O Estado de S. Paulo
Políticos que demonizam a sociedade civil prendem seus países no lodo do atraso
Nesta quarta-feira, dia 15, a presidente da
Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, fez seu discurso anual “Estado da
União”. Em meio a vários tópicos, sobressaiu-se a ideia que tem vertebrado seus
pronunciamentos e entrevistas recentes: levar a Europa a um futuro cada vez
mais “verde” e “digital”.
As duas palavras resumem as linhas mestras
da política e da economia no futuro. Não é possível fugir à revolução digital
que, nos últimos 30 anos, transformou o mundo. Já há algum tempo a lista das
principais empresas do planeta não é encabeçada por companhias petrolíferas ou
de varejo. Apple, Google, Microsoft, Amazon e Facebook revezam-se nos cinco
primeiros lugares. Três sediadas na Califórnia, duas na região de Seattle, todas
americanas – os Estados Unidos lideram a revolução digital.
A Europa, por sua vez, quer ser líder na transição para a economia verde. Trata-se de um projeto, antes de tudo, político. “Existem alguns valores que se tornaram transnacionais, e a preservação do planeta é um deles”, diz Cesar Rodríguez-garavito, professor da Universidade de Nova York (NYU). O combate às mudanças climáticas exige a colaboração entre países. Nada mais natural que uma união de nações dê o pontapé inicial.
Lapidado ao longo dos últimos quatro anos,
o “European Green Deal” é ambicioso. Seguidas suas diretrizes, negócios
relacionados com extração de petróleo e fabricação de carros a gasolina
deixarão de existir até meados da próxima década. A ideia é criar círculos
virtuosos. Um exemplo: gigantes como a sueca Ikea, marca de lojas de móveis, só
trabalham com fornecedores de madeira certificada. O objetivo é inviabilizar,
na cadeia global, os que não seguirem as regras sustentáveis.
Numa nova economia com valores
compartilhados, a política também vem sendo reinventada. Há um protagonismo
crescente da sociedade civil transnacional. Ela congrega atores de diversos
países e atua em rede, valendo-se dos recursos da tecnologia. Como no discurso
de Von der Leyen, as palavras “verde” e “digital” caminham juntas.
Num dos principais livros recentes sobre o
assunto, Rising the Populist Challenge, Rodríguez-garavito mostra como tais
redes incorporam não apenas organizações não governamentais, mas também
universidades e a imprensa independente. Cada uma em seu papel, tendo o
conhecimento como arma. Aos jornalistas cabe trazer à tona os fatos que
garantem um debate de alto nível.
Rodríguez-garavito é o entrevistado do
minipodcast da semana. O livro organizado por ele descreve também a reação a
essa nova forma – digital, verde, colaborativa e globalizada – de pensar a
política e a economia. Populistas à esquerda e à direita – do equatoriano
Rafael Correa ao brasileiro Jair Bolsonaro, passando pelo indiano Narendra Modi
– opõem-se ou se opuseram ao novo mundo que está surgindo. Eles colocam as
redes da sociedade civil – especialmente ambientalistas – no papel de inimigas,
atacando sua reputação e minando seus meios de subsistência.
Uma pesquisa mostra que 86% dos brasileiros
entre 16 e 24 anos estão preocupados com as mudanças climáticas.
Rodríguez-garavito lembra que a causa ambiental é a mais forte entre os jovens.
Trata-se de uma notícia ruim para os políticos que demonizam a sociedade civil.
Enquanto o mundo inteligente avança, eles prendem seus países no lodo do atraso
– e perdem, no caminho, a conexão com os eleitores do futuro.
*Escritor, professor da Faap e doutorando em Ciência Política na Universidade de Lisboa
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