Folha de S. Paulo
No paradigma materialista, seres vivos são
máquinas de sondar o mundo exterior
Quando uma árvore cai na floresta, ela faz
barulho se não houver ninguém para ouvir? Essa pergunta costuma ser relacionada
ao idealismo radical do filósofo irlandês George Berkeley (1685-1753), muito
embora não seja ele o autor da frase. Mas poderia ser. Para Berkeley, tudo o
que é é apenas como percepção (pelos sentidos ou pela reflexão) em nossas
mentes.
Numa dessas ironias da história, a ciência,
a filha do materialismo que Berkeley tanto combatia, cada vez mais dá razão ao
filósofo. Uma boa demonstração disso está em “Sentient” (senciente), de Jackie
Higgins.
A autora começa cada um dos capítulos escolhendo um bicho que tenha algum sentido especialmente aguçado. No caso da visão, é o camarão mantis; na audição, a coruja lapônica; no tato, a toupeira de nariz estrelado. E, ao descrever o que cada um desses animais tem de singular, ela mostra como os sentidos funcionam também para humanos.
No paradigma materialista, seres vivos são
máquinas de sondar o mundo exterior, mas isso não significa que todos o
percebam da mesma forma. O camarão mantis, por exemplo, tem 12 tipos de
receptores de cor (humanos temos três), além de enxergar não apenas no espectro
da luz visível mas também no infravermelho (calor) e no ultravioleta.
Surpreendentemente, quando submetidos a testes, os camarões mantis, fracassam
em ver as mesmas cores que nós. Seu mundo cromático é único e diferente do
nosso.
Basicamente, se não houver um cérebro para
ver, não existem cores; se não houver um para cheirar, a flor não tem perfume.
O leitor também poderá se surpreender com o
fato de “Sentient” trazer 12 e não apenas cinco capítulos. É que, embora
Aristóteles tenha contado cinco sentidos, a ciência moderna, pelo critério dos
receptores especializados, já identificou 33. Higgins não cobre todos, mas
fascina o leitor com “novos” sentidos como os de prazer e dor, tempo, direção,
propriocepção.
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