terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Ricardo Noblat - É a Constituição, estúpido, não os militares que garante a democracia


- Blog do Noblat / Veja

Bolsonaro finge que faltou a essa aula

Nada há de ignorância quando o presidente Jair Bolsonaro diz, como disse ontem, como disse no passado antes e depois de se eleger, que “quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas”.

Pelo menos isso, ele sabe que não é assim. Quem garante a democracia é a Constituição. A nossa, em vigor desde 1988, foi escrita e aprovada por representantes do povo eleitos justamente para dar conta de tal tarefa.

Sempre que se vê em apuros, Bolsonaro bate à porta dos quartéis atrás de apoio, corteja seus antigos pares e ameaça seus adversários políticos com esse tipo de declaração. É quando seu instinto e intuito golpistas traem de fato o que ele é.

As Forças Armadas não estão acima da Constituição que o presidente jurou respeitar, mas que desrespeita sempre que pode. Obedecer à Constituição não é só um dever, é uma obrigação coletiva. Tentar enfraquecê-la é um crime de lesa majestade.

Do que mais têm medo Bolsonaro e Pazuello

Crime de responsabilidade

Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello têm em comum a formação militar e o fato de serem no momento as duas figuras públicas de maior relevo em meio a uma pandemia que colheu até ontem no Brasil mais de 210 mil vidas. E que poderá colher muito mais, uma vez que mal começou, a vacinação poderá ser suspensa em breve devido à falta de doses suficientes para imunizar tanta gente.

Faltam insumos para que o Instituto Butantan possa fabricar a CoronaVac no volume necessário. A Fundação Oswaldo Cruz também não tem para fabricar a AstraZeneca. Os insumos para as duas vacinas dependem da China que os produz, e, por lá, menos de 1% da população foi imunizada. Fracassou a operação de compra da AstraZeneca à Índia. Era fake. Um golpe.

Apesar do uso da farda, seria uma injustiça com Pazuello comparar sua trajetória nos quartéis com a de Bolsonaro. Pazuello é um general ainda na ativa, para constrangimento dos seus pares que preferiam vê-lo na reserva dada às circunstâncias que ele enfrenta. Bolsonaro ganhou o título de capitão quando foi afastado do Exército por ter planejado atentados à bomba a quartéis.

Mas o general aceitou servir ao ex-capitão depois que dois médicos deixaram o Ministério da Saúde ao se recusarem a fazer o que Bolsonaro mandava – entre outras coisas, recomendar o tratamento precoce de casos da Covid-19 com drogas ineficazes. Sabe-se lá porque Bolsonaro ordenou ao Exército a fabricação em massa de cloroquina. Sabia-se que era uma fraude.

Bolsonaro acostumou-se à fama de mentiroso e não liga mais. Nada mais fácil do que provar que ele mente. Mente sempre. Mente descaradamente. Mente displicentemente. Mente naturalmente. Mente irresponsavelmente. E de tanto enxovalhar a verdade, tornou-se incapaz de reconhecer quando encontra uma pela frente por mais robusta que ela seja.

Isso obriga ao restabelecimento de certas verdades. Em abril último, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que governadores e prefeitos TAMBÉM poderiam adotar medidas contra a pandemia, NÃO APENAS o governo federal. Como Bolsonaro insiste em dizer que o tribunal esvaziou seu poder de combater o vírus, o Supremo voltou a desmenti-lo em nota oficial.

Chamar Pazuello de mentiroso o incomoda muito. Pega muito mal para um militar, mais ainda quando ele é detentor da mais alta patente de sua Arma. É uma ofensa que nenhum deles engole calado. Infelizmente para ele, está provado que o general mentiu ao afirmar que nunca receitou o tratamento precoce com cloroquina para pacientes com sintomas da doença.

Que Pazuello queira culpar o clima da Amazônia pela falta de oxigênio que matou dezenas de pessoas em Manaus e começa a matar também em cidades do Pará, não é propriamente uma mentira. Seria um exagero, digamos com boa vontade, ou ignorância. Que ele culpe o fuso horário pela demora em importar vacina da Índia pode ser entendido como uma desculpa.

Porém, o general mente ao negar que patrocinou o que agora batiza de “atendimento precoce” com remédios rejeitados pelo mundo inteiro. No final de maio passado, o Ministério da Saúde incluiu nos seus protocolos a sugestão de uso da cloroquina em pacientes hospitalizados com gravidade média e alta. E remeteu aos Estados  pelo menos 3,4 milhões de doses da droga.

Não lembra? Leia aqui a notícia publicada pela Agência Brasil, um órgão de informação do governo. Isso aconteceu depois que o médico Nelson Teich cedeu a Pazuello a vaga de ministro da Saúde. Quer mais? Na madrugada de hoje, no site do ministério, ainda poderia ser encontrado um manual de orientação sobre o uso da cloroquina para tratamento precoce.

A troca de “tratamento precoce” por “atendimento precoce” tem a ver com o medo de Pazuello de ser denunciado por crime de responsabilidade. O mesmo medo passou a ser compartilhado por Bolsonaro. Crime de responsabilidade pode abreviar seu mandato porque a Constituição considera inviolável o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança.

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