O Globo / O Estado de S. Paulo
A difícil viabilização do pacote de
bondades com que o Planalto contava para 2022
Alarmado com o 7 de Setembro, o país
respirou aliviado ao se inteirar da súbita e inesperada distensão política que
talvez venha a ser conhecida, no futuro, como a “Trégua de Temer”. Sem tentar
disfarçar sua apreensão com as dificuldades que a crise institucional vinha
impondo à condução da política econômica, o ministro da Economia apressou-se a
assegurar que “a iniciativa do presidente Jair Bolsonaro” colocara “tudo de
volta aos trilhos”.
Não foi bem assim. E nem promete ser tão
fácil. De fato, quem foi recolocado nos trilhos foi o próprio presidente. E o
problema é que Bolsonaro não é propriamente um político que se desloca sobre
trilhos. Tem uma propensão incorrigível a saltar dos trilhos e seguir seus
instintos incontroláveis de um político “fora-de-estrada”, que não respeita
caminhos demarcados ou qualquer tipo de balizamento institucional.
Não há, pois, como ter ilusões. Seu impulso
visceral de confrontação das instituições está fadado a se mostrar recorrente,
com maior ou menor gravidade, ao longo dos mais de 15 meses que ainda tem de
mandato.
Esse comportamento desestabilizador de Bolsonaro vem sendo exacerbado por sua crescente apreensão com a viabilidade da reeleição. O presidente vem, aos poucos, dando-se conta de que seu quarto ano de mandato será bem mais difícil do que imaginava. E não é por outra razão que se agarra ao discurso da contestação antecipada do desfecho da disputa presidencial do ano que vem.
Surpreendido com a aceleração da inflação,
já em quase dois dígitos, o Banco Central – agora independente – não terá como
evitar elevação substancial da taxa básica de juros, que deixará a política
monetária em inequívoca postura contracionista em 2022. Somando a isso o surto
recente de incerteza – política e fiscal –, instituições financeiras já vêm
prevendo crescimento do PIB bem inferior a 1% no ano que vem.
Há meses o governo vinha apostando na
possibilidade de tirar bom proveito da aceleração da inflação. De um lado,
porque lhe permitiria ostentar como grandes feitos a queda na dívida do setor
público como proporção do PIB, propiciada por uma expansão colossal do PIB a
preços correntes, e o aumento de arrecadação turbinado pela inflação.
De outro, porque nutria a fantasia de que,
tendo em vista a regra de reajuste do teto de gastos, a aceleração da inflação
até junho, seguida de desaceleração no segundo semestre, lhe abriria generosa
“folga fiscal” para expansão de gastos no ano eleitoral.
Ledo engano. Com a inflação em franca aceleração
no segundo semestre, a tão esperada “folga fiscal” já está em fase minguante
avançada.
O Projeto de Lei Orçamentária Anual,
submetido pelo governo ao Congresso, no final de agosto, deixa mais do que
claro que não há espaço no Orçamento para a farra fiscal que o governo
planejava para o ano que vem.
O que agora se vê é o ministro da Economia,
sob pressão do Planalto, empenhado em desesperada tentativa de abrir folga
fiscal alternativa, por meio de algum tipo de calote das dívidas judiciais –
precatórios – com que o Tesouro terá de arcar em 2022.
O desafio passou a ser conseguir de
ministros do Supremo e do Tribunal de Contas da União, que se disponham a
tanto, um visto bueno antecipado para um formato “aceitável” de calote, que
abra espaço para a expansão de gastos que o governo planejava fazer no ano que
vem.
Absorto em elucubrações sobre essa
quadratura do círculo, o ministro da Economia anda afirmando que “precatórios
são gastos do Judiciário feitos pelo Poder Executivo”. O que, no mínimo denota
percepção completamente torta do que significa uma sentença judicial
irrecorrível numa sociedade aberta.
Ou há aí alguém que consiga conceber o
pagamento, por uma empresa privada, de uma dívida decorrente de sentença
judicial como um gasto do Poder Judiciário feito por meio de tal empresa?
Tamanho despropósito dá bem ideia da tensão
que vem marcando a condução da política fiscal, premida pela necessidade de
viabilizar o pacote de bondades com que o Planalto contava para o ano
eleitoral.
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