terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Bolsonaro tenta reagir a derrota política

Isolado no início da vacinação, presidente troca discurso para recuperar terreno

Jussara Soares e Natália Portinari / O Globo

BRASÍLIA - Derrotado politicamente após o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), dar início à vacinação contra o novo coronavírus, no último domingo, o presidente Jair Bolsonaro tentou reagir na segunda-feira e sair do isolamento. Ele se encontrou com o embaixador da Índia, Suresh K. Reddy, em uma tentativa por ora frustrada de agilizar a importação de doses da vacina Oxford/AztraZeneca; convocou ministros para uma reunião de emergência; e após meses de críticas à CoronaVac, mudou o tom e disse que a “vacina é do Brasil, não é de nenhum governador”. Integrantes do governo que evitavam se manifestar sobre a vacinação passaram a publicar em suas redes sociais a imagem de brasileiros que começaram a ser imunizados.

Auxiliares de Bolsonaro reconhecem que o presidente errou ao minimizar a gravidade da pandemia, bem como ao colocar em xeque a ciência. Reservadamente, interlocutores do Palácio do Planalto avaliam que Bolsonaro, ao insistir no tratamento precoce, com medicamentos sem eficácia comprovada, e ao adotar uma postura contra a vacina, cedeu espaço para que o governador de São Paulo faturasse com a viabilização do início da imunização no país.

Em um esforço para tentar evitar o aumento do desgaste da imagem do presidente, o governo tenta minimizar a participação de Doria no processo. Auxiliares do Planalto atribuem a responsabilidade pelas falhas ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Potencial candidato a presidente em 2022, Doria é visto como adversário de Bolsonaro em seu projeto de reeleição.

A imagem do governador de São Paulo ao lado da enfermeira Monica Calazans, a primeira pessoa a receber a dose da vacina no país, irritou o presidente e seus aliados. Enquanto o tucano lucrava com a exposição, concedendo entrevista coletiva e sendo um dos assuntos mais comentados nas redes sociais, Bolsonaro permaneceu em silêncio após a aprovação da Anvisa.

Militares também voltaram a demonstrar insatisfação com com atuação de Pazuello, que foi mantido no cargo justamente com o argumento de que, embora não seja médico, entende de logística. Na avaliação de integrantes das Forças Armadas com cargos no governo, a atuação dele afeta a imagem do Exército não apenas pelos erros na distribuição da vacina, mas também pelo colapso da saúde pública em Manaus, onde há falta de oxigênio.

Após a aplicação da primeira vacina em São Paulo, assessores palacianos debateram como reagir politicamente. A estratégia escolhida foi investir na divulgação de que a imunização será nacional e lembrar que o governo federal ajuda a pagar as pesquisas do Instituto Butantan. O plano é evitar citar Doria ou antagonizar com ele, segundo fontes do governo.

A primeira medida adotada por Pazuello, sob essa orientação, foi uma reunião com governadores na manhã de ontem. Pressionado por eles, o ministro concordou em antecipar o início da vacinação. Antes, a data prevista era quarta-feira. Não falou sobre Doria, mas disse que não se deve aceitar “divisão” em um momento como esse.

— O ministro foi muito receptivo à minha solicitação e de outros governadores que a vacina fosse aplicada logo que chegasse (nos estados). Qualquer agilizada nesse início você pode estar salvando vidas e nada justificaria não fazer isso — disse Romeu Zema (Novo), governador de Minas Gerais.

Governadores ouvidos pelo GLOBO dizem que as doses de vacina enviadas de São Paulo vão durar cerca de uma semana. Embora cobrem o governo federal para trazer mais insumos ou vacinas do exterior, apontando falhas do Plano Nacional de Imunização (PNI), os governadores acabaram se valendo do conflito com Doria para dar início à vacinação em seus estados. Eles se beneficiam, portanto, em manter um canal aberto com Bolsonaro e Pazuello.

Os governadores se dividem a respeito do impacto político da decisão de Doria de dar início à vacinação no domingo em São Paulo. Wellington Dias (PT), governador do Piauí, diz que a tensão entre Doria e Bolsonaro atrapalha e “pode virar uma guerra sem fim”. Ele criticou o governador por ter dado início à vacinação antes dos demais estados.

Flávio Dino (PCdoB), governador do Maranhão, discorda. E ressalta as “carências na diplomacia brasileira” no governo Bolsonaro que, segundo ele, vêm causando dificuldade de conseguir insumos na China e na Índia.

— Doria tem o mérito, pelo menos, de quebrar a inércia derivada do negacionismo do Bolsonaro. Na prática, (Bolsonaro) é forçado a agir, porque a essa altura fica bem evidente que, se dependesse do governo, a gente não teria nada. Estranho seria se fosse o Bolsonaro a vacinar a primeira pessoa.

Ainda no domingo, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) postou em suas redes sociais que a produção da CoronaVac pelo Instituto Butantan, em São Paulo, foi financiada pelo governno federal. “Governo Bolsonaro bancou vacina do Butantan!”, escreveu ele.

CPI da Vacina

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que é “inevitável” a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar “toda a desorganização, toda a falta de capacidade de logística e de entrega de equipamentos e insumos aos estados e municípios”. Ele afirmou ainda que Bolsonaro não teve “coragem” de recusar a vacina chinesa.

—O presidente da República disse várias vezes que não compraria a vacina chinesa, que quem manda era ele, mas, na hora da verdade, a coragem não é tão grande. É corajoso até parte da história.

Já o deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato de Bolsonaro à presidência da Câmara, criticou Doria por ter organizado e participado de ato inaugural da vacinação contra a Covid-19 no Brasil. Seguindo a estratégia do Planalto de tentar jogar o desgaste para o ministro da Saúde, ele cobrou ações efetivas de Pazuello.

— O governador Doria se aproveitou do armazenamento das vacinas do Instituto Butantan para fazer a imagem da primeira vacinação do Brasil. Não posso dizer que está desrespeitando, mas passando à frente de todos os prefeitos e governadores — criticou Lira.

* Colaboraram Victor Farias e Bruno Góes

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