O Estado de S. Paulo
Não foi um péssimo sonho, e sim a noite
mais longa e pavorosa desde o fim da ditadura civil-militar
Os últimos meses do ansiado 2022 serão
ainda mais trágicos? Não sabemos se os manifestantes antidemocráticos do dia 7
de setembro vão sair às ruas com uma arma nas mãos e uma ideia criminosa na
cabeça; tampouco sabemos como vão se comportar as instituições, principalmente
as Forças Armadas, que, numa democracia, têm o dever constitucional de garantir
a posse do próximo presidente.
Jair Messias Bolsonaro atribuiu sua fala
golpista no Dia da Pátria ao “calor do momento”. Esse calor causa calafrios e
não é nada momentâneo, pois os discursos autoritários de Jair datam de seus
verdes anos. Será que algum dia essas falas infames terão fim? Ou o “calor do
momento” seria uma tradução muito livre, quase metafórica da frase latina
memento mori? Um lembrete: não me refiro à morte física, e sim à morte política
do chefe e de seus filhos, igualmente antidemocráticos e fãs ardorosos de fake
news.
Suposições à parte, tudo indica que falta pouco mais de um ano para o fim do pesadelo. Não foi um péssimo sonho, e sim a noite mais longa e pavorosa desde o fim da ditadura civil-militar, fonte inspiradora do atual governo, capitaneado por um sujeito totalmente desqualificado para qualquer cargo, e não apenas público.
Oxalá o tempo – essa abstração ingovernável
– avance como um louco, dando longas e rápidas passadas a fim de alcançar logo
o 2 de outubro de 2022. Mas o anseio por um tempo veloz, contrário a seu ritmo
próprio, não impede que o STF e o Poder Legislativo ajam com rigor para conter
não apenas a enxurrada de políticas públicas destrutivas, mas também o fluxo
ininterrupto de ilícitos, arbítrios, falácias, provocações, ameaças e
imprecações brutas deste governo e seus seguidores extremistas. Já estamos
vivendo em pleno caos, e a distância entre o caos e a anomia é mínima.
Terão sido quatro anos de angústia,
desemprego, miséria e luto para milhões de brasileiros. Governos anteriores
acertaram em algumas áreas, erraram feio em outras, foram razoáveis aqui e ali;
mas este foi desastroso, para não dizer destruidor, em todas. E, vale lembrar,
com a cumplicidade de muitos deputados federais e senadores, chefiados pelos
presidentes da Câmara e do Senado. Parece que este último, dotado de uma frieza
intensa e de uma tibieza estranha, alimenta o sonho de ser presidente do País.
Por enquanto, ele e Lira são cúmplices deste Brasil caótico.
Aliás, a lista de cúmplices – diretos e
amoitados – só caberia num imenso volume, intitulado Os Comparsas do Opróbrio.
Não seria um livro de ficção. Pelo menos, não agora, neste clima melancólico de
luto e angústia. E ficção convém ser escrita quando o presente – o tempo das
tragédias e de seus traumas – já se distanciou.
Que primavera nos espera? Ou: o que
esperamos quando ela chegar? Apagões? Carestia e desemprego crescentes? Mais
incêndios e tristeza neste luto prolongado? Primavera será prenúncio de um
verão sufocante?
Em 2018, milhões de brasileiros já sabiam –
e agora outros milhões sabem – como e por que entramos nesta escuridão.
Resta-nos saber como encontrar as sendas e a sabedoria para sairmos das
trevas.
Sair das trevas significa derrotar a
ignorância e a barbárie. Se isso não acontecer, vale perguntar, parafraseando o
grande poeta: nossos olhos vão reaprender a chorar um segundo dilúvio?
*É escritor e arquiteto, autor de ‘Dois
irmãos’ e ‘Cinzas do Norte’
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