Blog do Noblat /Metrópoles
O presidencialismo eleva o mandatário à
condição de pai da Pátria
O Brasil adota como sistema de governo um
presidencialismo de tipo imperial com sustentação partidária. Sob essa rota
capa de uma coalizão, o governo padece de crises cíclicas. Tanto mais extensa a
aliança em torno do Executivo, maior a probabilidade de o presidente
administrar sismos para garantir a governabilidade. Agora, mais uma vez, o
centrão abocanha fatias de poder.
O presidencialismo sofre uma crise crônica
no equilíbrio entre o Executivo e o Legislativo. O primeiro alimenta-se da base
política e esta se aproveita para reeleger seus representantes e se perpetuar
no poder. Fora disso é utopia.
Um parlamentarismo à moda francesa ou portuguesa não combina com nossa realidade política. Sua arquitetura é mais refinada e define a moderna política: avançada, racional, mais democrática, realista, flexível, sensível à dinâmica social. O Brasil está ainda no ciclo da maria-fumaça.
O termo presidente significa grandeza, aura do
Todo-Poderoso. Até no futebol. Em 1980, no final do Campeonato Brasileiro, o
Flamengo ganhou por 3 a 2 do Atlético Mineiro. Três jogadores do Atlético foram
expulsos e seu presidente Elias Kalil exclamou aos berros: “Vou apelar para o
presidente da República, João Figueiredo, de presidente para presidente!” O
culto à figura do presidente é tronco do patrimonialismo ibérico, herança da
monarquia portuguesa e dos ritos da Corte: admiração, bajulação e mesuras,
incluindo o beija-mão.
Maurice Duverger defende a tese de que o
gosto latino-americano pelo presidencialismo vem do aparato monárquico na
região. O milenar Império Inca, e depois o poderio espanhol, plasmaram a
inclinação pela autocracia. Já o parlamentarismo europeu se inspirou na
Revolução Francesa, cujo alvo era a derrubada do soberano. Isso explicaria a
frieza europeia ante o modelo presidencialista. A disposição monocrática no
Brasil vem desde 1824, quando a Constituição atribuiu a chefia do Executivo ao
imperador. A adoção do presidencialismo na Carta de 1891 só foi interrompida de
1961 a 1963, com uma ligeira experiência parlamentarista.
O presidencialismo eleva o mandatário à
condição de pai da Pátria. De acordo com o sociólogo Thomas Marshall, os
ingleses construíram sua cidadania primeiro com as liberdades civis, depois os
direitos políticos e, por fim, os direitos sociais. Entre nós, os direitos
sociais precederam os outros. A densa legislação social (benefícios
trabalhistas e previdenciários) foi implantada entre 1930 e 1945, no ciclo
getulista de castração de direitos civis e políticos. Portanto, o civismo e o
sentimento de participação adormeceram por muito tempo no colchão dos
benefícios sociais. O parlamentarismo não tem chance por aqui. Imagine-se um
cacique do centrão como primeiro-ministro?
O fato é que não temos uma cultura política
que abrigue o parlamentarismo, sistema que carece de partidos fortes, programas
claros, estatutos sólidos, como fidelidade partidária. Instituir o
parlamentarismo sem moralização da vida política é pregar no deserto.
Tivéssemos um sistema partidário forte, o parlamentarismo seria o ideal. Infelizmente,
não estamos maduros para isso.
*Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político
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