Folha de S. Paulo
No STF e TSE, repousam opções diante de
olhos que as conhecem e não as querem ver
O desvario de Bolsonaro se propagou.
Vive-se uma situação de maluquice institucional em que os juízes do Supremo
Tribunal Federal passam a acusados, quem
venceu a principal eleição condena-a por fraudulenta, o maior falsário de
verdades no país tem o cargo de presidente, o general encarregado da Saúde dá
condições para a morte prematura de centenas de milhares, a grande questão
nacional é a derrubada ou permanência do sistema que encerrou mais de um século
de roubalheira eleitoral.
Confrontam-se agora os adeptos e os
críticos das máximas criadas por ninguém menos do que o ministro do nazismo
Joseph Goebbels. Haja desatino.
Os inúmeros protagonistas dessa situação maluca, ou a impulsionam, ou se mantêm na inércia dos dementes dopados de velhos hospícios. Aos que veem o mundo de baixo para cima, é prudente não procurar nos poderes amalucados onde se encontram os sensos de vergonha, ridículo, dever e compromisso, presente e futuro.
Os conluios do autoritarismo ambicioso e do
imobilismo acovardado ou interesseiro chegam, sempre, a pontos de ruptura
decorrentes dos seus próprios excessos. É o que faz a rebelde CPI
da Covid no Senado. De início desacreditada por muitos, hoje com saldo
admirável de desnudamentos da farsa bolsonarista-militar, a CPI tem induzido
muito da correção informativa visível nas sondagens eleitorais. Algo semelhante
é a resistência
à volta do voto impresso.
Os bolsonaristas precisaram de uma tramoia
para adiar a votação preliminar. Ficou para 5 de agosto, sendo o motivo básico
da repentina substituição do general Luiz Eduardo Ramos, na Casa Civil da
Presidência, pelo senador Ciro Nogueira. Aí está o primeiro teste, na nova
função, desse presidente
do PP e político de natureza camaleônica. Há pouco mais de um mês, seu
partido integrou as 11 siglas que se coordenaram em defesa da urna eletrônica.
A saraivada
de mentiras e agressões verbais de Bolsonaro ao Supremo, ao Tribunal
Superior Eleitoral e a magistrados, na noite de quinta-feira (29), está em
suspense para definir-se como ponto de ruptura ou não. Por mais aborrecido que
lhes pareça, esses ministros judiciais foram postos agora, por Bolsonaro, em
situação: tudo indica que chegaram ao último espaço antes da desmoralização
indelével. Sabem disso. Bolsonaro espera.
Está previsto para esta segunda-feira (2)
um pronunciamento
do Judiciário. Se para mais considerações, o Supremo menos perderia com o
silêncio. O ridículo já mudou de lado, dos bolsonaristas para o Congresso, onde
só a CPI da Covid tem sido leal à Constituição, e para os tribunais curvados às
agressões de Bolsonaro. E já há o trânsito do ridículo para o vergonhoso.
Toda expectativa de conduta aceitável em
Bolsonaro é gerada por demência filiada à dele ou por ganância e avareza em
níveis também demenciais --o que é a mais perceptível contribuição para os 48%
de aprovação a Bolsonaro no empresariado. Não há possibilidade de que alguma
lucidez, algum bom senso, alguma boa qualidade humana e cívica tolere a
desgraça que é imposta ao país. O de hoje, tão cruel com a maioria, e o que
será vivido por nossos filhos e netos.
As portas abertas do Congresso não
significam que lá dentro vigore o exercício real das responsabilidades com a
preservação do regime constitucional democrático. No Supremo e no TSE,
guardiães de amarelecidos recursos contra o cerco de Bolsonaro às instituições
da democracia, repousam possibilidades diante de olhos que as conhecem e não as
querem ver, por comodismo ou por temor.
Convém perguntar-nos se não estamos já no
estado de golpe.
O crime
A falta de recursos na Cinemateca
Brasileira chegou, há pouco, até
para os salários. Se faltassem provas da asfixia
intencional da instituição, as medidas liberadas pelo governo federal horas
depois do incêndio, longamente retidas, demonstram a disponibilidade e a recusa
de meios para a conservação daquele patrimônio cultural.
Ação contra o patrimônio público é
crime. Mário
Frias, a serviço do bolsonarismo na Secretaria da Cultura, merece responder
pelo que o fogo fez em seu nome.
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