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O Globo
Em
meio à confusão promovida pelo seu governo no início atrasado da vacinação
nacional contra a Covid-19, o presidente Bolsonaro achou tempo para fazer o que
mais gosta: ameaçar o país com uma intervenção militar.
Na sua visão distorcida sobre a democracia, o presidente anunciou, e não pela
primeira vez, que viver sob uma democracia ou uma ditadura é decisão das Forças
Armadas. Seria uma ofensa às próprias FFAA, pois elas existem justamente para
defender a democracia, e não para acabar com ela.
Sempre ciosos de suas funções, os militares deveriam dar uma nota oficial
tirando dos ombros da instituição tal decisão, pois, a ser verdade o raciocínio
de Bolsonaro, implantar uma ditadura militar no Brasil é apenas questão de
gosto.
O uso dos militares para se defender quando sua atuação está sendo posta em
dúvida é recorrente em Bolsonaro, e deveria ser rechaçado oficialmente.
Bolsonaro não é mais um capitão do Exército, e sim um manipulador que se
utiliza das FFAA com fins políticos.
Criticar Bolsonaro, pedir seu impeachment, são atitudes políticas que não
deveriam atingir os militares como instituição, mas àqueles que se dispõem a
acompanhar as ordens absurdas do chefe momentâneo. Se alguns deles são da
ativa, a coisa muda de figura.
O debate sobre a politização da campanha de vacinação nacional contra a
Covid-19 incorre em um erro fundamental, a comparação da atitude do presidente
Bolsonaro com a do governador de São Paulo João Dória em face à pandemia e as maneiras
de combatê-la.
Dória sempre esteve no lado certo, a favor do distanciamento social, do uso de
máscara, e trabalhou corretamente para ter condições de fazer a imunização,
mesmo que em alguns momentos tenha abusado do marketing político em favor de sua
candidatura à presidência da República em 2022.
Mesmo que fosse tudo política, nesse caso o lado certo da política é forçar o
começo da vacinação o mais rápido possível. E ele conseguiu fazer o governo
Bolsonaro se mexer. Graças à sua iniciativa de fazer acordo com a farmacêutica
Sinovac da China, deu condições ao Instituto Butantan de produzir a vacina
CoronaVac, contra todas as ações políticas que o presidente da República
engendrou para desqualifica-la e incutir no brasileiro desconfiança sobre a “a
vacina chinesa do Dória”.
Bolsonaro comemorou quando a eficácia global da CoronaVac de 50,4% foi
anunciada, dando ares de verdade à percepção popular de que uma vacina que tem
70% de eficácia global é melhor do que a de pouco mais de 50%, o que, para uma
campanha maciça de vacinação para conter uma pandemia, é irrelevante.
Os técnicos do Butantan ajudaram essa percepção negativa ao anunciarem com
fanfarras os índices vistosos de 70% para casos leves e 100% para os graves,
antes do dado global.O governador Dória, evitando anunciar a notícia, ajudou,
dando a sensação de que só vai “na boa”, deixando para seus subordinados as
notícias ruins, o que não era absolutamente o caso.
Mas a irresponsabilidade de Bolsonaro, ao desdenhar da única vacina que os
brasileiros tinham à mão para iniciar a vacinação, depois de mais de 50 países
do mundo, sempre com fins políticos de combater um potencial adversário em
2022, é incomparável.
Bolsonaro foi o único presidente da República ou Primeiro-Ministro do mundo a
fazer campanha contra a vacinação. Ontem mesmo Freud pegou-o num ato falho que
revela sua decepção pelo sucesso do início da vacinação em São Paulo. Começou
uma frase, depois de ter ficado em um silêncio inusitado durante quase um dia,
assim: “Apesar da vacina...”
Um verdadeiro líder político deveria ter comemorado o início da vacinação, em
vez de tentar confiscar as doses do Estado que se preparou com a antecedência
devida para produzir vacinas contra a Covid-19, para impedir que seu adversário
político se sobressaísse.
O destino reservou a Bolsonaro derrotas políticas variadas e em sequência: o
ditador Maduro, na Venezuela, se prontificou a ajudar o Amazonas com cilindros
de oxigênio, e a vacina CoronaVac, da chinesa Sinovac, foi a única que restou
para nossa vacinação. Só faltou mesmo um enfermeiro cubano para completar a
série de infortúnios de um presidente que coloca a ideologia acima das
necessidades do povo que preside.
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