O Globo
Vice-presidente tem a confiança dos
militares e está pronto para assumir o país e disposto a fazer os acordos
necessários, desde que legítimos, legais e transparentes
O vice-presidente Hamilton
Mourão aprendeu muito nesses últimos dois anos e meio. Circulou entre os
grandes da Câmara e do Senado, recebeu e visitou presidentes e ministros de
todos os tribunais superiores, fez algumas parcerias na Esplanada dos
Ministérios. Envernizou de política seu perfil militar. Mesmo assim, apesar do
intensivão, ainda está anos-luz de distância de seu antecessor no cargo, o
ex-presidente, ex-vice e ex-deputado Michel Temer. Se tivesse metade da
ardileza de Temer, Mourão hoje estaria ocupando o principal gabinete do
terceiro andar do Palácio do Planalto.
Por crime menor do que os
cometidos por Jair Bolsonaro, Michel Temer ajudou a construir o impeachment de
Dilma Rousseff e herdou mais da metade do seu segundo mandato. A falta de
habilidade de Mourão não facilita movimentos no Congresso em favor de um
impeachment. Faz parte da regra do jogo saber exatamente com o que vai se
contar após o afastamento de um titular do cargo. Foi assim com Temer, todos
sabiam o que viria. Foi assim com Itamar Franco, com menos certezas, no impedimento
de Fernando Collor.
Mas, o vice aprende rápido. É um homem inteligente, pelo menos 23 vezes mais inteligente do que Bolsonaro, e aos poucos vai se articulando. Ele tem conversado reservadamente com empresários, com políticos, com jornalistas, com estrategistas e analistas políticos. Ele ouve mais do que fala nessas incursões que em última análise podem levá-lo do anexo ao prédio principal do Palácio. Mas não deixa de dar seus recados. Quando chamado a falar, mostra que bobo não é. Tergiversa e, eventualmente, tenta mostrar lealdade ao presidente, apesar de este já o ter rifado publicamente.
“Não há clima para
impeachment”, disse o vice no dia 7 de setembro, torcendo para o titular do
cargo pisar mais uma vez nas dezenas de cascas de banana que ele próprio, o
presidente, vai jogando no caminho por onde passa. O que acabou ocorrendo,
claro. Mas, oficialmente, é assim que se deve agir. O exemplo de Temer é
clássico. Nem mesmo quando viu o Palácio torpedear e fazer pouco caso do seu
projeto “Ponte para o Futuro”', que pretendia ser a salvação do governo Dilma,
deu sinais de desconforto. Afinal, como bom cabrito, ele sabia que nessas horas
não se pode berrar.
Mourão tampouco pisa
em calos alheios, mesmo nos dos políticos menos relevantes do Rio, onde tem sua
base eleitoral e para onde deverá voltar se Bolsonaro conseguir terminar o seu
mandato. Ele já sabe que não será candidato na chapa do presidente para a
reeleição. Terá, então, de buscar um mandato se quiser continuar na política.
Apesar de ser bem avaliado no Rio e ter pesquisas indicando que bateria
facilmente o atual mandatário fluminense numa eleição para o governo estadual,
se recusa a afirmar que quer a vaga. Mostrar humildade também foi outra lição
que o general aprendeu bem depressa.
O problema para Bolsonaro
é que não ter a astúcia de Temer pode ajudar Mourão num outro flanco importante
no governo, o militar. Generais não gostam de malandragem, têm certa
implicância com políticos e, erroneamente, julgam que todos estão aí
exclusivamente para se dar bem. O governo Bolsonaro já deveria ter sepultado
esta impressão, uma vez que a gestão de militares mostraram que a capacidade de
fazer estrago não é exclusividade dos políticos. Mesmo assim, eles ficariam
mais confortáveis com Hamilton Mourão no comando do que, suponhamos, com
Janaína Paschoal. Aliás, o erro de Bolsonaro foi não ter insistido com Janaína
Paschoal. Maluquete por maluquete, melhor ficar com o que já se conhece.
O fato é que Mourão
está pronto para assumir o país e disposto a fazer os acordos necessários,
desde que legítimos, legais e transparentes, para atender as demandas de
deputados e senadores. Ele entende que estes são representantes legítimos do
povo e como tal devem ser tratados. Suas reivindicações, sendo honestas,
atendem anseios populares. O vice está a postos, só falta informar a todos de
maneira mais clara, mesmo que no escurinho dos bastidores, que o caminho pode
desaguar nele tranquilamente. E ser ouvido.
O que ainda falta?
Associadas, as três grandes notícias da
quinta-feira mostram que não falta mais nada para um pedido de impeachment do
presidente Bolsonaro avançar no Congresso. A primeira reitera o caráter maléfico do presidente. Torpedear
a vacinação de adolescentes, indo contra todas as orientações científicas,
incluídas as da OMS e da Anvisa, é criminoso. A segunda, aumentar o IOF para
turbinar o Bolsa Família, deteriora mais o apoio já minoritário que tem entre
empresários. Depois, as novas pesquisas Datafolha provam que há clima para
encaminhar o processo de afastamento. Sua popularidade caiu depois do Sete de
Setembro, e 53% dos brasileiros julgam seu governo ruim ou péssimo. Na enquete
eleitoral, Bolsonaro perde para todos os seus concorrentes no segundo turno.
Somente Arthur Lira não vê.
Temer vem aí
Aliás, é melhor Arthur Lira ficar esperto. O
ex-presidente Michel Temer pode muito bem concorrer e ganhar uma vaga na Câmara
dos Deputados. E, neste caso, terá estatura, simpatia e voto na casa para
ocupar o cargo que Lira gostaria de manter.
Estátua de comitês
Foi David Ogilvy, um dos maiores
publicitários de todos os tempos, que produziu a frase: “Procure em todos os
parques da sua cidade, você não vai encontrar nenhuma estátua de comitês”. Nos
tempos brasileiros atuais, seria mais ou menos como erigir um monumento para a
frente que se quer desenhar para construir a terceira via. Frentes não
lideram, quem
mobiliza são pessoas, estas que ficam para a história. Foi
assim nos grandes momentos da humanidade, de Jesus Cristo a Mao Tsé-Tung. Por
isso também fracassou a manifestação anti-Bolsonaro do dia 12. Muitas
lideranças, nenhuma liderança.
Armas
Jair Bolsonaro pode ser novamente derrotado
no Supremo Tribunal Federal, agora na questão da legalidade dos decretos que
ampliam a venda e o porte de armas e aumentam os limites para a aquisição de
munição. O problema é que esta será sobre projeto de governo do presidente, que
foi eleito tendo esta como uma das suas principais plataformas. Será mais do
que uma derrota, será uma humilhação.
O PT tinha razão
Você pode dizer que o PT se escondeu quando
sua presença era mais importante, que a sua ausência esvaziou as manifestações
do dia 12, que o partido não quer o impeachment de Bolsonaro porque sem ele a
eleição de 2022 fica muito complicada para o Lula. Você pode dizer também que a
hora era de união nacional, que depois do Sete de Setembro todos deveriam ir às ruas contra o golpista, que
o PT é sectário e troca uma aliança nacional contra um dos maiores perigos
nacionais por um projeto eleitoral. Você certamente terá razão em quase todas
as suas afirmações, mas uma coisa você não pode negar: não dava para o PT subir
em palanque adornado com a faixa “Nem Bolsonaro, nem Lula”. Não era possível
imaginar Lula de mãos dadas com Kim Kataguiri com o pixuleco atrás. O PT nem
sempre tem razão, mas nesse caso tinha.
Base ideológica
A turma mais radical que apoia
incondicionalmente o presidente Jair Bolsonaro não se interessa por questões
programáticas, se lixa para a velocidade com que caminha a economia e pouco se
importa com vacinação ou auxílio emergencial. Ela já provou que não esta nem aí
para o Brasil. Seu único e obcecado objetivo é ver o mito tomar o poder, fechar
o Supremo e o Congresso, governar
por decreto e baixar a porrada. Se perguntarem a um dos
seus membros para que quer o poder, ele não vai saber responder. Vai dizer que
é para acabar com a roubalheira, ou o comunismo, ou ambos. Mas então, peça-lhe
um caminho, um projeto. Você nada ouvirá.
Maria oi João?
Uma querida leitora escreveu para
recomendar que eu não use mais a expressão “maria-vai-com-as-outras”, que
empreguei na semana passada para identificar os apoiadores de Bolsonaro que
seguem a boiada sem entender bem por que razão. Sugeriu que usasse “joão-vai-com-os-outros,” para
não ser sexista e não ofender as mulheres, já que usei o termo “abjetas” para
definir aquelas “marias”'. Como não era esta a minha intenção, achei
conveniente publicar esta nota. Poderia dar uma de “joão-sem-braço”, mas aí
estaria errando outra vez.
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