Folha de S. Paulo
Presidente tenta criar impressão de que
rejeitar o resultado das urnas é uma demanda popular
O plano de Jair Bolsonaro para 2022 nunca
dependeu das provas inexistentes de fraude que ele prometia apresentar. Há
outro elemento-chave em sua longa campanha para desacreditar o sistema de
votação eletrônica e abrir caminho para a contestação das eleições em caso de
derrota: a incitação à desordem.
No comício
digital transmitido pela TV do governo na quinta (29), Bolsonaro falou
quatro vezes no risco de agitações públicas provocadas pela desconfiança em
relação às urnas. Disse que "o povo" pode se revoltar, mencionou um
período de inquietação pós-eleitoral e afirmou que alguns grupos estariam
dispostos a "realizar ações contrárias ao pleito".
Não é premonição, é incentivo. Com o megafone da Presidência, Bolsonaro tenta criar um ambiente de dúvidas e convencer uma parcela não desprezível de apoiadores a participar de mobilizações a favor de suas teses. O objetivo é criar a impressão de que rejeitar o resultado das urnas não é um projeto pessoal, mas uma demanda popular.
O presidente busca um estímulo adicional a
esse tumulto e trabalha pela reativação do antigo pavor de seus eleitores em
relação ao PT. Em sua última transmissão ao vivo, ele repetiu a tese de
que a
suposta tramoia nas urnas é parte de um complô para levar Lula de
volta ao poder.
Se realmente acreditasse que a eleição será
roubada, Bolsonaro não deveria se importar com o eventual beneficiário da
trapaça –seja Lula, João Doria ou o Cabo Daciolo. Fica claro que seu objetivo
não é denunciar nenhuma irregularidade, mas provocar reações nas ruas, nas
polícias e nos quartéis contra o rival petista.
A desordem é a ferramenta ideal para o
projeto de Bolsonaro em 2022 porque não depende de uma maioria que concorde com
seus ataques ao resultado das eleições. Se for derrotado, ele só precisa fabricar
barulho e alguns episódios de violência, com um
punhado de homens armados na retaguarda. Pode não ser suficiente para
conseguir o golpe, mas deve ajudar a manter o bolsonarismo vivo como força
política.
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