Doria
perdeu chance de tapa com luva de pelica em Bolsonaro
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uma vacina emergencial, 50% de eficácia. É algo que ninguém sabe ainda se
teremos efeitos colaterais ou não".
Essa
foi a declaração do presidente Jair Bolsonaro ontem a um grupo de apoiadores na
saída do Palácio da Alvorada sobre a CoronaVac, vacina do Instituto Butantan em
parceria com o laboratório chinês Sinovac.
Nas
redes sociais, ele se manifestou com o silêncio sobre a única vacina disponível
aos brasileiros num universo de 200 mil famílias enlutadas, e com um atraso de
41 dias, em relação à inauguração da temporada de vacinações com a britânica
imunizada no Reino Unido. Hoje pelo menos 50 países estão imunizando seus
cidadãos.
O
Brasil só começou anteontem e quem saiu na foto foi o governador de São Paulo,
João Doria - provável adversário de Bolsonaro em 2022.
Essa
declaração de Bolsonaro aos apoiadores, voltando a desacreditar a CoronaVac, é
contraditória, senão, estapafúrdia.
Isso porque neste sábado, depois que veio a público o fracasso do governo na importação da Índia de dois milhões de doses da vacina da Universidade de Oxford, em parceria com a AstraZeneca, o Ministério da Saúde tentou confiscar as seis milhões de doses da CoronaVac, para dar largada, com ela, no Plano Nacional de Imunização (PNI) em uma competição burlesca com o governo de São Paulo.
Na
mesma conversa com apoiadores, Bolsonaro ainda ressaltou que as vacinas do
Butantan, as quais ele pejorativamente chamou de “vacina chinesa”, são “do
Brasil, não de um governador”.
Bolsonaro
demonstra, dessa forma, que quem desdenha quer comprar.
Se
o brasileiro tem memória curta, a das redes sociais é afiada, para revés de
Bolsonaro em seu reduto mais cativo. As críticas do presidente à CoronaVac
circularam intensamente nas plataformas nos últimos dois dias confrontando sua
postura negacionista frente à vitória política de Doria.
Centenas
de perfis relembraram a postagem de Bolsonaro há três meses, no dia 21 de
outubro, afirmando em tom incisivo: "não compraremos a vacina da
China".
Na
véspera, o ministro da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello, havia informado
Doria, em uma reunião com mais 23 governadores, que o governo federal iria
comprar 46 milhões de doses da CoronaVac que seriam distribuídas a todo o país
por meio do plano nacional.
Cobrado
pelos seguidores, Bolsonaro desautorizou Pazuello, e ainda o submeteu à
humilhação pública. Na transmissão ao vivo pela sua conta do Facebook, um
ministro visivelmente abalado pela doença - o general estava no início do ciclo
da Covid-19 - e constrangido pela situação, declarou: "Senhores, é simples
assim: um manda e o outro obedece”.
Pazuello
chamou o gesto de Doria, ao sair na frente com a vacinação no domingo, de
jogada de “marketing”, mas não fez diferente. Adiou de domingo para ontem a
entrega aos governadores de seus respectivos lotes da CoronaVac para sair na
foto ao lado dos mandatários estaduais. Com as vacinas embrulhadas nas
bandeiras de cada Estado, o recado de Pazuello era de que a CoronaVac não
pertence a São Paulo.
O
ministro ainda queria que os governadores esperassem até amanhã para começar a
vacinar a população, mas eles reagiram.
“Isso
caiu por terra logo, explicamos que a ansiedade é muito grande, não dava para
esperar”, disse à coluna o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM). “Se a
vacina está disponível, todo prefeito vai ser pressionado pra vacinar o quanto
antes no seu município”.
Na
sessão de fotos com Pazuello, os governadores acordaram que todos que
estivessem em poder de seus respectivos lotes começariam a vacinar suas
populações às 17 horas dessa segunda-feira.
O
custo político do negacionismo de Bolsonaro materializou-se pela primeira vez
na pesquisa XP/Ipespe divulgada ontem. Segundo o levantamento, a avaliação do
classificada como péssima ou ruim subiu de 35% para 40%, segundo parcela da
população ouvida pela rodada de janeiro. É a primeira vez, desde julho do ano
passado, que a avaliação negativa superou a positiva.
Em
paralelo, o percentual dos que veem a gestão Bolsonaro como ótima ou boa caiu
de 38% para 32%. Também foi a primeira vez, desde maio, que a sondagem
identificou um aumento no percentual dos críticos ao governo, e na redução do
número de apoiadores.
O
movimento coincide com uma piora na percepção da atuação de Bolsonaro no
enfrentamento da pandemia.
Entretanto,
se o comportamento negacionista de Bolsonaro está em xeque, o gesto de João
Doria para faturar politicamente com a entrega do primeiro imunizante
disponível aos brasileiros, ao sair na frente dos outros Estados na campanha de
vacinação, foi duramente criticado pelos colegas.
“Ele
poderia ter dado um tapa com luva de pelica no Bolsonaro, e convidado os
governadores para começar junto com ele”, disse à coluna um governador que
pediu para não ser identificado.
Este
governador reconheceu, entretanto, que pelo papel relevante de Doria para
viabilizar a primeira vacina brasileira, o conjunto dos governadores acabou
relevando a postura do tucano.
Coube
ao governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), verbalizar a indignação dos
colegas. “Ele fez da vacina um instrumento político, existe uma distância entre
a campanha eleitoral e a política de saúde pública”.
O
goiano ponderou que Doria poderia ter tido a “humildade” de fazer um gesto
político e convidar os demais colegas a começar a campanha de vacinação junto
com São Paulo. “Isso constrangeu os colegas, ninguém quer ser tratado como
segunda categoria”.
Bolsonaro é candidato declarado à reeleição. Doria é pré-candidato. Ambos estão se precipitando em um jogo em que movimentos atabalhoados tiram pontos dos concorrentes antes do começo da partida.
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