Valor Econômico
Roosevelt, escravidão, racismo, e crime na
cabeceira
A relação dos presidentes da República com
os livros e o hábito da leitura é um capítulo à parte na história brasileira,
com lances dramáticos, ou trágicos, dignos da melhor ficção.
Por exemplo, a fatalidade que levou à morte
o marechal Castello Branco (1897-1967), apenas quatro meses depois de ele
transmitir a Presidência ao general Costa e Silva (1899-1969).
Após uma escala breve na fazenda da amiga e
escritora Rachel de Queiroz, Castello embarcou com o irmão, Candinho, em uma
aeronave cedida pelo governo estadual rumo a Fortaleza (CE). Em um arranjo
nefasto do destino, o avião chocou-se no ar com jatos da FAB.
Na cena do acidente, o que intrigou
historiadores foi o embrulho de papel pardo, contendo um exemplar raro da
primeira edição de “Iracema”, de José de Alencar.
Devoto da leitura, Castello tinha lido toda
a obra de Alencar, seu parente distante e conterrâneo cearense, na juventude.
Posteriormente soube-se que Rachel havia incumbido o irmão de Castello de
entregar a raridade a um amigo no Rio de Janeiro.
A escritora temia que Castello apreendesse a encomenda e a desviasse para sua biblioteca particular. No desenlace da triste epopeia, o livro foi encontrado mais próximo do corpo de Castello do que do portador do volume.
Getúlio Vargas (1882-1954) era igualmente
um leitor voraz, apesar do gosto duvidoso em algumas épocas. Em 1933, durante
uma viagem de navio de regresso ao Rio, ele registrou em seu diário que
aproveitaria os dias em alto mar para colocar a leitura em dia. A companhia
seriam obras sobre ditadores célebres: “Conversações com Mussolini”, de Emil
Ludwig; e “Salazar: o homem e sua obra”, de Antonio Joaquim Tavares Ferro.
Anos mais tarde, no auge da crise deflagrada pelo atentado da rua Tonelero, Getúlio recorreria a outro português para aliviar as dores da alma.
Uma semana após os tiros desfechados contra
seu opositor, Carlos Lacerda, Getúlio achava-se em Belo Horizonte. Estava
hospedado na residência oficial do então governador de Minas Gerais, Juscelino
Kubitschek, que o flagrou insone, de madrugada, escolhendo um título na
biblioteca.
“Nunca durmo sem antes ler um pouco”,
justificou Getúlio, segundo relato de Lira Neto. O presidente dirigiu-se aos
aposentos tendo em mãos um exemplar de Eça de Queirós. Doze dias depois, daria
cabo da própria vida.
Juscelino prezava os livros, mas, também,
quem os escrevia. “JK tinha mania de escritor”, registrou o escritor Autran
Dourado, que foi secretário de imprensa do mineiro na Presidência.
No governo de Minas, o chefe de gabinete de
JK era o contista Murilo Rubião, de “Teleco, o coelhinho”. Na Presidência, quem
ocupava o cargo era o escritor e jornalista Álvaro Lins.
Segundo Dourado, JK dizia não ter problemas
de corrupção com escritores, porque estes esperavam pouco do poder. Alguma
projeção para o nome e empregos de meio expediente para dedicarem-se no tempo
livre à literatura.
JK convidou os poetas Carlos Drummond de
Andrade e Manuel Bandeira, e o filólogo Antonio Houaiss, a formarem o acervo de
mais de 3 mil livros da biblioteca do Palácio da Alvorada. Cerca de 60 anos depois,
o local transformou-se em palco das “lives” das quintas-feiras do presidente
Jair Bolsonaro.
Embora frequente o espaço, Bolsonaro não é
afeito à literatura. O presidente é reconhecido pelo gosto pelas atividades
físicas e passeios de moto aos fins de semana.
A partir do elo histórico de alguns
presidentes com os livros, a coluna indagou aos demais pré-candidatos à
Presidência quais as leituras reservadas para o fim de ano.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), ao contrário do que se propalou, não se tornou um leitor frequente
durante o cárcere em Curitiba. Ele desenvolveu e cultivou o hábito entre 2011 e
2012, durante as exaustivas sessões de quimioterapia para combater o câncer de
laringe.
Naquela época, ganhou de Dilma Rousseff o
romance "O Homem que Amava os Cachorros", do cubano Leonardo Padura.
Uma década depois, Lula volta a Padura: está lendo “Como poeira ao vento”,
sobre uma família de exilados cubanos. Também dedica-se ao último título de
Chico Buarque: “Anos de chumbo e outros contos”.
O ex-juiz Sergio Moro (Podemos) busca
inspiração em um dos grandes líderes políticos americanos: o ex-presidente
Theodore Roosevelt (1858-1919).
Moro dedica-se às páginas de “The river of
doubt”, de Candice Millard. Na tradução em português, “O rio da dúvida”, sobre
a expedição de Roosevelt e Candido Rondon (1865-1958), que em 1914, mapearam um
rio desconhecido na Amazônia.
O governador de São Paulo e presidenciável
do PSDB, João Doria, está imerso no denso “Escravidão”, em que Laurentino Gomes
narra os acontecimentos do primeiro leilão de cativos em Portugal, até a morte
de Zumbi dos Palmares.
A escolha de Ciro Gomes, do PDT, dialoga
com a de Doria, porque investiga uma das sequelas da escravidão, o preconceito
pela cor da pele. A obra em questão é “Como o racismo criou o Brasil”, do
sociólogo Jessé Souza.
A senadora Simone Tebet (MS), pré-candidata
do MDB, está lendo a distopia “1984”, de George Orwell. Mas desaconselha o
título para esta época do ano, em que se deve flertar com a esperança de dias
melhores. Ao invés de Orwell, Tebet recomenda o lirismo de Manoel de Barros, o
grande poeta do Pantanal.
O presidente do Senado e pré-candidato do
PSD, Rodrigo Pacheco (MG), divide-se entre o suspense da votação do Orçamento
de 2022 e uma narrativa policial. Em “O crime da galeria de Cristal - e os dois
crimes da mala. São Paulo, 1908-1928”, o historiador Boris Fausto reconstitui
três crimes que chocaram a sociedade paulistana no início do século XX.
O senador Alessandro Vieira (SE),
pré-candidato do Cidadania, vai desbravar a coletânea sobre os principais temas
nacionais, organizada pelo economista Fabio Giambiagi em “O futuro do Brasil”.
Com essas dicas, a coluna parte para o seu retiro literário de fim de ano e retorna em janeiro.
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