Valor Econômico
Choques de preços podem persistir e avançar
em 2022
Os analistas econômicos do mercado
financeiro estão intrigados com a baixa projeção de inflação do Banco Central
para 2022, de apenas 3,7%. Na realidade, o percentual estimado seria ainda
menor, em cerca de 3,3%, caso a autoridade monetária adotasse a hipótese de
bandeira vermelha 1 para energia elétrica, acompanhando a premissa da maioria
dos economistas do setor privado.
O BC está basicamente sozinho na previsão de uma inflação tão pequena. O consenso do mercado é 4,1%. O mínimo estimado pelos 131 economistas consultados na pesquisa Focus de expectativas 3,4% para 2022. É grande a descrença de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) possa cair a praticamente um terço até o fim do ano que vem, saindo de 9,7% no período de 12 meses encerrado em agosto. Inclusive porque, na prévia do IPCA de setembro, a inflação foi a 10,05% em 12 meses.
A projeção de inflação do Banco Central é
muito importante por ser um dos insumos de suas decisões de política monetária.
Quando o BC projeta um percentual tão baixo, em 3,7%, significa que não precisa
subir o juro muito além do que já estava previsto pelo mercado para cumprir a
sua meta de inflação, estabelecida em 3,5% para 2022.
Até junho, as projeções do Banco Central e
do mercado andavam muito próximas. Em agosto, o próprio BC notou a diferença e
apontou algumas explicações. Uma delas, bem importante, é que as previsões do
mercado já ponderam os riscos que estão no cenário, sobretudo de a política
fiscal sair de vez dos trilhos. O Banco Central divulga uma projeção básica isenta
dos riscos e roda outras projeções em cenários alternativos que exploram os
riscos. Hoje, a inflação esperada pelo BC é maior do que 3,7%, mas não se sabe
exatamente quanto. O BC deverá explicar sua visão em detalhe nesta semana.
Nesta terça, o Copom divulgará a ata de sua reunião e, na quinta, teremos o
relatório de inflação, acompanhado de entrevista com os dirigentes da
instituição.
Enquanto isso, vale entender algumas
preocupações do mercado. A Asset 1, uma gestora de ativos de terceiros, está
com a visão de que os choques podem perdurar até o primeiro semestre de 2022,
por isso enxerga uma inflação de 5%, com viés de alta. A empresa está na
primeira posição nos Top 5 de médio prazo, formado as cinco casas que mais
acertaram as suas projeções de inflação. Isso significa que foi a que melhor
leu a aceleração da inflação ocorrida desde abril.
O economista sênio e sócio da Asset 1,
Carlos Thadeu Freitas Gomes Filho, argumenta que os modelos tradicionais de
projeção, que olham os dados passados pra tentar prever o futuro, não estão se
saindo bem na situação atual. “São choques diferentes do que houve no passado,
mais permanentes”, afirma. “Além disso, no passado, toda vez em que tínhamos um
choque commodities, o câmbio atuava atenuando, com apreciação.”
No caso dos preços administrados, a Asset 1
está com uma projeção de alta de 5,15%, acima do consenso de mercado, de 4,37%.
Um dos motivos é que a cotação do petróleo anda muito instável. O estoque de
gás na Europa está muito baixo, e a temporada de frio tenderá a durar até
abril. A Goldman Sachs diz que o preço do barril poderá chegar a US$ 90 em
2022. Dentro do Brasil, as queimadas durante a seca nas áreas produtoras de
cana-de-açucar não chegaram a afetar a safra deste ano, que foi colhida a
tempo, mas o plantio para 2022 está comprometido, o que tende a afetar os
preços do etanol. Os planos de saúde tiveram redução de preços neste ano, mas
agora, com a vacinação, os pacientes estão mais seguros para fazer
procedimentos médicos que foram adiados. As operadoras passaram a registrar
prejuízos, e a tendência é de reajuste no valor das mensalidades.
Nos bens industriais, a previsão da Asset 1
é uma alta de 5,5%, acima do consenso do mercado, de 3,5%. A cadeia de
fornecimento de chips para automóveis e aparelhos eletrônicos não se
restabeleceu, devido a novas ondas da pandemia em países produtores e às
chuvas. “Os principais países produtores de automóveis, como Alemanha, Coreia,
China, Estados Unidos, estão com níveis de produção do período da pandemia”,
diz Gomes Filho. Os CEOs falam em melhora só após 2023. No Brasil, o estoque de
automóveis é o menor da história, e foi um dos itens de pressão na prévia do
IPCA de setembro. Os preços de commodities metálicas não deram trégua, com
exceção do minério de ferro. “O choque de bens industriais avança em 2022,
ainda que com menor intensidade”, afirma.
No preços de alimentos em domicílio, a
estimativa da Asset 1 é um avanço de 7%, ante uma projeção de 3,9% do mercado.
Um dos pontos que preocupam é que a combinação de altos preços do petróleo e do
gás estão aumentando os custos dos fertilizante - que, por sua vez, tem uma
relação estável com preços dos alimentos. A evolução do fenômeno climático La
Niña, por sua vez, indica um quadro de neutro a positivo para a produção
energia elétrica, com chuvas no Sudeste e Centro-Oeste. Mas, no Sul e na
Argentina, ficaria mais seco, afetando a produção de grão. Outra preocupação é
que, neste ano, os pecuaristas anteciparam o abate de gado que seria feito no
fim do ano. Os mercados futuros da arroba de boi para janeiro já subiram
Por fim, nos serviços a Asset 1 prevê uma
inflação de 5,46%, também acima da visão consensual do mercado, de 4,5%.
“Haverá, no ano que vem, a pressão em vários itens de serviços, e será difícil
combatê-la mesmo com a atividade econômica mais fraca”, afirma. Um dos setores
que merecem atenção é a educação, que está com as mensalidades defasadas em
cerca de 7%, e terão mais força para recompor preços se a vacinação levar a uma
maior normalização da economia, como esperado. De outro lado, tem a recuperação
de preços em todo o segmento de transporte, como passagens aéreas, e turismo.
“A pandemia criou uma demanda reprimida”. Aluguéis também tendem a ficar
pressionados, refletindo o “boom” imobiliário e o avanço dos IGPs acima do
IPCA.
“Teria que ter muita coisa positiva
acontecendo para baixar a inflação para menos de 4% no ano que vem”, diz Gomes
Filho. “Ao contrário, o que estamos vendo é uma maior persistência desses
choques.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário