sábado, 18 de setembro de 2021

Sem consenso, oposição busca acordo por candidato único da terceira via

Representantes de partidos como PSDB, DEM, PSB, PDT e Podemos estabeleceram um primeiro esboço sobre a escolha de um de um nome do grupo

Laryssa Borges / Revista Veja  

Faz tempo que políticos, empresários e personalidades de diferentes áreas — como o apresentador Luciano Huck, o entrevistado desta edição nas Páginas Amarelas — tentam construir uma candidatura presidencial capaz de rivalizar com os favoritos Jair Bolsonaro e Lula. Até aqui, os esforços não surtiram efeito, e os nomes cotados para representar a terceira via patinam nas pesquisas, com intenções de voto que, na ampla maioria dos casos, não chegam à casa dos dois dígitos. Hoje, a situação pode ser resumida da seguinte forma: no discurso, todos querem uma candidatura como alternativa à polarização, mas na prática ninguém demonstra disposição de abrir mão de suas pretensões eleitorais em nome de um terceiro. Enquanto sobram postulantes ao Palácio do Planalto, falta consenso sobre quase tudo, inclusive sobre o critério que será adotado para definir quem representará a terceira via nas próximas eleições — se é que haverá consenso a respeito disso. Falta também o mais importante: o entusiasmo popular, como ficou claro no fracasso de público na manifestação realizada no último dia 12, convocada com o objetivo de arregimentar os eleitores que não pretendem votar nem em Bolsonaro nem em Lula.

Ciente das muitas dificuldades enfrentadas pela terceira via, representantes de partidos como PSDB, DEM, PSB, PDT e Podemos estabeleceram um primeiro esboço sobre como poderá ser a escolha do candidato do grupo a presidente. Eles definiram o mês de janeiro como prazo final para decidir sobre a viabilidade de uma candidatura capaz de romper a polarização entre Lula e Bolsonaro. Hoje, o petista tem cerca de 45% das intenções de voto, e o presidente, 25%. Ambos estão muito à frente dos demais concorrentes. Pelo esboço traçado, será ungido como concorrente da terceira via, no início do próximo ano, o nome mais bem colocado nas sondagens, desde que ele tenha dois dígitos na preferência do eleitorado. Abnegados, os demais presidenciáveis abririam mão de suas respectivas postulações em nome de um bem comum. Na teoria, pode até funcionar. Na prática, é difícil imaginar o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), de centro-es­querda, saindo de campo em benefício do ex-ministro Sergio Moro (sem partido), um exemplar da direita com passagem pelo governo Bolsonaro. Nas pesquisas, Ciro, Moro e o apresentador José Luiz Datena (PSL) são as únicas alternativas que registram cerca de 10% de intenções de voto.

 “O problema desse acordo é que ele é afiançado só na palavra”, disse a VEJA, sem esconder seu ceticismo, um dos parlamentares que participam das conversas sobre a terceira via. Há outros problemas bem mais complicados. Dentro dos próprios partidos, a ideia de apresentação de uma candidatura presidencial própria enfrenta resistências. Com Lula e Bolsonaro consolidados como favoritos, considerado o cenário atual, integrantes de boa parte das legendas defendem a tese de que o melhor a fazer é concentrar as energias e principalmente os recursos do fundo partidário e do fundo eleitoral nas campanhas para deputado federal. O motivo é simples: quanto maior a bancada de um partido na Câmara, mais verba pública ele recebe — e mais força tem para negociar com o presidente da República eleito. Até no PSDB, que governou o país por oito anos, há vozes contrárias à candidatura presidencial, como a do deputado e ex-candidato ao Planalto Aécio Neves. Nas siglas do chamado Centrão, ninguém quer saber disso. Líderes de legendas como o MDB até conversam sobre a terceira via, mas, a preço de hoje, não empenham um tostão naquilo que acreditam que dificilmente sairá do papel.

O Democratas, por exemplo, tem planos de anunciar o projeto de fusão com o PSL em uma reunião marcada para o próximo dia 21. Ato contínuo, pretende rifar seu atual pré-candidato à Presidência, Luiz Henrique Mandetta, estacionado nas pesquisas na casa do 1%. Se isso ocorrer, a nova sigla pode optar por dois caminhos: concentrar-se nas eleições nos estados ou procurar um outro nome capaz de atrair os eleitores que rejeitam tanto Lula quanto Bolsonaro. As armas para se apresentar como hospedeira do candidato de terceira via a futura sigla resultante da fusão entre DEM e PSL já tem: ela se tornará a maior força de direita do país no momento em que boa parte dos eleitores que votaram em Jair Bolsonaro em 2018 se sente órfã. O novo partido também terá a maior bancada na Câmara, com mais de oitenta parlamentares, os governadores de Goiás, Mato Grosso e Tocantins e a maior fatia do fundo partidário, com mais de 150 milhões de reais por ano. “Com a fusão passaremos a ter bons problemas: maior influência no Congresso, um fundo eleitoral considerável e um grande tempo de televisão para a campanha do ano que vem”, diz o deputado Elmar Nascimento (DEM-­BA). A tendência hoje é que todos esses ativos sejam usados preferencialmente na eleição de uma bancada ainda maior de deputados federais.

Na centro-esquerda, o PSB, por exemplo, não tem um candidato natural ao Planalto. Entre seus quadros, há quem apoie Lula, Ciro e até cogite um nome de centro. Os socialistas participam da negociação sobre a terceira via, mas na banca de apostas é dado como barbada que, na hora decisiva, o partido aderirá a Lula. “A prioridade número 1 agora tem de ser derrotar Jair Bolsonaro”, avalia o presidente do PSB, Carlos Siqueira. O PDT tampouco pretende deixar a campanha de lado em benefício de uma confluência de desígnios de outros partidos. “Alguém imagina o Doria renunciando à candidatura em benefício do Ciro Gomes? Ou o Ciro anunciando voto no Doria?”, disse a VEJA um dos políticos que articulam o pacto pela candidatura alternativa. Ciro e Doria participaram das manifestações de rua no último dia 12. O governador, antes de buscar acordos com outras legendas, terá de vencer as prévias internas dos tucanos, marcadas para novembro e que podem ter mais três participantes. Entre eles, o governador gaúcho Eduardo Leite e o senador Tasso Jereissati. “A candidatura própria do PSDB é um fato e quem busca um suposto consenso de um candidato único é quem não consegue ter seu próprio candidato”, afirma o tucano Antonio Imbassahy, um dos estrategistas da candidatura de Doria à Presidência. “O movimento de privilegiar a formação de bancadas também foi isolado”, acrescenta ele.

No Podemos, que pretende abrigar uma eventual candidatura de Sergio Moro, o gargalo é de outra natureza. Embora cortejado há meses, o ex-juiz ainda não anunciou se pretende concorrer no ano que vem. Morando nos Estados Unidos, ele desembarca no Brasil na quinta 23 e será pressionado a dar a resposta definitiva sobre sua candidatura em uma reunião, em Brasília, em 30 de setembro. Nos últimos dias, Moro recebeu duas pesquisas de intenção de votos que medem sua viabilidade tanto como candidato ao Planalto quanto a outros postos eletivos, como senador pelo estado de São Paulo. Em uma delas, circunscrita a eleitores paulistas, ele aparece empatado com Ciro na terceira posição, com 9% das intenções de voto para o Executivo federal, e lidera a corrida pelo Senado, com 17%, à frente de concorrentes como José Luiz Datena (PSL), Eduardo Suplicy (PT) e Janaina Paschoal (PSL). “Parece que não tem meio-termo para uma candidatura, mas tem. O nem-nem ganha tanto do Lula quanto do Bolsonaro, mas eles estão silenciados. Quem faz barulho são os eleitores do PT e do presidente”, avalia a deputada Renata Abreu, presidente da legenda.

Divulgada no fim de agosto, uma pesquisa da Quaest Consultoria mostrou que 45% dos entrevistados preferem uma vitória de Lula e 23%, a de Bolsonaro, mas 25% não querem nem um nem outro. Ou seja: em tese, um candidato alternativo tem chances de chegar ao segundo turno, tirando a vaga de Bolsonaro. Como ninguém até agora conseguiu chamar a atenção do eleitorado, continuam a aparecer nomes dispostos a participar da disputa. O PSD cogita filiar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, conhecido pela moderação e pela cantilena a favor da união entre os poderes, para que ele represente a legenda na corrida presidencial. Com atuação destacada na CPI da Pandemia, os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Simone Tebet (MDB-MS) também se lançaram no jogo. Todos os três são desconhecidos e têm baixa rejeição, o que daria a eles potencial para crescer nas pesquisas. Hoje, no entanto, estão na lanterna das intenções de voto. A pouco mais de um ano da eleição, a terceira via, por enquanto, só existe na cabeça de quem torce por ela.

Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2021, edição nº 2756

 

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