As democracias continuam frágeis e não parecem preocupadas em se proteger das ameaças internas. Assim, o que aconteceu nos EUA, pode repetir-se amanhã em qualquer outro país. Incluindo nos EUA
Esta semana ficamos a saber que o general
norte-americano Mark Milley, chefe do Estado-Maior dos EUA, ligou pelo menos
duas vezes para o general Li Zuocheng, do Exército de Libertação Popular,
assegurando-lhe não ter intenções de lançar nenhuma guerra contra a China, ainda
que para isso tivesse de contrariar ordens explícitas de Donald Trump, então na
fase final do seu mandato. Milley terá conversado antes com a líder democrata
Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, e ambos concordaram que
a saúde mental de Trump representava uma grave ameaça para a paz e para o
futuro da humanidade. “As democracias podem ser desleixadas”, terá dito Milley
a Zuocheng.
Durante aqueles dias de intenso nervosismo, a China parecia mais confiável para Mark Milley, para Pelosi, e para todas as pessoas sensatas em qualquer lugar do mundo, do que o homem democraticamente escolhido pelo povo norte-americano para presidir aos destinos do país. Nos EUA, há agora quem peça a cabeça de Milley, por alta traição. Eu, que não sou americano, apenas um cidadão do mundo, venho agradecer-lhe. Muito obrigado, senhor general, por ter tentado evitar um holocausto nuclear.
Para quem cresceu acreditando na
superioridade absoluta das democracias relativamente aos regimes totalitários,
a constatação de que, por vezes, ditaduras podem ser mais sensatas, mais
cordatas e mais civilizadas do que governos de países livres, não deixa de ser
perturbadora. Bem sei: democracias sempre permitiram e apoiaram atrocidades. As
bombas nucleares que os norte-americanos lançaram sobre Hiroshima e Nagasaki
mataram mais de 200 mil civis — um ataque de uma barbaridade e covardia que
nenhuma ditadura jamais igualou. Trump não foi o primeiro louco a presidir a
uma democracia. Seja como for, os dois telefonemas de Mark Milley dão que
pensar.
Democracias podem ser desleixadas, sim.
Democracias podem ser corrompidas. Democracias podem ser destruídas a partir de
dentro. Em que momento uma democracia se torna mais perigosa do que uma
ditadura? E como evitar que isso aconteça?
A esta altura, todos os países democráticos
deveriam estar tentando responder a tais perguntas. Esperava-se que o exemplo
de Donald Trump tivesse servido de alerta vermelho. Infelizmente não foi assim.
As democracias continuam frágeis e não
parecem preocupadas em se proteger das ameaças internas. Assim, o que aconteceu
nos EUA, pode repetir-se amanhã em qualquer outro país. Incluindo nos EUA.
As democracias precisam proteger-se.
Dirigentes políticos que produzam ameaças explícitas às instituições
democráticas deveriam responder perante a Justiça. Partidos e movimentos que
insistem em defender ditaduras não deveriam sequer ser autorizados a participar
no jogo da democracia. Contudo, vemos isso acontecer todos os dias nos EUA, no
Brasil, na Alemanha, em Espanha ou em Portugal, sem que tais posições suscitem
mais do que vagas queixas.
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