terça-feira, 19 de janeiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Após aprovação da Anvisa, vacinação precisa deslanchar – Opinião | Valor Econômico

A disponibilidade de vacina está muito aquém do necessário

O Brasil, finalmente, tem vacinas. Pela conduta destrutiva do presidente Jair Bolsonaro, é possível que tenham chegado tarde e em número muito menor do que as desesperadamente necessárias. O governo está despreparado para realizar a enorme e complexa operação de distribuir os imunizantes e convencer toda a população de sua segurança e eficácia, mas por vontade própria. Sempre duvidou delas, como também da própria gravidade da pandemia de coronavírus, que já matou 209 mil brasileiros e levou ao caos, marcado por cenas desesperadoras, de contagiados perdendo a vida, asfixiados por falta de oxigênio. Ao descaso do governo central, no caso, aliou-se a incompetência e despreparo dos comandos estaduais e municipais.

Em reunião extraordinária no domingo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso emergencial das vacinas Coronavac, produzida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, e a Oxford/ AstraZeneca, que deverá ser fabricada pela Fiocruz a partir de fevereiro. Apesar do conteúdo eminentemente técnico, a reunião de mais de quatro horas da Anvisa foi marcada pelo profissionalismo, competência e transparência, que culminou em boas decisões e no mapeamento das interrogações que ainda cercam as duas vacinas que agora estarão disponíveis no país.

Os argumentos para a liberação são incontroversos. A tecnologia utilizada pela Sinovac e Oxford/AstraZeneca é conhecida e já foi utilizada em outros imunizantes - são seguras e dentro dos limites divulgados, eficazes. Depois, os contágios se aceleraram e, ponto igualmente importante, não há alternativas a elas. A Anvisa, elegantemente, despachou para a área do curandeirismo os tratamentos preventivos propagandeados pelo governo Bolsonaro e seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, com base em cloroquina, ivermectina e outros. Mesmo com as vacinas em campo, distanciamento social, uso de máscaras e rigorosa e constante higienização continuarão sendo vitais, caso se queira vencer o coronavírus, alertou a Anvisa.

O descaso ativo do governo Bolsonaro sobre as vacinas já vem cobrando um preço alto, que pode subir. Ele fez uma aposta única, na vacina da AstraZeneca, que se revelou mais que problemática. Após o episódio amador e patético do fretamento de um avião para trazer doses da vacina que o governo da Índia não disse quando entregaria, o presidente Jair Bolsonaro terá disponível para imunização imediata a Coronavac, “a vacina chinesa do Doria”, como ironizava, que pode até transformar quem fosse inoculado com ela em “jacaré”.

O governador João Doria obteve uma vitória política ao garantir que pelo menos uma vacina será usada no curto prazo em todo o país. E na disputa (lamentável) para ver quem saía à frente na corrida das vacinas, foi vencedor ao imunizar a primeira brasileira, a enfermeira Mônica Calazans, e outros profissionais de saúde. Doria ignorou exigências burocráticas de publicação do sinal verde no Diário Oficial e assinatura de compromisso do Instituto Butantan de fornecer informações adicionais.

A ação do governo paulista antes do início do Plano Nacional de Vacinação foi censurada pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que perdido, ficou desacorçoado sem as vacinas da AstraZeneca e requisitou todas as que São Paulo dispunha. O ministro criticou “movimentos político-eleitoreiros” e disse que a vacinação tem que ocorrer “sem dividir o nosso país”, já dividido entre os que seguem as melhores orientações médicas e os obscurantistas que armaram sua barraca no Ministério da Saúde.

A disputa evitável não chegou a ofuscar a celebração pela ansiosamente aguardada aprovação das vacinas. Mas é preocupante o alheamento do governo federal no processo que mal começa. Toda a responsabilidade pela distribuição das doses entre os municípios ficou a cargo dos Estados, assim como as campanhas para a imunização, nas quais o governo federal poderia colaborar com recursos e execução.

Há indicações agora de atraso também no envio pela China do Insumo Farmacêutico Ativo, o que afetará a produção da vacina pela BioManguinhos (Oxford/AstraZeneca) e a do Butantan. De saída já se sabe que a disponibilidade de vacina é inferior ao necessário, e que ela é vital para a recuperação da economia. Sem ampla e convincente campanha publicitária, para a qual o governo tampouco se mostra disposto, boa parte dos brasileiros, que se intoxicaram pela contrapropaganda do presidente, poderão não se vacinar, adiando a derrota do coronavírus.

Apesar de tudo, a vacina – Opinião | O Estado de S. Paulo

O Brasil deve ser o único país onde o início da vacinação representou uma derrota política para o presidente.

O Brasil deve ser o único país do mundo onde o início da vacinação da população contra a covid-19 representou uma derrota política para o presidente da República. Foi assim porque Jair Bolsonaro em nenhum momento trabalhou com seriedade para conseguir um imunizante para os brasileiros. Ao contrário. Do alto do cargo que ocupa, fez o que podia e o que não podia para sabotar os esforços dos que lutaram incansavelmente para viabilizar a única solução para uma tragédia que já matou mais de 210 mil pessoas no País e levou milhões ao desemprego e à extrema pobreza.

Apesar das forças contrárias, da negação da realidade e de uma sórdida campanha de desinformação, prevaleceram a ciência, a boa governança e o espírito público dos agentes de Estado. E a Nação assistiu, enfim, ao início da tão ansiada campanha de vacinação.

Dois fatores foram decisivos para que na tarde de domingo passado a enfermeira Mônica Calazans, que trabalha na UTI do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, na capital paulista, se tornasse a primeira brasileira a ser vacinada contra o novo coronavírus, evento que permitiu a seus concidadãos dar um suspiro de alívio e a esperança de que, embora ainda haja um longo caminho a ser percorrido, ao menos agora se vislumbra o fim deste pesadelo.

O primeiro fator foi o empenho do governo do Estado de São Paulo em firmar parceria com o Instituto Butantan e uma empresa farmacêutica internacional, a Sinovac Life Science, da China. Em meados de junho do ano passado, o governador João Doria anunciou o acordo com o laboratório chinês. A partir de então, organizou-se um minucioso processo para que a Coronavac fosse testada no Brasil e, uma vez aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pudesse ser produzida aqui pelo Butantan. Ato contínuo, teve início a campanha de Bolsonaro contra o que chamou de “vacina chinesa do Doria”. Em outubro de 2020, convém lembrar, o presidente chegou a afirmar que o Ministério da Saúde “não compraria a vacina”.

Igualmente determinante para o início da vacinação sem mais delongas foi a postura técnica e republicana dos servidores da Anvisa, que não se dobraram a pressões de natureza política, como se temia, e pautaram sua decisão por critérios rigorosamente científicos. Foi o que se viu durante a minuciosa apresentação da análise da Coronavac e da vacina da Universidade de Oxford e do laboratório AstraZeneca, que será produzida pela Fiocruz.

A Anvisa foi além e negou veementemente a existência de um “tratamento precoce” contra a covid-19, ao contrário do que o presidente e o Ministério da Saúde preconizam aos quatro ventos. Só as vacinas hão de pôr fim às aflições dos brasileiros, afirmou a agência.

Se pressão houve, foi a do tempo. Em apenas nove dias, os técnicos da Anvisa se debruçaram sobre centenas de documentos sobre ambos os imunizantes, concluindo que, em que pesem algumas pendências de dados a serem sanadas pelos laboratórios nas próximas semanas, os benefícios da aplicação imediata das vacinas superam muito os riscos. A transparência da reunião deu ao País a segurança de que nada parece ter escapado ao olhar rigoroso dos técnicos da Anvisa. Melhor assim.

Um importantíssimo passo foi dado com o início da vacinação dos grupos prioritários em São Paulo, primeiramente, e em outros Estados. Mas não se pode perder de vista que o País ainda não tem a quantidade de doses suficiente para vacinar toda a população-alvo, qual seja, os maiores de 18 anos. Cabe ao Ministério da Saúde fazer o que lhe compete e organizar um plano nacional de vacinação digno do nome. Urge garantir os estoques de vacinas e insumos acessórios para que todos os brasileiros que devem ser imunizados o sejam o quanto antes. Apenas com a Coronavac não se atingirá a cobertura vacinal apta a garantir a imunidade necessária para frear o espalhamento do vírus.

Sequelas do atraso – Opinião | Folha de S. Paulo

País se depara com obstáculos e dúvidas sobre velocidade do plano de vacinação

À lufada de júbilo que tomou o Brasil, com o início tardio da vacinação contra Covid, sobrevém um choque de realidade em que será preciso superar sequelas do fiasco federal na pandemia. Isso se Jair Bolsonaro e seu inepto ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, nada mais fizeram de errado.

Mesmo depois da derrota humilhante na cruzada contra a Coronavac, o presidente continua espalhando desconfiança sobre o produto que, afinal, viu-se obrigado a comprar. Esse, entretanto, constitui o menor dos problemas que o Programa Nacional de Imunização terá de resolver.

O efeito adverso mais grave da incompetência do Planalto é a incerteza quanto à regularidade do suprimento de vacinas. Ao apostar num único produto, a Covishield da AstraZeneca e da Universidade de Oxford, o governo federal ficou refém de um fornecedor que agora regateia entregas contratadas.

A Fiocruz, parceira de Oxford encarregada de envasar e depois fabricar o imunizante por aqui, ainda não ativou a produção. A partida inicial do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) para fracionar 1 milhão de doses no Brasil deveria ter chegado do exterior no final de 2020, mas isso não ocorreu.

Tal atraso desencadeou a patética ofensiva de Pazuello para importar 2 milhões de doses da Índia. O ministro general fracassou, como em quase todas as missões na pasta. Ainda dá por certo o desembarque de 50 milhões de unidades até abril, metade do volume contratado, mas o retrospecto manda desconfiar de suas projeções.

O Instituto Butantan, que se associou à Sinovac para produzir a Coronavac no Brasil, enfrenta dificuldades similares. Os 6 milhões de doses ora autorizados para uso emergencial já se encontram em território nacional, assim como insumos para outros 4,8 milhões de unidades até o fim deste mês, mas depois disso nada está garantido.

A Sinovac tem compromisso com a entrega de 46 milhões de doses até abril. No entanto está parado em Pequim um carregamento de IFA para 18,3 milhões de injeções. Teme-se que o governo chinês crie obstáculos, assim como na Índia ou mesmo em retaliação pelos ataques do clã Bolsonaro, para liberar o produto estratégico.

A China fornece 35% dos insumos farmacêuticos utilizados no Brasil, e a Índia, outros 37%. Os dois países mais populosos do mundo podem bem decidir, pois, que têm prioridade na vacinação.

Só estão em solo brasileiro vacinas para dar duas doses a 5,4 milhões de pessoas. Com sorte, menos incúria e mais diplomacia, até abril seria factível obter o suficiente para proteger menos de um quarto da população —isso se não faltarem seringas, se a Saúde não ficar de novo sem ministro e se a logística de Pazuello enfim funcionar.

Atraso na produção de vacinas dificulta desafio da imunização – Opinião | O Globo

Número de doses disponíveis hoje não é suficiente nem para vacinar um terço do grupo prioritário

Domingo foi um dia histórico para o Brasil. Mantendo independência, a Anvisa aprovou, por unanimidade, o uso emergencial das vacinas CoronaVac (desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o Butantan) e da Universidade de Oxford/AstraZeneca (que será produzida pela Fiocruz). Vencida essa etapa, ontem mesmo o Ministério da Saúde iniciou a distribuição das doses, e alguns estados já começaram a vacinar. Não há mesmo tempo a perder numa pandemia que já matou 210 mil brasileiros. Só existe um problema: não há vacina suficiente nem para a etapa inicial.

No momento, o governo dispõe de apenas 6 milhões de doses importadas pelo Butantan. De acordo com o ministério da Saúde, considerando as duas doses e o percentual de perda de 5%, deve dar para vacinar 2,8 milhões nos grupos prioritários (profissionais de saúde, residentes em asilos, indígenas, idosos acima de 75 anos etc.). Isso é menos de um terço (29%) da população-alvo da primeira fase, 9,6 milhões.

Estado que concentra o maior número de infectados e mortos, São Paulo terá 1,4 milhão de doses. Não dá nem para os profissionais de saúde (1,5 milhão), que demandariam 3 milhões. No Rio, o total (487.520) não contempla 20% do grupo prioritário (1,3 milhão).

O descompasso entre oferta e demanda não poderia ser diferente diante da gestão desastrosa da dupla Bolsonaro & Pazuello no combate à pandemia. Não se sabe por quê, o governo apostou numa única vacina, a de Oxford, que nem está disponível. Demonizou a CoronaVac, mas, não fosse ela, não teria nenhuma. Não foi capaz de garantir nem seringas e agulhas. A compra de 2 milhões de doses da Índia se transformou numa novela. Até agora Pazuello não disse o dia D e a Hora H em que o avião irá buscá-las.

O Brasil tem experiência em produção de vacinas e em vacinação. A parceria do Butantan com a Sinovac foi anunciada em junho. A da Fiocruz com a AstraZeneca, em julho. Por que, então, até agora nenhum dos dois centros é capaz de produzir uma só gota do princípio ativo da vacina e se vê obrigado a importar? Eis um mistério que as autoridades deveriam esclarecer.

Uma vez distribuídas as doses, não deve haver maiores problemas para que a vacina chegue aos brasileiros. O principal obstáculo continua sendo um governo incapaz de planejar. É preciso resolver imediatamente as pendências que atrasam a produção tanto na Fiocruz quanto no Butantan. Não se pode admitir um início de vacinação incipiente e insuficiente, apenas como peça de propaganda. Basta de incompetência. O mínimo que se espera é que haja vacina para seguir com o Plano Nacional de Imunização.

Com Biden, não dá para Ernesto ficar no Itamaraty – Opinião

Só uma diplomacia profissional conseguirá fazer a aproximação necessária com a Casa Branca

O apoio do presidente Jair Bolsonaro e do chanceler Ernesto Araújo às barbaridades de Donald Trump — que sofreu impeachment por ter insuflado as hordas violentas que invadiram o Capitólio — cobrará um preço altíssimo na relação entre Brasil e Estados Unidos. Repetir as mentiras de Trump sobre fraudes nas eleições americana e deixar de condenar a tomada de assalto do Congresso em Washington elevam a níveis perigosos as dificuldades que o Brasil terá com o governo do novo presidente Joe Biden, que toma posse amanhã.

Nunca fez tanta falta uma diplomacia profissional no Itamaraty, há dois anos entregue a um diplomata profundamente limitado, cuja qualidade mais notável é ser um seguidor fiel das idiossincrasias ideológicas do chefe. Pois, enquanto as chancelarias de vários países repudiavam a barbárie, Araújo dizia que havia “cidadãos de bem” entre os vândalos. Foi quase um bis do comentário escabroso de Trump sobre o ataque de supremacistas brancos e neonazistas em Charlottesville, na Virgínia. Trump viu gente de bem “de ambos os lados”, depois foi pressionado a se corrigir. Em Brasília, a diatribe de Araújo passou incólume, afinal ele apenas serviu de ventríloquo do presidente.

A Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros (ADB) divulgou nota para registrar que não se confundem com os direitos à liberdade de expressão as “tentativas de subversão da vontade do eleitor, por meio da violência e da destruição do patrimônio público”, ocorridas em Washington. De forma cuidadosa, a ADB falou em nome de diplomatas amordaçados no Itamaraty.

Aposentado, sem risco de quebrar a hierarquia, o embaixador e ex-chanceler Rubens Ricupero entendeu a nota como resultado de um movimento interno de repúdio a Araújo por parte de profissionais que entendem haver prejuízo ao relacionamento com os Estados Unidos caso ele continue no cargo.

A troca de Araújo por alguém de perfil profissional é o indicado para gerenciar um enorme contencioso que apenas espera que Biden assuma. Basta dizer que um dos projetos estratégicos do novo governo é investir pesadamente em energia limpa e renovável. Assunto que se relaciona com o clima e se desdobra em preocupações com a Amazônia sob o governo Bolsonaro, já motivo de rusgas entre o presidente eleito americano e o brasileiro. Os EUA de Biden serão, sem exagero nenhum, o oposto do Brasil de Bolsonaro.

Biden ainda era candidato quando criticou o descaso do Brasil com a Amazônia num debate com Trump. Bolsonaro reagiu com uma bravata ridícula, ameaçando trocar a “saliva” da diplomacia pela “pólvora”. Apostou na vitória de seu inspirador americano. Perdeu — e foi quase o último a reconhecer a vitória de Biden nas urnas.

Agora precisa de uma estratégia para construir um relacionamento minimamente razoável com o segundo maior parceiro comercial do Brasil, sem depender de Trump (de quem jamais conseguiu qualquer tratamento especial). Já não é nada fácil, mas certamente será menos difícil sem os desvarios de Araújo a turvar o ambiente.

Multas simbólicas – Opinião | O Estado de S. Paulo

É obscuro o controle do cumprimento de sanções aplicadas aos partidos pelo TSE.

O financiamento público dos partidos políticos é uma excrescência que deveria ser abolida o quanto antes. No dia em que isto acontecer, o País terá atingido um inaudito grau de maturidade política. Como entidades privadas que são, os partidos, nunca é demais dizer, deveriam contar apenas com os recursos advindos das doações de seus simpatizantes para funcionar e para disputar eleições. Tal como está concebido, o modelo atual distorce a representação política, pois obriga o contribuinte a arcar com o funcionamento de partidos políticos com os quais não tem qualquer afinidade ideológica ou programática.

Como a quase totalidade dos recursos que sustentam os partidos tem origem pública, cabe ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aferir anualmente a lisura das contas apresentadas pelas legendas, sugerir correções, julgar ilegalidades e aplicar sanções. No entanto, este controle, do ponto de vista do contribuinte que sustenta o modelo, é obscuro. Há pouquíssima transparência nos processos que correm no TSE e, sobretudo, no controle do cumprimento das sanções aplicadas pela Corte Eleitoral.

Como os partidos políticos dependem fundamentalmente de dinheiro público para funcionar, o mínimo que se espera é que façam bom uso desses recursos e, quando isto não acontece, que o TSE seja implacável em sua missão de aplicar a lei eleitoral. Mas não é o que se vê. Se, por um lado, as agremiações políticas falham na prestação de contas, o TSE, por outro, não tem sido tão rigoroso ao exigir o cumprimento das sanções que, eventualmente, aplica, em especial o pagamento de multas.

Em 2020, os partidos políticos receberam R$ 2 bilhões do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o chamado fundo eleitoral, e mais R$ 834,3 mil do fundo partidário. É muito dinheiro para uma prestação de contas frouxa, de difícil compreensão e acompanhamento. A descrição dos recursos públicos que são distribuídos aos partidos se espraia por pelo menos 19 documentos, em diferentes formatos. A confusão é tanta que parece se tratar de algo que foi concebido desta forma para dificultar a fiscalização.

Um levantamento feito pela Transparência Partidária, ao qual o Estado teve acesso, mostrou que desde 2000 foram rejeitadas 86 prestações de contas apresentadas pelas 33 legendas registradas no TSE. A desaprovação das contas resultou em multas, mas a organização não conseguiu levantar quais débitos estão em aberto e quais já foram quitados pelos partidos. “Essa situação revela a impossibilidade de efetivo controle sobre o cumprimento das sanções que são aplicadas aos partidos políticos pelo TSE”, afirmou Marcelo Issa, diretor executivo da Transparência Partidária.

O que esperar para o futuro da democracia representativa no Brasil se as sanções aplicadas aos partidos políticos por violações da lei eleitoral dão em rigorosamente nada? Que estímulo as legendas têm para cumprir a lei quando as multas aplicadas pela maior autoridade eleitoral do País são, na prática, simbólicas?

O descontrole não é visto apenas na aplicação de sanções às legendas. As multas aplicadas a cidadãos – como os que se ausentam de convocação para trabalhar em eleições sem a devida justificativa – também ficam num limbo, uma espécie de Estado paralelo em que o órgão fiscalizador finge que pune e o infrator finge que paga.

Há muitas causas para a crise de representação por que passam os partidos políticos. Uma das principais é o distanciamento das legendas de seus possíveis eleitores. Na medida em que não precisam se esforçar para conseguir o dinheiro que os mantém em atividade, os partidos não aprimoram e muito menos respeitam seus programas e o diálogo com a sociedade. Afastam, dessa forma, simpatizantes que comunguem de suas ideias e estejam dispostos a contribuir para a manutenção da legenda. O fim do financiamento público resolveria isso. Mas, até lá, o TSE ajudaria se fosse mais incisivo no controle do cumprimento das sanções que aplica.

Mais um Enem problemático – Opinião | O Estado de S. Paulo

Prova deixou claro que os atuais responsáveis pelo MEC nem sequer sabem fazer contas.

Depois de ter publicado notas com erros no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2020 e convertido o cronograma das provas de 2021 em discussão política, gerando uma crise no Ministério da Educação (MEC), o governo Bolsonaro voltou a dar uma nova demonstração de irresponsabilidade e inépcia administrativa. Ao insistir em realizar o Enem de 2021 em meio ao avanço da pandemia, o MEC não teve competência para resolver problemas logísticos elementares, o que levou muitos alunos a não conseguir entrar nos locais das provas por causa da superlotação. 

No fim do ano passado, o órgão havia não só prometido cumprir regras de distanciamento entre os 5,7 milhões de alunos inscritos no Enem de 2021, como também garantia que haveria instalações escolares suficientes para atender todos, evitando com isso aglomerações. Infelizmente, não foi o que aconteceu.

Ao imaginar que muitos estudantes deixariam de comparecer por causa da pandemia, o MEC subestimou o número necessário de salas. Ou seja, os responsáveis pela educação mostraram não saber fazer contas. Ao todo, o Enem foi aplicado em 207 mil salas distribuídas em 14 mil locais de prova – números considerados insuficientes por gestores escolares. As consequências foram desastrosas. Em algumas universidades, quando as salas atingiram a capacidade máxima prevista, os fiscais passaram a impedir a entrada de novos estudantes, inviabilizando seus projetos acadêmicos, pois o Enem é a porta de entrada no ensino superior. Em outras universidades, os fiscais foram lenientes e as classes ficaram quase lotadas, contrariando as medidas sanitárias preventivas. 

Mais grave ainda, o MEC foi acusado de ter mentido. Algumas universidades alegaram que cederam suas dependências para a aplicação do Enem com a condição de que fosse respeitado o limite de 40% de ocupação por sala. Mas o MEC não cumpriu o acordado e distribuiu os alunos usando 80% do espaço de cada sala. A acusação mais contundente de que o MEC mentiu partiu da Universidade Federal de Santa Catarina. 

Embora o ministro Milton Ribeiro tenha tido a desfaçatez de afirmar que a aplicação do Enem foi um “sucesso”, procuradores do Ministério Público Federal anunciaram que pedirão abertura de investigações. Membros da Defensoria Pública da União, que no sábado já haviam acionado a Justiça Federal para barrar a realização do Enem, sob a alegação de que o MEC não teria garantido a segurança dos candidatos, colocaram-se à disposição para atender os estudantes cujo acesso às salas de aula foi negado. 

Consciente de que o “sucesso” do Enem só existiu na cabeça de Ribeiro, o Inep, preocupado com o risco de judicialização do Enem, prometeu que aplicará em fevereiro uma prova a quem não pôde fazê-la no domingo. O órgão sabe que, se não evitar a judicialização, o cronograma das matrículas nas universidades federais estará comprometido, levando a mais um ano de erosão do planejamento acadêmico. Mas, apesar de a preocupação do Inep ter procedência, isso não significa que as autoridades educacionais não venham a enfrentar problemas judiciais. Como a prova de domingo teve 51,5% de abstenção, isso significa que metade dos candidatos foi submetida a um rol de questões e que a outra metade será submetida a um outro rol em fevereiro. Não é improvável, assim, que a Justiça, com base nos princípios da igualdade e equidade, exija a aplicação de uma prova idêntica a todos os candidatos. 

O que o governo Bolsonaro vem fazendo na educação é mais do que uma delinquência moral. Incapaz de se esforçar para oferecer uma educação de qualidade e reduzir desigualdades agravadas pela pandemia, ele está negando a esses 5,7 milhões de jovens egressos do ensino médio as condições mínimas para que possam ter sucesso nas provas de ingresso no ensino superior. O governo não só não consegue superar as deficiências de conhecimento existentes, como também abandona esses jovens à própria sorte. 

Banco do presidente – Opinião | Folha de S. Paulo

Bolsonaro intervém na gestão do BB e eleva descrédito na agenda de Paulo Guedes

O presidente do Banco do Brasil, André Brandão, ficou sob ameaça no governo de Jair Bolsonaro desde que anunciou ao mercado, em 11 de janeiro, um processo de reestruturação para reduzir o número de agências da instituição e um programa de demissões voluntárias visando 5.000 funcionários.

Mesmo sem manifestações públicas, Bolsonaro fez saber que não havia gostado das medidas e inclinava-se a demitir o executivo. A exoneração não ocorreu, e a área econômica informa que os ajustes estão mantidos, mas as dúvidas quanto à gestão do BB —e de outras estatais— serão duradouras.

Trata-se do maior banco do país e uma companhia de economia mista cotada em Bolsa —e não cabe ao acionista majoritário, a União, atuar de maneira abusiva e intervencionista ao sabor de arroubos do presidente da República.

Uma eventual demissão de Brandão, que tem larga experiência e prestígio no setor, seria a segunda mudança promovida na instituição em curto intervalo de tempo.

Em julho do ano passado, o economista Rubem Novaes deixou a presidência do BB sob a alegação de que precisava descansar com sua família no Rio de Janeiro. Foi obviamente de uma maneira de dizer que preferia não explicitar as causas de sua saída.

Além de problemas decorrentes de investigações acerca de publicidade dirigida para sites bolsonaristas, noticiou-se que Novaes estava insatisfeito diante de decisões intempestivas do Planalto e mostrava-se desanimado com os rumos da propalada política de privatizações do ministro Paulo Guedes.

Já são vistas com enorme ceticismo, com efeito, as ambiciosas metas de desestatização apresentadas no início do governo pelo titular da pasta da Economia —que incluíam o próprio Banco do Brasil.

De início, a perspetiva de a União se desfazer do controle do gigante estatal gerou expectativas favoráveis e levou a uma consequente valorização de suas ações.

Não tardou, contudo, para que a visão corporativista de Bolsonaro começasse a se impor, favorecendo os conhecidos interesses políticos que rondam a instituição. O presidente age, de fato, como se fosse o dono do banco.

Hoje, não há mais quem acredite que o BB será privatizado —e o governo faz rarear até os que nutrem esperanças de um processo mais ousado de modernização.

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