Bolsonaro finge que faltou a essa aula
Nada
há de ignorância quando o presidente Jair Bolsonaro diz, como disse ontem, como
disse no passado antes e depois de se eleger, que “quem decide se um povo vai
viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas”.
Pelo
menos isso, ele sabe que não é assim. Quem garante a democracia é a
Constituição. A nossa, em vigor desde 1988, foi escrita e aprovada por
representantes do povo eleitos justamente para dar conta de tal tarefa.
Sempre
que se vê em apuros, Bolsonaro bate à porta dos quartéis atrás de apoio,
corteja seus antigos pares e ameaça seus adversários políticos com esse tipo de
declaração. É quando seu instinto e intuito golpistas traem de fato o que ele
é.
As
Forças Armadas não estão acima da Constituição que o presidente jurou
respeitar, mas que desrespeita sempre que pode. Obedecer à Constituição não é
só um dever, é uma obrigação coletiva. Tentar enfraquecê-la é um crime de lesa
majestade.
Do
que mais têm medo Bolsonaro e Pazuello
Crime
de responsabilidade
Jair
Bolsonaro e Eduardo Pazuello têm em comum a formação militar e o fato de serem
no momento as duas figuras públicas de maior relevo em meio a uma pandemia que
colheu até ontem no Brasil mais de 210 mil vidas. E que poderá colher muito
mais, uma vez que mal começou, a vacinação poderá ser suspensa em breve devido
à falta de doses suficientes para imunizar tanta gente.
Faltam insumos para que o Instituto Butantan possa fabricar a CoronaVac no volume necessário. A Fundação Oswaldo Cruz também não tem para fabricar a AstraZeneca. Os insumos para as duas vacinas dependem da China que os produz, e, por lá, menos de 1% da população foi imunizada. Fracassou a operação de compra da AstraZeneca à Índia. Era fake. Um golpe.
Apesar
do uso da farda, seria uma injustiça com Pazuello comparar sua trajetória nos
quartéis com a de Bolsonaro. Pazuello é um general ainda na ativa, para
constrangimento dos seus pares que preferiam vê-lo na reserva dada às
circunstâncias que ele enfrenta. Bolsonaro ganhou o título de capitão quando
foi afastado do Exército por ter planejado atentados à bomba a quartéis.
Mas
o general aceitou servir ao ex-capitão depois que dois médicos deixaram o Ministério
da Saúde ao se recusarem a fazer o que Bolsonaro mandava – entre outras coisas,
recomendar o tratamento precoce de casos da Covid-19 com drogas ineficazes.
Sabe-se lá porque Bolsonaro ordenou ao Exército a fabricação em massa de
cloroquina. Sabia-se que era uma fraude.
Bolsonaro
acostumou-se à fama de mentiroso e não liga mais. Nada mais fácil do que provar
que ele mente. Mente sempre. Mente descaradamente. Mente displicentemente.
Mente naturalmente. Mente irresponsavelmente. E de tanto enxovalhar a verdade,
tornou-se incapaz de reconhecer quando encontra uma pela frente por mais
robusta que ela seja.
Isso
obriga ao restabelecimento de certas verdades. Em abril último, por exemplo, o
Supremo Tribunal Federal decidiu que governadores e prefeitos TAMBÉM poderiam
adotar medidas contra a pandemia, NÃO APENAS o governo federal. Como Bolsonaro
insiste em dizer que o tribunal esvaziou seu poder de combater o vírus, o
Supremo voltou a desmenti-lo em nota oficial.
Chamar
Pazuello de mentiroso o incomoda muito. Pega muito mal para um militar, mais
ainda quando ele é detentor da mais alta patente de sua Arma. É uma ofensa que
nenhum deles engole calado. Infelizmente para ele, está provado que o general
mentiu ao afirmar que nunca receitou o tratamento precoce com cloroquina para
pacientes com sintomas da doença.
Que
Pazuello queira culpar o clima da Amazônia pela falta de oxigênio que matou
dezenas de pessoas em Manaus e começa a matar também em cidades do Pará, não é
propriamente uma mentira. Seria um exagero, digamos com boa vontade, ou
ignorância. Que ele culpe o fuso horário pela demora em importar vacina da
Índia pode ser entendido como uma desculpa.
Porém,
o general mente ao negar que patrocinou o que agora batiza de “atendimento
precoce” com remédios rejeitados pelo mundo inteiro. No final de maio passado,
o Ministério da Saúde incluiu nos seus protocolos a sugestão de uso da
cloroquina em pacientes hospitalizados com gravidade média e alta. E remeteu
aos Estados pelo menos 3,4 milhões de doses da droga.
Não
lembra? Leia
aqui a notícia publicada pela Agência Brasil, um órgão de informação
do governo. Isso aconteceu depois que o médico Nelson Teich cedeu a Pazuello a
vaga de ministro da Saúde. Quer mais? Na madrugada de hoje, no site do
ministério, ainda poderia ser encontrado um
manual de orientação sobre o uso da cloroquina para tratamento precoce.
A troca de “tratamento precoce” por “atendimento precoce” tem a ver com o medo de Pazuello de ser denunciado por crime de responsabilidade. O mesmo medo passou a ser compartilhado por Bolsonaro. Crime de responsabilidade pode abreviar seu mandato porque a Constituição considera inviolável o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança.
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