O Globo
O médico Marcelo Queiroga completou seis
meses à frente do Ministério da Saúde, no qual substituiu o general Eduardo
Pazuello. Em meio ano, aceitou de bom grado a missão de converter-se num
negacionista a serviço do pior do bolsonarismo, em vez de tentar consertar os
erros do antecessor.
Nesta quarta-feira, usou os adolescentes
como bucha de canhão para promover uma tripla cortina de fumaça para tentar
esconder os persistentes e cada vez mais graves erros do governo no manejo da
pandemia.
O anúncio intempestivo em que recomendou a
interrupção da vacinação de adolescentes entre 12 e 17 anos que não tenham
comorbidades pegou técnicos, especialistas, governadores, prefeitos e pais de
todo o país desprevenidos. Levou mais caos e desinformação ao programa de imunização.
A vacinação dessas faixas etárias já começou em diversos estados. Tem a aprovação da Anvisa, a agência sanitária brasileira, que a manteve mesmo diante do recuo de Queiroga.
O ministro apresentou explicações
incongruentes e inconclusivas, quando não mentirosas ou falaciosas, para
justificar a decisão. Usou de forma leviana a morte de um adolescente sem
ligação comprovada com a vacinação como argumento, expediente que o equipara
aos negacionistas mais nocivos, como a deputada Bia Kicis.
Deturpou a diretriz da Organização Mundial
da Saúde a respeito da imunização dos jovens, ao apontar uma inexistente
alegação de falta de comprovação de segurança das vacinas já aprovadas.
Para colocar a cereja no bolo do show de
desinformação, disse que outras vacinas que não a da Pfizer estão sendo usadas
em adolescentes, sem, no entanto, mostrar planilhas com esses dados.
E por que esse cavalo de pau agora? Aí
entra a tripla cortina de fumaça que Queiroga ajuda a espalhar. A suspensão da
vacinação de adolescentes coincide com momento de apagão logístico no envio de
vacinas. Várias cidades e estados sofrem com falta de remessas da AstraZeneca
para segunda dose, e o “jeitinho” tem sido usar justamente a Pfizer, também o
imunizante preferencial para a dose de reforço dos idosos.
Além disso, a confusão armada por Queiroga
coincidiu com um caso com enorme potencial de escândalo e graves consequências
para o governo Bolsonaro. Médicos e ex-médicos do grupo Prevent Senior
revelaram que pacientes teriam sido usados sem consentimento próprio ou das
famílias como cobaias humanas de um estudo sobre uso de medicamentos do “kit
Covid”. Mais: efeitos adversos graves, inclusive mortes, de pacientes
submetidos a esse experimento teriam sido omitidos em conclusões usadas
fartamente como propaganda por Bolsonaro e seu gabinete paralelo de defesa de
cloroquina e afins.
Ao criar a lambança da vacina de
adolescentes, Queiroga tratou de tentar desviar o foco do país dessa bola de
neve que pode levar seu chefe de cambulhada.
Por fim, o diversionismo ocorre quando a
CPI se prepara para sua conclusão, com a colaboração de juristas insuspeitos
como Miguel Reale Júnior, um dos autores do pedido de impeachment de Dilma
Rousseff, que ajudarão a dar o estofo técnico ao relatório de Renan Calheiros.
Lamentável que um médico aceite penhorar
seu diploma e sua ética para se prestar a um papel desses.
E trata-se de mais um tiro no pé: a
população brasileira abraçou com entusiasmo a vacinação. Mesmo tendo sido
sabotada por Bolsonaro, ela avança graças à expertise de décadas do SUS em
campanhas de imunização.
Negar às famílias a vacina para seus
adolescentes faz com que elas lembrem o trauma que foi até ela chegar ao braço
de seus idosos, das pessoas com comorbidades, dos profissionais de saúde, dos
adultos. Se alguém tinha esquecido o desastre que é esta gestão, Queiroga
tratou de reavivar a memória de forma trágica.
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