EDITORIAIS
Legislação eleitoral à la carte
O Estado de S. Paulo
Uma média de sete projetos de alteração da lei eleitoral por ano nada tem de razoável. Revela que as mudanças são um debate permanente
De 2010 a 2021, a Câmara dos Deputados aprovou nada menos do que 76 projetos que alteraram a legislação eleitoral do País, o que representa uma média de sete projetos aprovados por ano. O levantamento foi feito pelo Instituto Millenium, em parceria com a Neocortex, com base em dados da própria Casa. O mais recente desses projetos, que recebeu aval de 378 deputados há poucos dias e seguiu para o Senado, institui o novo Código Eleitoral, um calhamaço de quase 900 artigos que altera de uma só vez desde os critérios para uso dos recursos do Fundo Partidário, que se tornam bem mais flexíveis, até as regras para divulgação de pesquisas de intenção de voto, que beiram a censura e abrem perigoso espaço para disseminação de mentiras às vésperas das eleições (ver editorial A afoiteza da Câmara, publicado em 12/9/2021). Trata-se da mais profunda e perigosa alteração da legislação eleitoral e partidária em muito tempo.
Ao longo desses 11 anos, não houve
rigorosamente nada que justificasse uma produção legislativa tão prolífica em
matéria partidária e eleitoral. Se é verdade que, sob muitos aspectos, o Brasil
mudou de 2010 para cá, no que concerne ao processo eleitoral e ao funcionamento
dos partidos políticos não houve alterações tão significativas a ponto de
ensejar essa profusão de projetos como aponta o Instituto Millenium. É lícito
inferir, portanto, que as mudanças têm a ver com uma espécie de ajuste periódico
da legislação eleitoral aos interesses dos parlamentares de turno. Não sem
razão, o relatório do Instituto Millenium classifica as mudanças das regras do
jogo eleitoral como uma “obsessão” dos parlamentares, sempre ávidos por aprovar
projetos que, ao fim e ao cabo, representem o aumento do grau de segurança na
reeleição e na manutenção de poder.
Naturalmente, mudanças pontuais em um ou
outro dispositivo da legislação eleitoral seriam razoáveis com o passar dos
anos. Mas não é disso que se trata. Uma média de sete projetos de alteração da
lei eleitoral por ano nada tem de razoável. O que o levantamento revela é que
as mudanças na legislação sobre partidos e eleições são um debate permanente
para os parlamentares.
Em que pese a grande quantidade de projetos
aprovados pelos deputados com a finalidade de alterar a legislação eleitoral
desde 2010 (76), o número representa bem menos do que o total de propostas
apresentadas na Câmara nesses 11 anos. Segundo o levantamento do Instituto
Millenium, foram 2.243 projetos apresentados no período, pouco mais de 200 por
ano. Ou seja, o desejo dos deputados de mudar as regras do jogo eleitoral é
muito maior do que a capacidade da Câmara de absorver seus projetos. Metade das
proposições foi para o arquivo, foi devolvida ao autor para ajuste ou ainda
aguarda a indicação de um relator ou parecer para ser levada ao plenário.
“O período democrático acentua de forma
significativa os debates sobre as reformas políticas”, disse ao Estado o cientista de
dados Wagner Vargas, da Neocortex. O problema é quando essas reformas visam
apenas à criação de condições que facilitem a manutenção do poder dos
parlamentares, ampliem o acesso a recursos públicos e, consequentemente,
aumentem suas chances de manutenção de poder, sem representar melhora na
qualidade da representação política ou na funcionalidade do sistema
político-eleitoral como um todo.
O Congresso já mostrou ao País que é capaz
de aprovar projetos de reforma política que se coadunam perfeitamente com o
melhor interesse público. O fim das coligações partidárias em eleições
proporcionais, que distorcem a vontade dos eleitores, e a instituição de uma
cláusula de barreira que, ao longo do tempo, diminua a quantidade de partidos
políticos com representação no Congresso, são dois exemplos luminares. O
curioso é que tanto um como outro avanço na legislação eleitoral agora estão
sob ameaça de retrocesso por não serem do interesse da atual legislatura. O
País só perde com esse reformismo por espasmos, ao sabor dos interesses de
ocasião.
Ambiente: só discurso não basta
O Estado de S. Paulo
No Congresso, maioria reconhece relevância da agenda ambiental, mas isso não leva a ação
Quase a totalidade dos parlamentares
brasileiros demonstra interesse nos temas relacionados ao meio ambiente e
admite preocupação com os efeitos das mudanças no clima. Essa é a boa notícia.
A má é que a consciência de deputados e senadores sobre a gravidade da crise
climática – o mais premente desafio global do século 21 – não se traduz em
ações concretas no âmbito do Poder Legislativo. Na prática, é como se os
congressistas reconhecessem que a agenda ambiental tem importância capital,
sendo justificável que todo o mundo civilizado esteja debruçado sobre o
assunto, sem, no entanto, colocá-la no topo das prioridades legislativas.
Esse descolamento entre consciência e ação
foi revelado pela recém-publicada pesquisa A agenda do clima no Congresso Nacional, feita pela
Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), em parceria com a Fundação
Getulio Vargas (FGV) e o Instituto Clima e Sociedade (ICS). O levantamento,
realizado entre fevereiro e maio deste ano, é resultado de entrevistas com 114
deputados, 17 senadores e 28 assessores parlamentares que representam a opinião
de congressistas. A Raps contatou 556 parlamentares no total (487 deputados e
69 senadores), mas nem todos quiseram ou puderam responder aos questionamentos.
O período de entrevistas coincidiu com a fase mais dramática da pandemia de
covid-19 no País.
A pesquisa concluiu que a esmagadora
maioria dos entrevistados reconhece a relevância da crise climática (94%) e não
vê qualquer incompatibilidade entre políticas públicas que visam ao crescimento
econômico e à preservação do meio ambiente (98%). Não obstante, a percepção de
que o Brasil e o mundo vivem uma emergência climática não tem levado a ações
legislativas mais incisivas. A bem da verdade, a legislação ambiental
brasileira já é muito boa, tida em todo o mundo como paradigmática. Talvez mais
importante do que novos marcos legislativos seja uma ação mais determinante do
Congresso na cobrança de ações de proteção ambiental pelo Executivo a fim de fazer
valer o que a legislação já prevê. Para 89% dos parlamentares entrevistados, “o
governo federal precisa fiscalizar mais o desmatamento na Amazônia e no
Pantanal”.
Embora a pesquisa não tenha sido
direcionada a partir de vinculações de natureza político-ideológica, foi
possível identificar diferentes gradações de interesse e percepção do problema
entre parlamentares da oposição e os que compõem a base de apoio do presidente
Jair Bolsonaro. As mudanças climáticas são um problema “muito sério” para 86%
dos parlamentares que se opõem ao atual governo. O índice cai para 52% entre os
apoiadores de Bolsonaro. Essa expressiva queda de 34 pontos porcentuais se
justifica. O presidente da República é reconhecidamente um inimigo do meio
ambiente e da ciência. Sob Bolsonaro, o País registra recorde após recorde de
queimadas e desmatamentos ilegais. O Brasil é o 5.º maior emissor de gases de
efeito estufa do mundo e, sozinho, o desmatamento corresponde a 94% dessas
emissões – 87% dos focos concentrados na Região Amazônica. Um problema
gravíssimo, comprovado por dados científicos aferidos por instituições
insuspeitas, que é tido por Bolsonaro como uma “conspiração internacional
esquerdista”, ou algo que o valha.
O descaso do governo Bolsonaro pela agenda
ambiental fez o País sair da condição de interlocutor fundamental em qualquer
fórum internacional sobre questões relativas ao meio ambiente para se tornar
pária internacional. Quando não há qualquer esperança de que o Executivo vá
alternar sua política irresponsável para o meio ambiente, tanto mais necessária
se torna a ação do Legislativo. “Nós conhecemos a gravidade do que estamos
vivendo, mas o Parlamento não está lidando com o problema como deveria”, disse
Mônica Sodré, diretora executiva da Raps.
A pesquisa é uma valiosa contribuição de
seus realizadores para que a sociedade conheça melhor a visão de seus
representantes sobre temas ligados ao meio ambiente e sobre a gravidade do
problema das mudanças climáticas. Esse é um problema de todos, que, para ser
bem enfrentado, demanda dos políticos mais do que discursos e boas intenções. É
necessário agir, e rápido.
A desnecessária criação de mais um TRF
O Estado de S. Paulo
Juízes pressionaram o Legislativo a aprovar PEC carente de fundamentação técnica
A toque de caixa, o Senado aprovou a criação
de um novo Tribunal Regional Federal (TRF), para atender basicamente o Estado
de Minas Gerais. Com isso, a segunda instância da Justiça Federal passa de
cinco para seis tribunais. Como o projeto já foi aprovado em agosto pela
Câmara, ele só depende de sanção do presidente da República. Atualmente, a
Justiça Federal mineira está vinculada ao Tribunal Regional Federal da 1.ª
Região, sediado no Distrito Federal.
A polêmica em torno da criação do TRF-6 não
é nova. Ela começou em 2001, quando um grupo de senadores apresentou uma
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para aumentar o número de TRFs. Como
carecia de fundamentação técnica, a PEC sofreu forte oposição do Supremo
Tribunal Federal (STF), cujos ministros consideravam desnecessárias novas
cortes de segunda instância para a Justiça Federal. A PEC também foi
questionada pela Associação Nacional dos Procuradores Federais, tendo sido
acolhida em caráter liminar pelo presidente do STF na época, ministro Joaquim
Barbosa. Além disso, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
considerou irrealistas os valores previstos para o custeio de novos TRFs e
afirmou que só a criação de um deles já exigiria um significativo aumento no
orçamento da Justiça Federal, num período de crise fiscal.
Como o caso até hoje não foi julgado pelo
plenário do STF, magistrados e políticos de Minas Gerais lançaram uma nova
ofensiva. Há dois anos, o líder oficioso do grupo, ministro João Otávio de
Noronha, que também é mineiro, valeu-se de suas prerrogativas como presidente
do Superior Tribunal de Justiça e enviou para a Câmara o Projeto de Lei 5.919,
que passou a tramitar em regime de urgência, sob a justificativa de que a
criação do TRF-6 é “matéria de inadiável interesse nacional”.
Ao justificar sua pretensão, políticos e
juízes mineiros afirmaram que a nova corte é “essencial” para Minas Gerais,
pois o Estado responde por 30% dos processos que tramitam no TRF-1.Também
alegaram que o TRF-6 não aumentará as despesas no Orçamento da União, uma vez
que a Justiça Federal remanejará recursos dos demais cinco TRFs para financiar
a instalação na nova corte. E lembraram, ainda, que não haverá necessidade de
criação de novos cargos de servidores, pois a nova corte contará com o
remanejamento de servidores do TRF-1.
Esses argumentos, porém, não são
convincentes. Por um lado, economistas especializados em finanças públicas
afirmam que, em plena pandemia, não faz sentido recolocar açodadamente na ordem
do dia um projeto de lei que, além de não ser prioritário, também é – a exemplo
da PEC – desprovido de fundamentos técnicos. Também lembram que, se o
presidente da República não vetar o Projeto de Lei 5.919, políticos e
magistrados de outros Estados seguirão a trilha aberta por seus colegas
mineiros. Basta ver que, durante a votação desse projeto, as bancadas da Bahia
e de Sergipe tentaram, por meio de uma emenda ao Projeto de Lei 5.919,
acrescentar a criação de um TRF-7, com jurisdição nesses dois Estados.
Por outro lado, juristas afirmam que a
criação de mais uma corte de segunda instância na Justiça Federal é um
retrocesso, pois colide com o espírito da Emenda Constitucional (EC) n.º 45.
Essa emenda promoveu a reforma do Judiciário brasileiro que, apesar de consumir
2% do PIB, cerca de quatro vezes mais do que a média dos países da OCDE, sempre
teve um desempenho pífio. Entre outras inovações, a EC 45 criou medidas
processuais para encerrar os conflitos de massa ainda na primeira instância da
Justiça. Uma delas é súmula impeditiva de recursos. Ao valorizar a aplicação
dos precedentes relativos às demandas judiciais mais recorrentes, ela torna
desnecessária a subida desses processos para a segunda instância.
Infelizmente, ao insistir na criação de mais um TRF, o Judiciário mostrou mais uma vez, num momento em que o País atravessa a mais grave crise de saúde pública de sua história, o quão desconectado está da realidade econômica e social do País.
Contra o relógio
Folha de S. Paulo
Com represas vazias, país volta a cogitar
horário de verão para poupar energia
O debate sobre reinstituir o horário de
verão voltou à baila porque o Brasil está de novo perante o risco de apagões.
Não fosse a incúria do governo federal ao administrar reservatórios de
hidrelétricas e planejar outras fontes limpas de energia, a questão
dificilmente ocuparia a opinião pública.
No entanto aqui chegamos. Represas do Sudeste
e do Centro-Oeste, principais regiões fornecedoras de hidreletricidade,
entraram na primavera com menos de 20% da capacidade. A maior estiagem em nove
décadas ameaça essa reserva para abastecimento no verão, quando cresce o
consumo.
Inoperante como em tudo, a administração de
Jair Bolsonaro negou haver risco de escassez e demorou a acionar termelétricas
para poupar água nas barragens. Ao final, teve de majorar tarifas para custear
a modalidade de geração mais custosa e poluente.
Entornado o caudal, só tem agora a
alternativa de reduzir a demanda, mas encara o desafio com providências
tímidas, como um programa voluntário para grandes clientes deslocarem o
consumo, evitando períodos de pico.
Não haverá surpresa se o Palácio do
Planalto voltar atrás, retomar o horário de verão e ao menos dar a impressão de
prudência. Mesmo sem mitigar minimamente a crise que se avizinha (pesquisas
internacionais indicam economia média de apenas 0,34%), a atitude serviria para
sinalizar à população a urgência de poupar energia.
Qualquer que seja a decisão, virá sem
grande impacto. Pode-se afirmar que o país passou quase indiferente pela
suspensão da medida, como prometido na campanha eleitoral. A prática de
adiantar o relógio em uma hora para poupar eletricidade parece ter afetado
pouco o cotidiano dos brasileiros.
Pesquisa Datafolha em meados deste mês de
setembro mostrou que a
maior parte da população (55%) é favorável à volta do horário de
verão, e 38% a rejeitam. Em 2017, com o esquema ainda em vigor, eram 58% e 35%
—variação dentro da margem de erros de 2 pontos para mais ou para menos.
Há que ressalvar o fato de quase dois
quintos de brasileiros se posicionarem contra a medida. Um contingente
considerável se incomoda o suficiente com tal modificação da rotina para
descartá-la, mesmo ameaçado de falta de eletricidade e pagando contas de luz
que só aumentam.
Uma hora de adiantamento parece pouco, mas
basta para afetar de modo significativo ritmos corporais influenciados pelo
ciclo diário de luz e escuridão. Há estudos que apontam maior incidência de
infartos, depressão e acidentes de trânsito e trabalho durante a vigência do
horário de verão.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico
descarta a providência, mas em breve poderá ser obrigado a catar quilowatt-hora
por quilowatt-hora onde for possível. Trata-se de escolha defensável diante da
gravidade da situação, mas ainda carece de mais embasamento para se firmar como
política pública.
Violência americana
Folha de S. Paulo
Alta de homicídios nos EUA também deveria
ser estudada no Brasil de Bolsonaro
Os EUA registraram a maior elevação anual
na taxa de homicídios por 100 mil habitantes de toda a série histórica iniciada
nos anos 1960. É o que aponta o relatório anual do FBI preliminarmente disponibilizado
no site da agência federal, que deve ser publicado oficialmente nesta
segunda-feira (27).
Entre 2019 e 2020, a taxa cresceu perto de
29% —a segunda maior alta já registrada foi de 12,7%, em 1968. Ao todo, foram
21,5 mil assassinatos no ano passado, 5.000 acima do período anterior.
Em termos proporcionais, foram 6,55 para
cada 100 mil habitantes, ante 5/100 mil anteriormente.
Por trás desse número, impressionante em
si, há um emaranhando de fenômenos que demandam análise mais aprofundada.
Embora especialistas apontem explicações diversas, sendo uma das principais as
tensões interpessoais impulsionadas pela pandemia, algumas tendências são
claras.
Há uma boa e uma má notícia. A primeira é
que, apesar do salto, a taxa ainda continua bem abaixo da verificada nos anos
1990 —e nem se compara à brasileira, por exemplo, de 19,9 por 100 mil
habitantes.
A má notícia é que a elevação é um fenômeno
nacional, não algo localizado em algumas regiões apenas. Esse é um cenário
diferente do brasileiro, onde após dois anos de queda houve um aumento de 4% do
número de mortes violentas.
Por aqui, a expansão foi impulsionada em
especial pelo Nordeste e esteve concentrada em 138 municípios, dentre 5.570,
que respondem por 37% do total de ocorrências.
Nos Estados Unidos, os crimes como um todo
se encontram em queda há 18 anos, e 77% dos homicídios foram cometidos com uso
de armas de fogo.
Isso significa que parte considerável das
mortes em território americano não se devem a um agravamento da atividade
criminosa, mas por incidentes interpessoais. Calcula-se que houve vendas
recordes de armas no país em 2020.
São dados que deveriam ser observados com
atenção no Brasil, onde o governo Jair Bolsonaro procura reproduzir a ideologia
armamentista enraizada na sociedade americana como arremedo de política de
segurança pública.
Crise na fronteira com o México é teste
para a popularidade de Biden
O Globo
Em julho, patrulhas na fronteira sul do
país registraram 212 mil encontros com ilegais, maior número em duas décadas
Faltando pouco mais de um ano para as
eleições que renovarão a Câmara e cerca de 30% do Senado dos Estados Unidos, o
presidente americano Joe Biden vive um pesadelo na área da imigração que poderá
colocar em risco a maioria democrata em ambas as Casas do Congresso. Se
continuar a mostrar firmeza ao deportar quem chega sem documentação, enfurecerá
ainda mais a ala mais à esquerda de seu partido. Caso adote uma política mais
branda, desagradará a quem está mais à direita.
O último levantamento do Pew Research
Center mostra que Biden tem conseguido o que parecia impossível: nesse tema,
está perdendo a aprovação de eleitores tanto de seu partido quanto da oposição.
Em março, 85% dos democratas diziam que ele tomava decisões acertadas na área
da imigração, patamar que caiu para 73% em setembro. No mesmo período, o número
entre os republicanos foi de 15% para 8%.
Em julho, patrulhas na fronteira sul do
país registraram 212 mil encontros com ilegais, maior número em duas décadas.
Em agosto, houve leve queda, mas o total se manteve no mesmo patamar, com 209
mil, 25% dos quais com pessoas que haviam sido interceptadas pelo menos uma vez
nos 12 meses anteriores. A brasileira Lenilda dos Santos, encontrada morta numa
área de deserto do estado do Novo México, é um exemplo. A tragédia de ser
abandonada por conhecidos e por um coiote se deu em sua segunda tentativa de
realizar o sonho de entrar nos Estados Unidos.
A crise ganhou nova dimensão com imagens de
agentes da imigração montados em cavalos e perseguindo haitianos negros em
busca de asilo em Del Rio, no Texas, onde vários acampavam debaixo de uma
ponte. Fugindo da destruição provocada por um recente terremoto, de uma crise
política após o assassinato de seu presidente, haitianos têm cruzado o Rio
Grande em maior número, engrossando contingente formado majoritariamente por
centro-americanos.
As cenas de Del Rio fizeram o líder do
governo no Senado, Charles E. Schumer, e a Associação Nacional para o Progresso
das Pessoas de Cor (NAACP) criticar o presidente. Biden tem usado uma regra
criada por Donald Trump, que permite deportações rápidas em tempos de crise
sanitária, para mandar embora milhares de ilegais e de potenciais refugiados.
Para parte dos críticos, tem sido duro demais. No outro extremo, é descrito
como sem pulso.
A polarização provocada pela imigração tem
longa história. Soluções duradouras dependem do desenvolvimento econômico e de
avanços na área da segurança na América Central e no Haiti. No curto prazo, o
custo político de adotar uma posição mais branda parece ser maior. Com a
notícia de eventual relaxamento das patrulhas fronteiriças, muitos outros se
deslocarão para o Rio Grande, piorando uma crise já de grandes proporções.
Congresso tenta de novo encarar a reforma
tributária
Valor Econômico
Se não for possível melhorar o sistema
tributário, é importante não piorá-lo
Ao final de seu terceiro ano de governo, o
presidente Jair Bolsonaro não foi capaz de tirar do atoleiro uma reforma para
enfrentar um dos mais óbvios problemas da economia brasileira: o custoso e
complexo sistema tributário. Não está sozinho. Seus antecessores desde 1988
também falharam nesse intuito, embora todos tenham iniciado seus mandatos
colocando o tema como prioridade.
No entanto, esse é um caso inédito em que
um presidente confronta abertamente uma proposta elaborada por sua própria
equipe e chega ao ponto de demitir um secretário da Receita por causa da
contribuição sobre transações financeiras. Essa é, ou era, a peça central do
desenho tributário ruim elaborado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Por causa disso, ficou faltando aquele
ingrediente necessário à aprovação de matérias sensíveis no Congresso: o
impulso dado pelo presidente da República. Mas não se deveria esperar de
Bolsonaro a defesa do tributo sobre transações, pois ele passou sua vida de
parlamentar lutando contra a CPMF e seu antecessor, o IPMF.
Diferentemente do que ocorreu em outros
governos, o impasse não levou à interrupção dos debates. Há diversas propostas
de alteração no sistema tributário em análise no Congresso.
A reforma do PIS/Cofins, por exemplo, é um
remendo do plano inicial do governo. Diz a lenda que ninguém na Receita domina
totalmente as normas desses tributos, dado o caminhão de exceções e regimes
especiais. É a personificação do manicômio tributário nacional e a maior fonte
de litígios entre o Fisco e o contribuinte.
Há sete anos, o governo estuda como
desarmar essa bomba. A proposta da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS),
enviada há um ano ao Congresso, ataca um ponto vital da complicação do
PIS/Cofins, ao determinar um amplo sistema de créditos e débitos. Hoje, uma
empresa tem de saber se o uso da água é atrelado à produção (gera crédito
tributário) ou para o consumo dos funcionários (não gera crédito).
No entanto, a proposta ficou parada porque
o setor de serviços é contra. A alíquota única de 12% representará aumento de
carga para ele e para as empresas que têm na mão de obra seu principal insumo.
Gasto com folha salarial não geraria crédito tributário.
No plano de Guedes, esse problema seria
atacado com a desoneração da folha. Que, por sua vez, depende da contribuição
sobre transações para se viabilizar.
O ministro tenta a intermediação do
Congresso para relançar a contribuição sobre transações. Aproveita a discussão
sobre prorrogar a desoneração da folha de 17 setores muito empregadores para
buscar uma solução global. Que, pela resistência do presidente, teria de ser
iniciativa do Congresso.
A contribuição sobre transações bancaria
também a promessa de Bolsonaro de elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda
da Pessoa Física (IRPF). Sem ela, foi proposta uma péssima reforma do IR.
Aprovada na Câmara, agora aguarda análise no Senado.
Nos próximos dias, o senador Roberto Rocha
(PSDB-MA) deve apresentar seu relatório da Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) 110. Esse projeto trata da reforma dos tributos sobre o consumo. É mais
amplo do que o projeto da CBS, pois abarca também tributos estaduais e
municipais. Com variações, é a reforma tributária ampla que se persegue desde
sempre.
A novidade em relação às tentativas
anteriores é que, desta vez, há acordo entre o governo federal e os Estados.
Sem alarde, Rocha convenceu os secretários estaduais de Fazenda a aceitar que o
Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja criação é proposta na PEC 110, seja
dual e não unificado. É a tese do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual que
Guedes defende desde o início do governo.
Falta vencer a resistência dos municípios.
As grandes cidades não querem ver seu principal tributo, o Imposto sobre
Serviços (ISS), fundido com o ICMS, como previsto no desenho do IVA Dual.
Querem um IVA trino: cada esfera cuida do seu tributo.
Rocha diz que há como fazer tramitar em
paralelo a PEC 110, a criação da CBS, a reforma do IR e a criação de um Imposto
Seletivo, cobrado apenas sobre produtos que causam risco à saúde ou ao meio
ambiente.
É um desafio político grande. Maior ainda é o de fazer emergir desse conjunto um desenho que seja bom para a sociedade, e não pautado apenas por interesses dos congressistas. Seria o caso de se fazer uma análise prévia do impacto dessa nova legislação. Se não for possível melhorar, seria imprescindível não piorar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário