O Estado de S. Paulo
O governo tratou praticamente como
confidencial o plano gradual de corte de renúncias fiscais encaminhado ao
Congresso como exigência da famosa PEC emergencial, proposta que a equipe
econômica classificou como medida “revolucionária” para as contas públicas.
O prazo para o envio terminou esta semana,
o plano foi enviado a tempo, mas o Planalto e a Economia não quiseram divulgar
o seu conteúdo e muito menos justificar as escolhas.
Estranho, né? Repete-se o que já aconteceu
quando o governo enviou um plano ao Congresso para atender dispositivo na Lei
de Diretrizes Orçamentárias de 2019, mas pediu sigilo e nada aconteceu.
Na moita, o governo também protocolou na
Câmara um projeto que revoga os benefícios para atender o plano traçado.
Batizada de “gradual”, a proposta não passou de uma medíocre carta de intenções
de redução (até 2029) de R$ 22,41 bilhões, dos R$ 308 bilhões.
Isso mesmo: menos de R$ 3 bilhões por ano. A montanha pariu um rato.
Estamos falando de 4% do PIB, que o governo
deixa de arrecadar todo ano para beneficiar setores específicos. É muito pouco
o que se propôs.
Durante a pandemia da covid-19, a ideia de
cortar esses incentivos era apresentada (e ainda é) como a solução para melhorar
as contas do governo e irrigar recursos para políticas públicas mais eficientes
que serão necessárias para diminuir as cicatrizes deixadas pelo impacto da
crise sanitária, principalmente para a população mais carente.
Na boca das autoridades, um discurso fácil
e bonito. Um clichê ambulante. Na vida real, uma causa que não anda de jeito
nenhum.
Se a queda dos incentivos previstos no
plano já era risível, o governo tratou de piorar. Botou nessa conta um corte de
renúncias que estava sendo considerado em outro projeto, o do IR. É que, para
diminuir o rombo na arrecadação provocado pelas medidas do projeto, o relator,
deputado Celso Sabino, incluiu cortes de renúncias tributárias.
Acabou ficando uma espécie de “dupla”
contagem. O governo quer se aproveitar do projeto do IR para dizer que está
cumprindo o que mandou a PEC emergencial. Fingindo esquecer que os cortes de
renúncias do projeto foram feitos para compensar outras isenções dadas pelo
próprio relator. Tira com uma mão, dá com outra. Portanto, não há ganho
efetivo.
Dos R$ 22,4 bilhões de corte previstos
entre 2022 e 2029, R$ 15,29 bilhões são referentes à revogação de benefícios no
projeto do IR, que não há garantias que vá ser aprovado no Senado.
Na hora da votação, o próprio Sabino
renovou por mais anos incentivos concedidos por meio do IR e acabou retirando
da proposta, na última hora, corte de benefícios para embarcações e aeronaves
em resposta à pressão do lobby do setor de turismo.
O restante do plano do governo basicamente
se resume a não renovar incentivos que têm prazo para terminar. Não há nada
nele que aponte uma avaliação dessas políticas.
O plano faz uma leitura meio torta do texto
da PEC, que determinou uma queda para 2% do PIB dos incentivos em oito anos.
Mas blindou seis grandes benefícios do corte: desoneração da cesta básica,
entidades sem fins lucrativos, fundos constitucionais, Prouni, Simples Nacional
e áreas de livre comércio, como a Zona Franca de Manaus. Juntos, representam a
metade de toda a renúncia: R$ 150 bilhões.
A área jurídica do governo adotou uma
interpretação mais branda e entendeu que havia obrigação de propor uma redução
de só R$ 4,21 bilhões.
Essa discussão toda parece muito chata e
complexa, mas é crucial para entender por que o governo optou em aumentar o IOF
esta semana, encarecendo ainda mais o crédito num momento de alta dos juros
pelo BC.
O aumento do imposto foi feito para que o
governo pudesse lançar o novo Bolsa Família, o Auxílio Brasil, com a marca de
Bolsonaro.
Como a legislação exige fonte de recursos
para financiar novos programas, Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes optaram por
aumentar um imposto regulatório, que pode subir sem o aval Congresso.
O que o presidente poderia ter feito?
Poderia ter enviado uma medida provisória cortando alguma renúncia para evitar
esse aperto no crédito. Mas eles sabem que isso é encrenca para aprovar no
Congresso. Prova de que esse plano tem tudo para não dar em nada. Isso se o
Tribunal de Contas de Contas não rejeitá-lo e mandar o governo refazê-lo por
não atender à PEC.
Está mais do que na hora de uma exposição
da lista das empresas beneficiadas pelas renúncias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário