O Globo / Folha de S. Paulo
Bolsonaro agrava crise hídrica ao maquiá-la
A cloroquina, a “gripezinha” e a “nova
política” ganharam uma companheira. É a Câmara de Regras Excepcionais para
Gestão Hidroenergética, criada em junho. Atrás dessa salada, escondem-se o
risco de um apagão devido à falta de chuvas e a opção preferencial pelo
negacionismo que alimenta as marquetagens do governo.
Bolsonaro não pode ser responsabilizado
pela redução do volume de água nos reservatórios, mas quando decide encarar o
problema maquiando-o, agrava-o. A pandemia mostrou que nos desvãos do
negacionismo e da prepotência infiltram-se as picaretagens de intermediários
milagreiros.
No caso da falta de chuvas, o governo erra
porque quer. Tem à mão a literatura do desempenho do governo de Fernando
Henrique Cardoso na crise de 2001. Os demônios de então eram os mesmos de hoje:
burocratas negacionistas protegiam-se com a dispersão da autoridade.
FH deu plenos poderes a Pedro Parente, seu
chefe da Casa Civil, e ele criou uma Câmara de Gestão da Crise de Energia. Os
marqueteiros reclamaram, pois não queriam falar em crise.
Parente bateu o martelo:
— Não, tem que usar a palavra crise. É Câmara de Gestão da Crise de Energia, porque a população precisa entender que estamos vivendo uma crise. Não adianta esconder.
Se ele não tivesse feito isso, talvez
tivesse sido criada uma Câmara de Regras Excepcionais para Gestão
Hidroenergética.
O STF criou um bate-boca
Pelas contas da ONG Artigo 19, em 2020 Jair
Bolsonaro soltou 1.682 declarações falsas ou enganosas, quatro por dia. (Em
quatro anos, o presidente americano Donald Trump, seu guia, soltou 30.573).
Na semana passada, a página do Supremo
Tribunal Federal rebateu um bordão de Bolsonaro, segundo o qual a Corte limitou
os seus poderes para combater a Covid e argumentou: “Uma mentira repetida mil
vezes vira verdade? Não.”
Bolsonaro havia dito que “se eu estivesse
coordenando a pandemia, não teria morrido tanta gente”. Só Deus sabe quantos
teriam sido os mortos se o Supremo Tribunal tivesse permitido que invadisse a
competência dos estados. A CoronaVac não teria sido comprada, o distanciamento
social teria sido suspenso e todo mundo estaria mascando cloroquina.
Santa iniciativa, mas o tribunal não fala
por intermédio de redes sociais. Num mundo ideal, ele fala por meio de suas
decisões. Pode-se entender que, em casos excepcionais, fale pela voz de seu
presidente. Avacalhando o rito, acabará batendo boca em balcão de lanchonete.
Uma mentira repetida mil vezes não vira
verdade, mas o seu propagador nunca deixa de ser mentiroso. Joseph Goebbels,
autor da frase e ministro da propaganda de Hitler, foi um homem de muitas
ideias. Em abril de 1945, quando Berlim estava em escombros e faminta, ele
propôs que fossem trazidas vacas da zona rural para dar leite às crianças.
Não explicou como as vacas se alimentariam.
Carta branca
O senador Ciro Nogueira é habilidoso e
experiente, mas se acha que Bolsonaro lhe deu autonomia para fechar acordos
políticos na Casa Civil, comprou um terreno na Lua com vista para Saturno.
Sergio Moro comprou um lote nesse
condomínio. Ficava ao lado do Posto Ipiranga de Paulo Guedes.
José Arthur Giannotti
Foi-se o professor José Arthur Giannotti.
Deixou sua obra e um exemplo de distanciamento do poder.
Amigo por décadas de Ruth e Fernando
Henrique Cardoso, hospedava-se no Palácio da Alvorada quando ia a Brasília.
FH colocou-o, por mérito, no Conselho
Federal de Educação, que autoriza a criação de universidades particulares.
Quando entrou na pauta a transformação das faculdades Anhembi-Morumbi em
universidade, ele votou contra, perdeu, pegou o boné e abandonou o Conselho.
Na época, ele explicou:
“Há
faculdades sem bibliotecas, que tomam estantes emprestadas quando temem a
chegada da fiscalização. Há escolas que são caça-níqueis. Quando anunciei minha
demissão, um dos conselheiros disse que, tendo perdido a votação, eu queria
vencer no tapetão. O meu jogo é outro. Não recorro a amizades para resolver
esse tipo de problema. Eu estava hospedado no Alvorada e não comentei o
episódio com o presidente. Não vou ganhar no tapetão. Quero ir à luta no
gramado.”
Lutou enquanto viveu.
Cenário da catástrofe
O comitê eleitoral instalado no Palácio do
Planalto trabalha para reeleger Bolsonaro no ano que vem. Os profissionais
sabem que isso é possível, mas temem o cenário de uma catástrofe: o capitão não
chegaria ao segundo turno.
O ex-ministro Gilberto Kassab, respeitado
por suas previsões eleitorais, admitiu essa hipótese há poucas semanas.
De lá para cá, de forma sibilina, Bolsonaro
disse em duas ocasiões que poderá não se candidatar. Isso não é verdade, mas,
por via das dúvidas é uma rota de fuga, fabricando algum tipo de crise.
Paes, o festeiro
A revista “Economist” chamou o capitão de
Bolsonero, mas ele ainda não fez o que o prefeito do Rio anunciou. Eduardo Paes
revelou uma programação de festas para a primeira semana de setembro. Empunhou
um slogan, “Rio de Novo”, e prometeu festas, comidas e jogos de botequim.
Isso num dia em que os dados oficiais do
Rio registraram 154 mortes, com 89% dos leitos de UTIs ocupados.
A pandemia matou mais de 30 mil pessoas na
cidade, inclusive o pai do prefeito.
Com seu chapéu panamá, Paes adora festas.
Hospedou uma Olimpíada que legou elefantes brancos e inaugurou a ciclovia Tim
Maia, “a mais bonita do mundo”, que desabou três vezes e matou duas pessoas.
A programação anunciada por Paes não
incluiu um só ato em ação de graças, no qual poderiam ser lembrados os mortos.
Em tempo: Nero não cantou enquanto Roma
pegava fogo. Ele não estava na cidade.
Mico diplomático
No próximo sábado, completa-se um mês da
divulgação da notícia de que o pastor Marcelo Crivella seria o novo embaixador
do Brasil na África do Sul.
A etiqueta diplomática recomenda que o nome
de um novo embaixador só seja divulgado depois da concessão do agrément do país
para onde ele irá. A mesma etiqueta informa que quando o governo não responde
prontamente, isso significa que ele prefere não receber o indicado.
Crivella está com o seu passaporte retido
por decisão judicial.
Cadeia de comando
O capitão Bolsonaro disse que tratou do
caso da vacina indiana com o general Pazuello, que passou a denúncia ao coronel
Elcio Franco, que nada viu de errado na picaretagem.
Nunca é demais relembrar o texto que o
general Dwight Eisenhower escreveu em junho de 1944, na véspera da invasão da
Normandia pelas tropas aliadas, para o caso de um fracasso:
“Se alguma culpa deve ser atribuída à
tentativa, ela é só minha”.
No padrão de seu governo, a encrenca da Covaxin terminará sendo atribuída às vítimas da Covid.
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