se fosse o Bolsonaro a vacinar a primeira pessoa.
Ainda
no domingo, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) postou em suas redes
sociais que a produção da CoronaVac pelo Instituto Butantan, em São Paulo, foi
financiada pelo governno federal. “Governo Bolsonaro bancou vacina do
Butantan!”, escreveu ele.
CPI
da Vacina
O
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que é “inevitável” a criação
de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar “toda a
desorganização, toda a falta de capacidade de logística e de entrega de
equipamentos e insumos aos estados e municípios”. Ele afirmou ainda que
Bolsonaro não teve “coragem” de recusar a vacina chinesa.
—O
presidente da República disse várias vezes que não compraria a vacina chinesa,
que quem manda era ele, mas, na hora da verdade, a coragem não é tão grande. É
corajoso até parte da história.
Já
o deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato de Bolsonaro à presidência da Câmara,
criticou Doria por ter organizado e participado de ato inaugural da vacinação
contra a Covid-19 no Brasil. Seguindo a estratégia do Planalto de tentar jogar
o desgaste para o ministro da Saúde, ele cobrou ações efetivas de Pazuello.
—
O governador Doria se aproveitou do armazenamento das vacinas do Instituto
Butantan para fazer a imagem da primeira vacinação do Brasil. Não posso dizer
que está desrespeitando, mas passando à frente de todos os prefeitos e
governadores — criticou Lira.
* Colaboraram Victor Farias e Bruno Góes
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