O Globo
Enquanto a política brasileira se parecer
com um jantar na casa de Naji Nahas, estaremos fritos
Em 2009 a revista inglesa The Economist
escreveu um artigo com o título Where
dinosaurs still roam: a victory for semi-feudalism (Onde os
dinossauros ainda perambulam: a vitória do semifeudalismo). O artigo não era
sobre um novo filme da série Jurassic Park ou sobre uma nova descoberta
arqueológica, e sim sobre a volta de José Sarney para presidir o Senado pela
terceira vez.
Sarney, que entrou para a política em 1955
e foi eleito governador do Maranhão em 1965, ajudou a derrotar a hegemonia
política maranhense imposta por Vitorino de Brito Freire nos anos 60 para criar
sua própria dinastia, que já dura mais de seis décadas.
O dinossauro continua solto e vagando por aí, influenciando os rumos da política local e nacional. Ele foi um dos participantes, esta semana, de um seminário realizado pelos partidos MDB, PSDB, DEM e Cidadania, com o título “Um Novo Rumo para o Brasil”. Lá, Sarney argumentou que precisamos usar a tradição brasileira de resolver os problemas com “jeitinho”, algo que ele vem fazendo há anos, transitando de membro da Arena e apoiador da ditadura militar a presidente da República e depois aliado, no Senado, do ex-presidente Lula.
Outro participante ilustre foi o
ex-presidente Michel Temer, o mesmo que se levantou dos mortos-vivos como um
zumbi para “salvar” a democracia brasileira atuando como intermediário entre o
presidente Jair Bolsonaro e membros do STF. Ele argumentou que a democracia
brasileira precisa “ter todos os partidos unificados para um mesmo pensamento
ou para uma mesma luta”.
Mas uma democracia ativa e saudável não se
faz de debate entre dinossauros. Tampouco depende do povo “gostar de votar”
como argumentou nesse seminário o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Uma
das grandes barreiras para o funcionamento saudável da democracia brasileira é
a falta de novas lideranças políticas que sejam formadas dentro dos partidos.
Quem prestou atenção nas eleições de 2018
deve estar se perguntando que história é essa de falta de novas lideranças, se
a Câmara dos Deputados teve uma renovação de 50%, e o Senado, de 85%. É
verdade, mas a entrada de novatos na política em 2018 não foi uma consequência de
menores barreiras à entrada nem de um esforço dos partidos políticos por formar
novas lideranças.
Foi uma consequência da onda
antiestablishment bolsonarista que elegeu, com algumas exceções, candidatos
conservadores e amantes da lei e da ordem. As barreiras estruturais que fazem
com que a renovação política brasileira seja difícil continuam intactas.
Infelizmente, o problema não é só da
direita. A entrevista que Lula deu recentemente a Mano Brown, no podcast Mano a
Mano, mostra claramente que o PT também patina em relação à descentralização de
poder, representação racial e formação de novas lideranças.
É claro que há exceções em alguns
partidos políticos novos e em algumas regiões do país, mas, em geral, as
barreiras à renovação continuam enormes. A falta de mulheres e pretos na lista
de políticos eleitos é uma consequência direta desse fenômeno.
Por que a renovação política de qualidade é
tão difícil no Brasil? Primeiro, porque nossas regras eleitorais incentivam os
partidos políticos a buscarem “puxadores de votos” sem nenhuma experiência
política. O ex-deputado Tiririca é um grande exemplo, mas esportistas,
personalidades da TV, bispos de igreja evangélica e coronéis da polícia cumprem
o mesmo papel.
Segundo, porque as estruturas
partidárias são extremamente hierárquicas e centralizadas. O cacique partidário
controla a distribuição dos recursos partidários e, com isso, determina quem
será competitivo na eleição. Por mais paradoxal que possa parecer, isso piorou
com a proibição de contribuições de campanhas por empresas, já que deixou o
fundo eleitoral na mão de poucos caciques com muito poder.
Terceiro, porque os partidos políticos
investem pouco na formação de novos líderes. Mesmo com uma sociedade civil
ativa e pulsante, muitas das inovações sociais não são transformadas em
propostas partidárias.
O Brasil vive uma encruzilhada
institucional e, neste momento, é importante unir todas as forças políticas
para ajudar na preservação da democracia. Mas não podemos achar que uma
negociação “suave com jeitinho brasileiro”, para que Bolsonaro contenha seus
ímpetos autoritários, é o que vai nos salvar.
Enquanto a política brasileira continuar se
parecendo a um jantar na casa do Naji Nahas, estaremos fritos. Precisamos
melhorar a representação política, incluir mais mulheres e pretos nas tomadas
de decisões, e isso só vai acontecer quando as barreiras à entrada na política
diminuírem. Infelizmente, a reforma do código eleitoral que está sendo
discutida no Congresso parece ir na direção contrária dessa agenda.
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