O Globo
O jornal alemão Frankfurter Allgemeine
disse que o Brasil mostrou o dedo para o mundo.
Era uma alusão à posição negacionista de
Bolsonaro, que não apenas recusa a vacina, como quebrou o código de honra da
ONU, que esperava um encontro de imunizados. Na verdade, a manchete era uma
síntese da atitude de Bolsonaro com a do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga,
que mostrou o dedo para manifestantes contrários ao governo.
A primeira coisa que me ocorreu é que
durante muito tempo falamos do brasileiro como um homem cordial. É uma visão
idealizada. No entanto jamais poderíamos suspeitar que uma delegação brasileira
“mostrasse o dedo para o mundo na ONU”e que isso se transformasse na manchete
de um dos principais jornais alemães.
Quando Bolsonaro defendeu a hidroxicloroquina, dizendo que a História e a ciência fariam justiça ao tratamento precoce da Covid-19, lembrei-me de seu esforço no Congresso para aprovar uma pílula contra o câncer, desenvolvida por um pesquisador de São Paulo. Bolsonaro tinha pela fosfoetanolamina a mesma empolgação e é incapaz de se perguntar hoje para quem a ciência e a História deram razão.
Tenho a impressão de que sua confiança na
cura mágica cresce com a complexidade do nome do remédio. Certamente se
interessou pela proxalutamida.
Dois dias depois do espetáculo de realidade
paralela que ofereceu na ONU, Bolsonaro aparece com seis dedos na mão, numa
imagem em suas redes sociais. Realmente, falam com os dedos, e essa linguagem
foi bem captada dentro da van que levava Marcelo Queiroga. Ele mostrou o dedo
médio, numa escolha claramente pornográfica. O chanceler Carlos Alberto França,
diplomaticamente, optou pelos dois dedos que simulam uma arma, símbolo
permanente do bolsonarismo.
Os seis dedos de Bolsonaro afirmam apenas
como ele é mentiroso. Os dedos de Queiroga e do chanceler apontam para a
essência da proposta bolsonarista: vulgaridade e violência.
Mas há algo que talvez os jornais
estrangeiros não tenham captado. Embora Bolsonaro tenha sido eleito com a
maioria dos votos, hoje seu governo é rejeitado por quase 70% da população.
Bolsonaro se orgulha de não ser vacinado.
No entanto o Brasil, segundo algumas pesquisas, é o país com mais adesão
popular à vacina.
Não vou cair na tentação de reafirmar pura
e simplesmente a tese do homem cordial, mas o Brasil, na realidade, não pode
ser confundido com o governo. A maioria dos brasileiros, longe de mostrar o
dedo para o mundo, estende a mão para a humanidade. Sempre fomos um país solar,
e alguns estrangeiros, cativados pela alegria de nossas festas populares,
achavam até que a felicidade era um fator associado ao Brasil.
Certamente esgotaria meu espaço discorrer
sobre as causas dessa transformação ou mesmo descrever como se gestou o ovo
dessa serpente.
O impacto da passagem de Bolsonaro pela ONU
me fez lembrar Peter Sellers no filme “Dr. Strangelove”. Bolsonaro falava de
vacina, mas uma espécie de força estranha o levava a defender tratamento
precoce e a combater passaportes sanitários. Havia um discurso feito para ele,
e o braço rebelde que se levantava contra o consenso mundial, o pária que
precisa comer pizza no passeio porque não pode entrar no restaurante.
Peter Sellers intepretava um personagem no
filme de Stanley Kubrick com essa força contraditória em suas atitudes. De vez
em quando, perdia o controle do braço e fazia uma saudação nazista. Se me
lembro bem, em determinado momento, ele se levanta da cadeira de rodas e diz:
“Mein Führer, posso andar”.
Não quero dizer com isso que Bolsonaro seja
nazista. Seria banalizar uma grande tragédia da humanidade.
Seu novo espasmo numa entrevista a
extremistas de direita da Alemanha:
—Algumas pessoas com Covid tinham
comorbidade. Morreriam de qualquer jeito, dias ou semanas depois.
Mein Führer, consigo andar.
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