sábado, 18 de setembro de 2021

João Gabriel de Lima* - Futuro mais verde e digital

O Estado de S. Paulo

Políticos que demonizam a sociedade civil prendem seus países no lodo do atraso

Nesta quarta-feira, dia 15, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, fez seu discurso anual “Estado da União”. Em meio a vários tópicos, sobressaiu-se a ideia que tem vertebrado seus pronunciamentos e entrevistas recentes: levar a Europa a um futuro cada vez mais “verde” e “digital”.

As duas palavras resumem as linhas mestras da política e da economia no futuro. Não é possível fugir à revolução digital que, nos últimos 30 anos, transformou o mundo. Já há algum tempo a lista das principais empresas do planeta não é encabeçada por companhias petrolíferas ou de varejo. Apple, Google, Microsoft, Amazon e Facebook revezam-se nos cinco primeiros lugares. Três sediadas na Califórnia, duas na região de Seattle, todas americanas – os Estados Unidos lideram a revolução digital.

A Europa, por sua vez, quer ser líder na transição para a economia verde. Trata-se de um projeto, antes de tudo, político. “Existem alguns valores que se tornaram transnacionais, e a preservação do planeta é um deles”, diz Cesar Rodríguez-garavito, professor da Universidade de Nova York (NYU). O combate às mudanças climáticas exige a colaboração entre países. Nada mais natural que uma união de nações dê o pontapé inicial.

Lapidado ao longo dos últimos quatro anos, o “European Green Deal” é ambicioso. Seguidas suas diretrizes, negócios relacionados com extração de petróleo e fabricação de carros a gasolina deixarão de existir até meados da próxima década. A ideia é criar círculos virtuosos. Um exemplo: gigantes como a sueca Ikea, marca de lojas de móveis, só trabalham com fornecedores de madeira certificada. O objetivo é inviabilizar, na cadeia global, os que não seguirem as regras sustentáveis.

Numa nova economia com valores compartilhados, a política também vem sendo reinventada. Há um protagonismo crescente da sociedade civil transnacional. Ela congrega atores de diversos países e atua em rede, valendo-se dos recursos da tecnologia. Como no discurso de Von der Leyen, as palavras “verde” e “digital” caminham juntas.

Num dos principais livros recentes sobre o assunto, Rising the Populist Challenge, Rodríguez-garavito mostra como tais redes incorporam não apenas organizações não governamentais, mas também universidades e a imprensa independente. Cada uma em seu papel, tendo o conhecimento como arma. Aos jornalistas cabe trazer à tona os fatos que garantem um debate de alto nível.

Rodríguez-garavito é o entrevistado do minipodcast da semana. O livro organizado por ele descreve também a reação a essa nova forma – digital, verde, colaborativa e globalizada – de pensar a política e a economia. Populistas à esquerda e à direita – do equatoriano Rafael Correa ao brasileiro Jair Bolsonaro, passando pelo indiano Narendra Modi – opõem-se ou se opuseram ao novo mundo que está surgindo. Eles colocam as redes da sociedade civil – especialmente ambientalistas – no papel de inimigas, atacando sua reputação e minando seus meios de subsistência.

Uma pesquisa mostra que 86% dos brasileiros entre 16 e 24 anos estão preocupados com as mudanças climáticas. Rodríguez-garavito lembra que a causa ambiental é a mais forte entre os jovens. Trata-se de uma notícia ruim para os políticos que demonizam a sociedade civil. Enquanto o mundo inteligente avança, eles prendem seus países no lodo do atraso – e perdem, no caminho, a conexão com os eleitores do futuro.

*Escritor, professor da Faap e doutorando em Ciência Política na Universidade de Lisboa

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