Folha de S. Paulo
Sucessão de Merkel mostra caminhos para
democracias liberais acometidas pela ascensão da extrema direita
Terminou
a campanha eleitoral na Alemanha e, pela primeira vez, o partido que
sair na frente terá de encontrar pelo menos dois outros aliados para formar o
governo. O processo de formação de um novo governo deve se prolongar por alguns
meses, mas um cenário de impasse a longo prazo, como nas vizinhas Holanda
e Bélgica,
parece descartado.
A popularidade de Olaf Scholz, apontado em todas as sondagens como o mais preparado para assumir o cargo, assim como o desejo de alternância depois de 16 anos de governo CDU, confere um ascendente à SPD nas negociações com potenciais aliados. O resultado do pleito também traz ensinamentos para todas as democracias liberais acometidas pela ascensão da extrema direita.
A primeira é a resiliência da
centro-esquerda. A SPD defendeu o programa mais progressista das últimas
décadas, mas apresentou um candidato sóbrio e pragmático, que foi
vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças nos últimos anos.
A pandemia, que
muitos esperavam ser um prato
cheio para os populistas, acabou reforçando as credenciais dos candidatos
versados na administração do Estado. Dada como morta depois da debacle
do Partido Socialista francês em 2017, a centro-esquerda está voltando a
contar na Europa, com governos da Península
Ibérica à Escandinávia,
passando agora, provavelmente, pela Alemanha.
A segunda é a dificuldade da direita
tradicional diante da emergência da extrema direita. A toda-poderosa CDU não
conseguiu recuperar o eleitorado
perdido para a AfD,
que se manteve acima dos 10% e consolidou sua presença em nível regional.
Exceção feita ao Reino Unido, onde Boris Johnson conseguiu federar as
direitas em
torno do brexit, o campo
conservador parece irremediavelmente dividido nas democracias liberais.
Muito se fala do drama da renovação da
esquerda, mas a origem da crise de governabilidade europeia tem sua origem no
outro lado do espectro ideológico.
A terceira dinâmica é a emergência da crise
climática como tema de campanha. De acordo com todos os cenários, os Verdes
devem se afirmar como a terceira maior força política e regressar ao governo,
depois da experiência bem-sucedida dos anos 1998-2005 liderada pelo lendário
Joschka Fischer,
àquela altura ministro das Relações Exteriores.
Vencedor destacado na população abaixo de
50 anos, o partido está bem posicionado para encabeçar o governo nos próximos
dez anos.
Para o Brasil especificamente, o surgimento da SPD e dos Verdes deve reforçar o
ativismo internacional nas questões
democráticas e ambientais da Alemanha, sempre muito contida nos tempos de
Merkel.
Martin Schultz, um dos principais quadros
da SPD e forte candidato a assumir uma pasta ministerial em uma eventual
coalizão liderada pelo partido, foi até Curitiba para encontrar o ex-presidente
Lula na cadeia. Quanto aos delinquentes
neonazistas que Bolsonaro recebeu no Alvorada, eles continuarão sendo
irrelevantes no futuro Parlamento.
Esses pequenos sinais também devem ser
levados em conta na hora de especular sobre a reação da comunidade
internacional em caso de contestação do resultado das presidenciais brasileiras
em 2022.
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