sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Rogério F. Werneck - Em busca da nova ‘folga fiscal’

O Globo / O Estado de S. Paulo

A difícil viabilização do pacote de bondades com que o Planalto contava para 2022

Alarmado com o 7 de Setembro, o país respirou aliviado ao se inteirar da súbita e inesperada distensão política que talvez venha a ser conhecida, no futuro, como a “Trégua de Temer”. Sem tentar disfarçar sua apreensão com as dificuldades que a crise institucional vinha impondo à condução da política econômica, o ministro da Economia apressou-se a assegurar que “a iniciativa do presidente Jair Bolsonaro” colocara “tudo de volta aos trilhos”.

Não foi bem assim. E nem promete ser tão fácil. De fato, quem foi recolocado nos trilhos foi o próprio presidente. E o problema é que Bolsonaro não é propriamente um político que se desloca sobre trilhos. Tem uma propensão incorrigível a saltar dos trilhos e seguir seus instintos incontroláveis de um político “fora-de-estrada”, que não respeita caminhos demarcados ou qualquer tipo de balizamento institucional.

Não há, pois, como ter ilusões. Seu impulso visceral de confrontação das instituições está fadado a se mostrar recorrente, com maior ou menor gravidade, ao longo dos mais de 15 meses que ainda tem de mandato.

Esse comportamento desestabilizador de Bolsonaro vem sendo exacerbado por sua crescente apreensão com a viabilidade da reeleição. O presidente vem, aos poucos, dando-se conta de que seu quarto ano de mandato será bem mais difícil do que imaginava. E não é por outra razão que se agarra ao discurso da contestação antecipada do desfecho da disputa presidencial do ano que vem.

Surpreendido com a aceleração da inflação, já em quase dois dígitos, o Banco Central – agora independente – não terá como evitar elevação substancial da taxa básica de juros, que deixará a política monetária em inequívoca postura contracionista em 2022. Somando a isso o surto recente de incerteza – política e fiscal –, instituições financeiras já vêm prevendo crescimento do PIB bem inferior a 1% no ano que vem.

Há meses o governo vinha apostando na possibilidade de tirar bom proveito da aceleração da inflação. De um lado, porque lhe permitiria ostentar como grandes feitos a queda na dívida do setor público como proporção do PIB, propiciada por uma expansão colossal do PIB a preços correntes, e o aumento de arrecadação turbinado pela inflação.

De outro, porque nutria a fantasia de que, tendo em vista a regra de reajuste do teto de gastos, a aceleração da inflação até junho, seguida de desaceleração no segundo semestre, lhe abriria generosa “folga fiscal” para expansão de gastos no ano eleitoral.

Ledo engano. Com a inflação em franca aceleração no segundo semestre, a tão esperada “folga fiscal” já está em fase minguante avançada.

O Projeto de Lei Orçamentária Anual, submetido pelo governo ao Congresso, no final de agosto, deixa mais do que claro que não há espaço no Orçamento para a farra fiscal que o governo planejava para o ano que vem.

O que agora se vê é o ministro da Economia, sob pressão do Planalto, empenhado em desesperada tentativa de abrir folga fiscal alternativa, por meio de algum tipo de calote das dívidas judiciais – precatórios – com que o Tesouro terá de arcar em 2022.

O desafio passou a ser conseguir de ministros do Supremo e do Tribunal de Contas da União, que se disponham a tanto, um visto bueno antecipado para um formato “aceitável” de calote, que abra espaço para a expansão de gastos que o governo planejava fazer no ano que vem.

Absorto em elucubrações sobre essa quadratura do círculo, o ministro da Economia anda afirmando que “precatórios são gastos do Judiciário feitos pelo Poder Executivo”. O que, no mínimo denota percepção completamente torta do que significa uma sentença judicial irrecorrível numa sociedade aberta.

Ou há aí alguém que consiga conceber o pagamento, por uma empresa privada, de uma dívida decorrente de sentença judicial como um gasto do Poder Judiciário feito por meio de tal empresa?

Tamanho despropósito dá bem ideia da tensão que vem marcando a condução da política fiscal, premida pela necessidade de viabilizar o pacote de bondades com que o Planalto contava para o ano eleitoral.

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