sábado, 18 de setembro de 2021

Claudio Ferraz - Os dinossauros e a política

O Globo

Enquanto a política brasileira se parecer com um jantar na casa de Naji Nahas, estaremos fritos

Em 2009 a revista inglesa The Economist escreveu um artigo com o título Where dinosaurs still roam: a victory for semi-feudalism (Onde os dinossauros ainda perambulam: a vitória do semifeudalismo). O artigo não era sobre um novo filme da série Jurassic Park ou sobre uma nova descoberta arqueológica, e sim sobre a volta de José Sarney para presidir o Senado pela terceira vez.

Sarney, que entrou para a política em 1955 e foi eleito governador do Maranhão em 1965, ajudou a derrotar a hegemonia política maranhense imposta por Vitorino de Brito Freire nos anos 60 para criar sua própria dinastia, que já dura mais de seis décadas.

O dinossauro continua solto e vagando por aí, influenciando os rumos da política local e nacional. Ele foi um dos participantes, esta semana, de um seminário realizado pelos partidos MDB, PSDB, DEM e Cidadania, com o título “Um Novo Rumo para o Brasil”. Lá, Sarney argumentou que precisamos usar a tradição brasileira de resolver os problemas com “jeitinho”, algo que ele vem fazendo há anos, transitando de membro da Arena e apoiador da ditadura militar a presidente da República e depois aliado, no Senado, do ex-presidente Lula.

Outro participante ilustre foi o ex-presidente Michel Temer, o mesmo que se levantou dos mortos-vivos como um zumbi para “salvar” a democracia brasileira atuando como intermediário entre o presidente Jair Bolsonaro e membros do STF. Ele argumentou que a democracia brasileira precisa “ter todos os partidos unificados para um mesmo pensamento ou para uma mesma luta”.

Mas uma democracia ativa e saudável não se faz de debate entre dinossauros. Tampouco depende do povo “gostar de votar” como argumentou nesse seminário o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Uma das grandes barreiras para o funcionamento saudável da democracia brasileira é a falta de novas lideranças políticas que sejam formadas dentro dos partidos.

Quem prestou atenção nas eleições de 2018 deve estar se perguntando que história é essa de falta de novas lideranças, se a Câmara dos Deputados teve uma renovação de 50%, e o Senado, de 85%. É verdade, mas a entrada de novatos na política em 2018 não foi uma consequência de menores barreiras à entrada nem de um esforço dos partidos políticos por formar novas lideranças.

Foi uma consequência da onda antiestablishment bolsonarista que elegeu, com algumas exceções, candidatos conservadores e amantes da lei e da ordem. As barreiras estruturais que fazem com que a renovação política brasileira seja difícil continuam intactas.

Infelizmente, o problema não é só da direita. A entrevista que Lula deu recentemente a Mano Brown, no podcast Mano a Mano, mostra claramente que o PT também patina em relação à descentralização de poder, representação racial e formação de novas lideranças.

 É claro que há exceções em alguns partidos políticos novos e em algumas regiões do país, mas, em geral, as barreiras à renovação continuam enormes. A falta de mulheres e pretos na lista de políticos eleitos é uma consequência direta desse fenômeno.

Por que a renovação política de qualidade é tão difícil no Brasil? Primeiro, porque nossas regras eleitorais incentivam os partidos políticos a buscarem “puxadores de votos” sem nenhuma experiência política. O ex-deputado Tiririca é um grande exemplo, mas esportistas, personalidades da TV, bispos de igreja evangélica e coronéis da polícia cumprem o mesmo papel.

 Segundo, porque as estruturas partidárias são extremamente hierárquicas e centralizadas. O cacique partidário controla a distribuição dos recursos partidários e, com isso, determina quem será competitivo na eleição. Por mais paradoxal que possa parecer, isso piorou com a proibição de contribuições de campanhas por empresas, já que deixou o fundo eleitoral na mão de poucos caciques com muito poder.

Terceiro, porque os partidos políticos investem pouco na formação de novos líderes. Mesmo com uma sociedade civil ativa e pulsante, muitas das inovações sociais não são transformadas em propostas partidárias.

O Brasil vive uma encruzilhada institucional e, neste momento, é importante unir todas as forças políticas para ajudar na preservação da democracia. Mas não podemos achar que uma negociação “suave com jeitinho brasileiro”, para que Bolsonaro contenha seus ímpetos autoritários, é o que vai nos salvar.

Enquanto a política brasileira continuar se parecendo a um jantar na casa do Naji Nahas, estaremos fritos. Precisamos melhorar a representação política, incluir mais mulheres e pretos nas tomadas de decisões, e isso só vai acontecer quando as barreiras à entrada na política diminuírem. Infelizmente, a reforma do código eleitoral que está sendo discutida no Congresso parece ir na direção contrária dessa agenda.

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