sexta-feira, 17 de setembro de 2021

César Felício - Rota de fuga

Valor Econômico

PSL e DEM estudam fusão para poderem sobreviver

O PSL e o DEM caminham para a fusão entre as duas siglas. Não as unirá o amor, mas sim o espanto, como no verso de Jorge Luis Borges Trata-se da primeira consequência de grande porte da reforma política de 2017, ora sob ameaça no Senado.

A reforma de 2017 acabou com a coligação proporcional e reforçou a cláusula de barreira. Isso perturba a vida de vários partidos que viviam no ecossistema das grandes frentes. Os mais ameaçados são os que têm existência sobretudo parlamentar. Aqueles que só percebemos que existem acompanhando o noticiário da Câmara e do Senado.

Cada um apostou em uma estratégia para contornar o problema. Diversas siglas patrocinaram uma emenda constitucional, aprovada na Câmara, que restaura a coligação proporcional. Todos os sinais são de que o Senado irá vetar o retrocesso. A saída do PSL e do DEM é a fusão.

“A regra é indutora das fusões. Este é um caminho natural com o fim das coligações proporcionais, porque a construção das chapas para deputados ficou muito complexa”, reconhece o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM), o presidenciável mais empenhado no projeto de unir os pretendentes a serem terceira via na eleição presidencial. Segundo ele, a fusão tende a tornar mais fácil a construção de um projeto presidencial. Pela depuração que a fusão pode proporcionar nos quadros de ambas as siglas e pelo fundo partidário na casa da centena dos milhões que o PSL dispõe.

Um cálculo feito em 2020 pelo ex-deputado Saulo Queiroz dá a dimensão do problema. Sem coligações, o DEM em 2018 teria eleito apenas 16 deputados, e não 29, como obteve com suas alianças.

Para o PSL o panorama também é preocupante. Ele inflou com a eleição do presidente Jair Bolsonaro, que se retirou da sigla. Na sua ausência, o PSL virou um absurdo em forma de partido: um nanico gigante.

Em 2018, a sigla teve 11,6 milhões de votos para a Câmara dos Deputados, uma enormidade. Mas o deputado Eduardo Bolsonaro (SP), que não vai ficar na legenda, representou 15,8% deste total. É razoável supor que só pela associação com Bolsonaro foi possível ao PSL obter 1 milhão de votos de legenda na eleição passada. Sem o bolsonarismo o PSL corre o risco de se tornar um balão furado.

Com a fusão, os integrantes do DEM e do PSL não precisarão mais se preocupar com a sobrevivência da sigla a que pertencem em 2023. E a nova cúpula terá mais controle da futura bancada.

O PSL hoje é dividido em duas metades na Câmara. Em uma estão políticos que se elegeram na carona de Bolsonaro, mas que pertencem à política tradicional. Na outra estão os bolsonaristas de chapa e cruz, os da gema, os pelos-duros. Estes estão de saída da sigla para se juntar ao destino que o presidente escolher.

O DEM vive um caos ainda maior. O processo de escolha das mesa diretora da Câmara e do Senado foi devastador para a unidade da sigla. Uma ala minoritária embarcou em um projeto aliancista contra Bolsonaro, derrotado pelo deputado Arthur Lira (PP-AL). Lira conseguiu cooptar deputados de todos os partidos, o que inclui os do DEM, graças a influência que adquiriu na execução do Orçamento. Outra ala do DEM é bolsonarista de primeira hora.

A fusão permite aos incomodados se retirarem. Os que se alinharem às ideias das cúpulas do partido, que querem Bolsonaro a distância segura, vão ficar. Os que irão viver e morrer com o capitão, sairão. Haverá mais unidade de propósitos. Resta saber se os caciques vão se entender.

Mas o problema não é só esse. É também a assimetria. O DEM tem muito mais a perder se a fusão não sair do que o PSL. A eleição de 2018 deu ao partido algumas ferramentas que o DEM dispõe em proporção muito menor.

“Com o fundo partidário e o tempo de TV que temos, é possível pensar em fazermos pelo menos 40 deputados na eleição de 2022”, aposta Júnior Bozzella (SP). A votação em 2018 garantiu à legenda o maior fundo partidário do Brasil. A proibição do financiamento privado das campanhas tornou esse fator um trunfo irresistível. Unindo-se ao PSL, o DEM não precisa juntar o seu destino ao de Bolsonaro para continuar desfrutando das prebendas do Orçamento administrado por Lira.

Bozzella calcula que, com a fusão, é possível chegar a 70 deputados. Avança-se um pouco onde o governador é do DEM, como é o caso de Goiás, com Ronaldo Caiado, ou onde o DEM tem candidato forte, como na Bahia com ACM Neto. Em São Paulo vai entrar a turma do MBL. “Claro que não faremos mais dez deputados, mas conseguiremos pelo menos cinco ou seis”, acredita Bozzella.

O PSL tem o apresentador José Luiz Datena para se sentar à mesa dos negociadores da terceira via, mas Bozzella diz que o partido estará preparado para o cenário de ficar sem candidato a presidente. O DEM tem garantido, por ora, só o nome de Mandetta. Ele diz que novidades podem surgir.

“Com o 7 de setembro Bolsonaro caiu de cabeça no chão”, avalia o ex-ministro, que é ortopedista e sabe da gravidade da metáfora. “Ele atiçou a base, envolveu muita gente em uma mobilização que terminou em uma acomodação que gerou frustração entre os radicais. Para ele repetir isso mais adiante, estará mais fraco. Para construir a reeleição, ficou preso ao personagem que criou.”

No fim do mês haverá outra data interessante para o calendário eleitoral, para o qual colabora o desgaste do presidente Jair Bolsonaro nas pesquisas de opinião e a ambição do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, aliás um integrante do DEM. Foi convocada uma sessão do Congresso Nacional para examinar vetos presidenciais. E um dos pontos a ser examinado é a possibilidade de derrubar o veto de Bolsonaro à federação de partidos.

A federação permite a coligação, desde que ela se reproduza da mesma forma em todo o país. É uma articulação com origem no PCdoB e de interesse de outras siglas de centro-esquerda, mas pode ser vista como atraente pelos envolvidos na terceira via.

Há partidos que podem se compor com o futuro DEM/PSL, mas que de forma alguma estariam dispostos a se dissolverem em uma fusão, como o PSD de Gilberto Kassab e o MDB de Michel Temer. Uma estrutura partidária maior, com alianças estaduais estáveis, poderia ser um diferencial importante para um projeto presidencial de Pacheco, dentro ou fora do partido que PSL e DEM pretendem construir.

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