O Globo
Na noite em que o cabo Queiroga baixou à
enfermaria com Covid-19, uma frase de Honoré de Balzac por certo definiria o
personagem bozofrênico:
— Quanto mais infame é a sua vida, mais o
homem se importa com ela; ela se torna então um protesto, uma vingança de todos
os instantes.
Queiroga (ele lembra o Sargento Garcia, do
Zorro, o zonzo da história) acabara de ouvir na ONU o discurso histórico de seu
capataz e, mesmo sendo um sabujo, notório escova-botas, deve ter ficado pasmado
com aquela escandalosa ausência de coordenação verbal, mental e higiênica:
— Eu mesmo foi (sic) um desses que fez
(sic) o tratamento inicial — leu o Bozo no teleprompter.
Ao que parece, tal trecho de defesa do tratamento precoce acabou inserido no discurso por seu filho, alcunhado Eduardo Bananinha, em aceno à base bozonazista (estimada em 11% do eleitorado). Evidencia-se aí um padrão de comando bastante rígido, qual seja, o Bozo só se cerca de gente mentalmente inferior ao seu nível.
De volta de sua pizza na calçada, talvez
com sintomas, o aduloso Queiroga pôde assistir no hotel à entrevista de Eduardo
Bananinha ao apresentador trumpista Tucker Carlson, quando acusou Bill de
Blasio de ser “marxista”. E disse mais: o prefeito de Nova York seria ainda um
seguidor de Antonio Gramsci. Até Tucker ficou chocado. Não por amar De Blasio,
mas pela dificuldade de seu entrevistado pronunciar o sobrenome do pensador
italiano: Gramsci soou como Grant’s (o uísque, R$ 59,90 no Magalu). Sem dizer
que Bananinha não sabe diferenciar um Groucho de um Karl.
O bajoulo Queiroga também não sabe, como
também desconhece a ética médica e a cerimônia do cargo. Não se imagina um
cavalheiro como Adib Jatene usando o dedo do meio para xingar adversários. Mas
se pode imaginar o baba-ovo com o dedo no nariz.
Ainda antes de transformar o general
Augusto Heleno no Zangado da Branca de Neve, o bozonarismo tingiu os cabelos de
Carla Zambelli e ainda deturpou a honrada profissão médica. De repente, com
apoio parvo do Conselho Federal de Medicina, o médico passou a ser alguém de
quem se deve suspeitar até prova em contrário. Antes de marcar a consulta, não
se perguntará mais a faculdade onde o profissional fez seu curso. Mas
secretária terá de ouvir seguidamente:
— O doutor é bozonarista? Acredita na Terra
plana? (Se for, cuidado: o paciente pode sair de lá com a aparência do Zé
Trovão.)
Pena que Augusto Heleno não presenteie seus
colegas de ministério com livros. Poderia oferecer a leitura do novo Julian
Barnes, “O homem do casaco vermelho”. É a história deliciosa de Samuel Pozzi,
considerado o pai da ginecologia francesa, um herói da medicina e um dândi na
Paris da Belle Époque. Amante de Sarah Bernhardt, possível inspirador do Dr.
Cottard de “Em busca do tempo perdido”, de Proust, e um cirurgião inovador em
suturas nas regiões baixas, Pozzi passou seus 71 anos conquistando lindas
mulheres e inovando na medicina e no financiamento de hospitais públicos. Com
seu prestígio, inspirado por colegas americanos, recolheu doações de
aristocratas franceses para a construção de centros de excelência.
Pozzi — isso soa estranho nestes tempos de
medicina bozonazista —, como cirurgião e diretor de hospitais, alertava sobre a
necessidade da assepsia antes, durante e após as operações. Mais de cem anos
depois, o Bozo se recusa a usar máscara e defende a imunidade de rebanho.
Interessado em antropologia e neurologia,
Pozzi traduziu para o francês “A expressão das emoções no homem e nos animais”,
de Charles Darwin. Malafaia precisa ler esse livro.
Os escritos de Pozzi sobre métodos
antissépticos, baseados em conversas com Lister, levaram seus colegas a salvar
milhares de soldados durante a Primeira Guerra Mundial.
Sarah Bernhardt, cuja perna esquerda foi
amputada após uma queda no palco (operação instruída à distância por Pozzi), o
chamava carinhosamente de Dieu Pozzi.
Para décadas depois, o doutor Queiroga ser
chamado apenas de capacho.
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