terça-feira, 21 de dezembro de 2021

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Congresso se refestela, Bolsonaro silencia

O Estado de S. Paulo

Presidente usa vacinação de crianças contra covid-19 como distração enquanto parlamentares triplicam o fundo eleitoral, com apoio do governo

A tradicional farra com dinheiro público que acontece todo fim de ano nas votações do Congresso Nacional atingiu um novo ápice. Com apoio de 317 deputados e 53 senadores, os partidos terão R$ 5,7 bilhões para financiar suas campanhas políticas em 2022, quase o triplo dos R$ 2 bilhões do ano passado. Esse volume escandaloso de recursos do Orçamento poderá ser utilizado para viagens, contratação de cabos eleitorais e publicidade nas redes sociais. Ele se somará ao fundo partidário de R$ 1,1 bilhão, que banca a estrutura das legendas, mas também abastece o caixa das candidaturas.

O aumento do fundão teve apoio suprapartidário e contou com a constrangedora leniência do governo. Nem parece que Jair Bolsonaro transformou o tema em um cavalo de batalha há alguns meses, quando decidiu vetar a proposta e ignorar o acordo feito entre os partidos da base e responsabilizar o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), como se a iniciativa tivesse sido do vice-presidente da Câmara. A diferença é que, agora, o presidente tem um novo partido que precisa desses recursos para financiar sua tentativa de reeleição. Por isso, desta vez, optou por um conivente silêncio.

A posição do PL, no entanto, é reveladora sobre as reais intenções de Bolsonaro. Dos 40 deputados da bancada, apenas 2 votaram contra o aumento do fundo. Entre os cinco senadores da legenda, três concordaram com a derrubada do veto. Para se blindar das críticas de seus apoiadores, o presidente usou de sua tradicional estratégia diversionista e elegeu um novo tema para distraí-los: a vacinação de crianças contra a covid-19.

Primeiro, tentou intimidar os diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que aprovaram o uso do imunizante. Agora, Bolsonaro se dedica a criar dificuldades para que a decisão possa ser concretizada. Para isso, conta com o vergonhoso apoio do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e quer cobrar autorização dos pais e receita médica para a aplicação da vacina – como se crianças com idade entre 5 e 11 anos tivessem autonomia para ir aos postos de saúde desacompanhadas.

Todo o barulho bolsonarista deu a tranquilidade necessária para o Legislativo tomar uma decisão mais do que esperada a respeito do fundo eleitoral, que precisava de “atualização”, nas palavras do líder do PL no Senado, Carlos Portinho (RJ). O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), liberou a base para se posicionar como desejasse. “Trato de colocar aqui a posição da liderança do governo, entendendo que vários partidos políticos soltaram nota acerca do veto n.º 6 e que essa será uma decisão pessoal, partidária de cada parlamentar que estará em ano eleitoral no próximo ano. Deixaremos, então, a posição em aberto, por essa consequência”, disse.

O aumento do fundo eleitoral evidencia a desconexão da realidade por parte do governo e do Parlamento. Como justificar um valor dessa magnitude para o financiamento de campanhas eleitorais enquanto milhões de brasileiros passam fome e permanecerão nas filas do Auxílio Brasil em 2022? Se houve maioria para triplicar o fundão, como ainda não houve apoio suficiente para derrubar o veto ao Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, que prevê a oferta gratuita de absorventes femininos e outros cuidados de saúde menstrual a milhões de mulheres e adolescentes vulneráveis a uma fração do custo das campanhas? O que explica o adiamento da apreciação do veto ao projeto que amplia a cobertura dos planos de saúde para a quimioterapia oral a pacientes com câncer?

Necessidades urgentes como essas, deixadas para o segundo plano, reforçam a necessidade do fim do financiamento público de campanhas, criado sob o pretexto de moralizar o País após escândalos de desvios associados a doações privadas. Ao contrário do que defendem os parlamentares, o uso de recursos do Orçamento não é a única alternativa. O que os partidos não querem é ter o trabalho de buscar contribuições dos membros, conquistar o apoio de simpatizantes e ter de prestar contas sobre o uso desse dinheiro.

A elite que aplaude o atraso

O Estado de S. Paulo

A conivência com o incorrigível patrimonialismo de Bolsonaro é o caminho certo e seguro para o retrocesso

A uma plateia de empresários na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o presidente Jair Bolsonaro fez o discurso de encerramento do Fórum “Moderniza Brasil – Ambiente de Negócios”. Previsivelmente, Bolsonaro nada disse sobre modernização ou empreendedorismo e mesmo o Brasil foi eclipsado pelo seu tema predileto: ele mesmo.

O presidente começou se autocongratulando por suas indicações para os Ministérios, como um “técnico” que escala seus jogadores. Sem solução de continuidade, referiu-se a autoridades indicadas para as cortes superiores como se fossem só mais outros membros do seu “time”, chegando a sugerir que teria influenciado diretamente o voto de um ministro do STF no julgamento sobre as alíquotas do ICMS para os setores de energia e telecomunicações.

Então, Bolsonaro se propôs a mostrar “um pouquinho o que é governo”. Vangloriou-se por ter sido “o único” chefe de Estado contrário às políticas de contenção do coronavírus; por desmontar a fiscalização ambiental; e por “ripar” a direção de um órgão de Estado porque este havia cumprido sua função e embargado uma obra de um empresário amigo.

Tais falas eram recorrentemente precedidas por um sorriso malicioso, como que a insinuar aos empresários que, se reeleito, usaria do poder para privilegiar seus interesses. “Vamos supor que eu seja candidato. Eu vou ter 40% a meu favor dentro do Supremo”, disse, referindo-se às duas indicações à Corte previstas para o próximo mandatário.

Bolsonaro repetiu inverdades sobre a ameaça ao agronegócio do novo marco temporal das terras indígenas em votação no STF e sugeriu que, caso a sua vontade não prevaleça, terá de “tomar uma decisão”. Ao longo do discurso – pontuado por algumas marcas registradas, como palavrões, ridicularização de minorias ou alusões à sua vida sexual –, aproveitou para atacar indiscriminadamente supostos adversários (“os governadores”) e conjurar inimigos imaginários (“os comunistas”).

Nada há de novo nessa visão de governo. Demonizar adversários políticos como se fossem inimigos da Pátria e utilizar a máquina pública para privilegiar amigos e parentes é a agenda de Bolsonaro e seu clã há décadas, e ele pouco se esforçou por dissimulá-la. O lamentável, nesse caso específico, é que estas manifestações explícitas de patrimonialismo tenham sido recebidas por uma plateia formada pelas elites empresariais com gargalhadas e aplausos.

Nada há de ilegítimo em que um presidente da República indique mandatários para cargos públicos afins ao seu ideário político, muito menos que empresários se reúnam com autoridades públicas, ainda mais a autoridade máxima. Mas é um contrassenso uma elite – ou ao menos parte dela – que aplaude o atraso, enquanto anseia pela “modernização”. O patrimonialismo, a confusão entre o público e o privado, a hostilização daqueles que pensam diferente, o comportamento autoritário, o desrespeito à liturgia do cargo, nada disso é engraçado, tudo isso é atraso, e só contribui para degradar o ambiente de negócios no Brasil.

Sintomaticamente, enquanto o presidente disparava suas bravatas na Fiesp, o Fundo Monetário Internacional anunciava sua decisão de fechar seu escritório de representação em Brasília.

Se quisesse realmente modernizar o Brasil, Bolsonaro teria debatido com os empresários soluções para implementar reformas estruturantes, fortalecer o Estado de Direito, eliminar subsídios obsoletos e privilégios inaceitáveis, garantir um orçamento transparente e democrático e promover um sistema tributário mais simples e progressivo.

Outrora, propostas como essas chegaram a ser apresentadas como promessas de campanha. Já no poder, a autoestima de Bolsonaro é tamanha que ele renunciou até a hipocrisia – essa homenagem que o vício presta à virtude.

Etimologicamente, uma “elite” é o conjunto dos “eleitos”, as pessoas que se destacam por sua excelência em um determinado segmento social. Por seus talentos e aptidões, os empresários são como que eleitos para produzir, gerar riquezas, empregos e prosperidade social. É hora de cooperarem para eleger um líder para o País mais capaz de ajudá-los a cumprir essa missão.

Governo precisa começar logo a vacinar crianças

O Globo

São inaceitáveis as intimidações e ameaças a diretores e servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) após a aprovação, na quinta-feira, da vacinação contra a Covid-19 para crianças de 5 a 11 anos. A Anvisa cumpriu seu papel: decidiu com base em critérios científicos. Agora, o Ministério da Saúde precisa cumprir o seu. Aí começa o problema, pois a questão sai da esfera técnica para entrar nos labirintos da ideologia bolsonarista. A celeuma desnecessária só traz prejuízos à campanha de imunização e ao controle da pandemia.

Tão logo a Anvisa aprovou a vacina da Pfizer para crianças, o presidente Jair Bolsonaro deu início às intimidações. Disse que divulgaria o nome dos técnicos responsáveis pela decisão. “Queremos divulgar os nomes dessas pessoas para que todo mundo tome conhecimento (...) e obviamente forme seu juízo”, afirmou numa transmissão ao vivo. Foi a deixa para que funcionários da agência ficassem expostos a todo tipo de ameaça. A ponto de o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, pedir proteção à Polícia Federal.

É lamentável a postura do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Além de reproduzir as intimidações, ele disse que ouviria a câmara técnica e realizaria consulta pública. Perda de tempo. Primeiro, a análise já foi feita pela Anvisa e por todas as demais agências sanitárias internacionais que aprovaram a vacina. Segundo, a equipe do ministério formou consenso sobre a necessidade de vacinar crianças contra a Covid-19. O infectologista Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Pediatria, afirmou ao Jornal Nacional que a pasta nunca fez consulta pública para adotar vacinas. Queiroga tenta ganhar tempo para não se indispor com o chefe.

Fiel ao negacionismo, Bolsonaro tenta criar todo tipo de obstáculo à decisão da Anvisa. No domingo, orientou Queiroga a exigir um termo de responsabilidade assinado pelos pais e receita médica para permitir a vacinação de crianças: “Liguei para o Queiroga e dei uma diretriz para ele. Obviamente é ele quem bate o martelo porque é o médico da equipe”. Se a decisão depende de Queiroga, não é ele quem deveria dar as diretrizes sobre questões técnicas ao presidente? A ideia da autorização é totalmente estapafúrdia quando está em jogo a saúde pública. Dificulta a aplicação da vacina num momento em que o país precisa estar preparado para o alastramento da nova variante Ômicron.

O último contrato assinado com a Pfizer pelo Ministério da Saúde, para entrega de 100 milhões de doses em 2022, prevê a possibilidade de compra da vacina pediátrica, mas é preciso que o governo se mova. Em resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que o governo anunciará sua decisão apenas no dia 5 de janeiro.

Diante da ameaça da Ômicron, cuja transmissão ocorre em velocidade assustadora, há necessidade de vacinar a maior quantidade de gente possível. Estados Unidos e países da União Europeia já imunizam suas crianças. É uma forma também de aumentar a segurança no ambiente escolar, que precisará recuperar perdas de dois anos praticamente desperdiçados. Fundamental que o governo compre logo as vacinas, divulgue o calendário e deixe de criar obstáculos ridículos à vacinação de crianças. A despeito das incertezas sobre a Ômicron, ao ampliar a cobertura vacinal, o país certamente estará mais preparado para enfrentá-la.

O maior desafio do presidente eleito no Chile começa agora

O Globo

A vitória do ex-líder estudantil Gabriel Boric na eleição chilena no domingo foi inédita por mais de um motivo. O primeiro é a idade. Com apenas 35 anos, será o presidente mais jovem na história do país. Contrariando a tradição da política local, derrotou o rival José Antonio Kast no segundo turno, depois de ter ficado atrás no primeiro, em 21 de novembro. Obteve apoio de 4,6 milhões de eleitores (55,8% do total), a maior votação já registrada no país.

É um marco para o Chile e para a América Latina a derrota de um populista de extrema direita, filho de um ex-integrante do Partido Nazista alemão durante a Segunda Guerra Mundial, crítico do casamento gay e fã do ditador Augusto Pinochet, cujo regime é considerado responsável pela perseguição a 40 mil vítimas, entre executados, desaparecidos e torturados.

Numa campanha marcada pela polarização —vista como uma espécie de prenúncio do que poderia ser um segundo turno entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva em 2022 —, Kast teve ao menos a virtude de reconhecer o resultado prontamente, evitando o triste espetáculo protagonizado por Donald Trump nos Estados Unidos.

A derrota da extrema direita é certamente um sopro de vida para a democracia, mas a vitória de Boric não representa tanto alívio. Ao contrário, a ascensão dele traz alta dose de apreensão. Entre suas promessas de campanha há o plano de abolir os fundos de pensão privados, aumentar o salário mínimo em 50% e ampliar a participação do Estado na economia. Se o passado serve de guia, é um receituário que jamais entrega os resultados que promete.

No campo econômico, Boric poderá representar um retrocesso histórico no país latino-americano mais próximo do mundo rico. Se, a pretexto de atender a demandas sociais legítimas, o novo presidente lançar por terra o arcabouço de responsabilidade fiscal, abertura econômica e ambiente favorável a negócios que trouxe o Chile até aqui, corre o risco de devolver o país à armadilha da renda média, a maldição do continente.

Ao longo da campanha, Boric tentou se aproximar do centro do espectro político. Chegou a pedir desculpas pela arrogância de sua geração. Foi apoiado pelo Partido Democrata Cristão e pela ex-presidente socialista Michelle Bachelet. Seu êxito dependerá dessa capacidade de continuar conversando com as diferentes forças no Congresso, de trabalhar para formar consensos, de aprender que há uma distância entre os gritos de protesto nas ruas e a obrigação de tomar decisões que afetam a vida de milhões.

O fato de ser jovem pode ser uma vantagem, se ele estiver aberto ao aprendizado. Seu sucesso é importante não apenas para que a vida dos chilenos melhore, mas para manter os adoradores de ditadores longe não apenas do Palácio de la Moneda, mas de toda a região.

Cordilheira a escalar

Folha de S. Paulo

Polarizado, Chile elege esquerdista, mas caminho de Boric é mais que acidentado

Após uma campanha altamente polarizada, que deu mostras do que o brasileiro poderá ver em 2022, o Chile teve um segundo turno presidencial sem sobressaltos, com uma vitória relativamente confortável do esquerdista Gabriel Boric.

Com um placar de 55,9% a 44,1%, ele derrotou o direitista radical José Antonio Kast. Aos 35 anos, Boric só em fevereiro se tornou elegível ao cargo que ocupará a partir de março de 2022 —será o mais jovem presidente que o país já teve.

Torcedores à esquerda verão no triunfo um golpe fatal no apoio que o pinochetismo ainda reúne na sociedade chilena e, na sua encarnação brasileira, poderão vislumbrar uma renovação do campo que se diz progressista no continente e um caminho a seguir. A realidade, por certo, é mais complexa.

O eleito só chegou aonde chegou porque, entre a primeira e a segunda rodadas, buscou amainar algumas posições e angariou apoios na centro-esquerda que tradicionalmente alternava o poder com a centro-direita, na versão andina de concertação pós-ditadura, modelada na Espanha dos 1970.

Como no Brasil de 2018, o pleito foi marcado pela forte insatisfação com o establishment. A antipolítica está na origem de Boric, líder estudantil que também se destacou, já deputado, nas jornadas de 2019 que desaguaram na formação de uma Assembleia Constituinte.

Kast representa, nesse contexto, um Bolsonaro dos Andes. Assumia qualificações do proverbial "fascista" impingido pela esquerda a seus rivais. Até um pai egresso do Partido Nazista alemão tinha, mas o fato é que encabeçou uma vertente radicalizada de algo que subsiste no Chile, o pinochetismo.

O longo reino de Augusto Pinochet no poder, de 1973 a 1990, ainda trinca o país. Ecoando o que se faz no Planalto, o candidato até sacou a carta do anticomunismo.

Boric, até tentar se refazer como alguém capaz de negociar, ajudava, principalmente com suas companhias de aliança. Vencedor, terá de provar a capacidade sugerida, até porque não conta com maioria congressual e terá de lidar com a encalacrada Constituinte em curso.

Tal barafunda política ocorre em um dos países mais avançados, econômica e institucionalmente, de toda a América Latina. No cerne está o fato de que a pujança não derrubou uma profunda desigualdade, particularmente devido à crise do modelo de capitalização previdenciária em meio à mudança do perfil demográfico.

Outros governos já tocaram no tema, mas a explosão social de 2019 obrigará Boric a empenhar seu capital político em alguma solução de curto prazo, o que remete novamente à necessidade de apoio parlamentar. Será um caminho acidentado, para dizer o mínimo.

Assédio telefônico

Folha de S. Paulo

Vem em boa hora regra para conter telemarketing, de dimensões anormais no Brasil

Recorrente nas listas de principais reclamações aos órgãos de defesa do consumidor, o telemarketing invasivo há muito se converteu em fonte de perturbação e violação da privacidade dos brasileiros.

Essa espécie de assédio telefônico das empresas —um estorvo que, em última instância, vai contra tudo aquilo que ditam os manuais de venda— vem fazendo o Brasil liderar nos quatro últimos anos o ranking mundial de ligações indesejadas feito pelo Truecaller, aplicativo que identifica e bloqueia esse tipo de telefonema.

No período de 1º de janeiro a 31 de outubro deste ano, o país registrou nada menos que 33 chamadas spam, em média, por usuário ao mês. O abuso fica ainda mais evidente quando se observa que no segundo colocado da lista, o Peru, a média de ligações mensais foi de pouco mais da metade (18).

Aqui, a maior parcela dessas chamadas invasivas refere-se a serviços financeiros (44%), por parte de bancos, empresas de cartão de crédito e de empréstimos. Logo depois aparecem as concernentes a vendas (39%), que abarcam ofertas de produtos, promoções e assinaturas. Quanto ao restante (17%), trata-se de tentativas de golpe.

Vem em boa hora, portanto, a determinação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) obrigando as empresas de telemarketing a utilizarem um prefixo que faculte a todos a identificação de suas chamadas.

A iniciativa, que ajudará a separar o joio e o trigo telefônico, soma-se aos cadastros nacional e estaduais de usuários que não desejam receber tais ligações, de que é exemplo a plataforma Não Me Perturbe —instrumentos que, embora importantes, têm eficácia limitada.

Dentro de 90 dias, no caso de operadoras de telefonia móvel, e 180 dias, para as de telefonia fixa, todas as chamadas de telemarketing ativo, e somente elas, deverão exibir o código 0303 no início do número. As companhias, além disso, deverão realizar o bloqueio preventivo de chamadas quando solicitado pelo consumidor.

A Anatel avalia ainda criar um identificador exclusivo também para SMS, WhatsApp e ligações pela internet (Voip), meios que vêm ganhando proeminência na oferta de produtos e serviços.

Espera-se que a regra, boa na teoria, também o seja na prática. Isto é, que as empresas não busquem formas de burlá-la, a exemplo do que, como apontou a Anatel, tem ocorrido com o Não Me Perturbe.

Desafios do saneamento começam a ser encarados

Valor Econômico

É e dotar a Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) de capacidade para exercer a função de regulador federal do setor

O saneamento ganhou tração neste ano. Na esteira da vigência do novo marco regulatório, estima-se que cerca de R$ 50 bilhões serão investidos pelas concessões privadas autorizadas neste ano. O volume de recursos jamais visto quando apenas operava na área o setor público, cronicamente com problemas de caixa, fica em segundo lugar entre os investimentos de infraestrutura estimados por especialistas, só perdendo para telecomunicações, empenhadas na implantação do 5G.

Quase R$ 40 bilhões desse total foi comprometido em leilões de outorgas realizados neste ano, entre os quais os mais importantes foram os dos blocos 1,2 e 4 da Cedae, do Rio; o da região metropolitana de Alagoas, o de Cariacica e Viana, no Espírito Santo; o de esgotamento sanitário de Mato Grosso do Sul; e o leilão do Estado do Amapá. Considerado um dos principais testes do marco regulatório, por causa da baixa densidade populacional da área, o certame do Amapá atraiu R$ 3 bilhões em investimentos e quase R$ 2 bilhões em outorgas, e trouxe ao mercado uma empresa nova na área, a Equatorial, já conhecida na energia elétrica.

O restante está sendo garantido nos leilões deste mês. Um deles foi o de dois blocos regionais de Alagoas, com um total de R$ 1,65 bilhão em outorgas e R$ 2,9 bilhões em investimentos. A verdadeira chave de ouro do ano será o leilão do bloco 3 da Cedae, marcado para o dia 29. Esse lote não teve oferta quando os demais blocos do Rio foram arrematados, em abril, mas agora foi reformulado e teve sua atratividade turbinada, com o acréscimo de novas áreas.

O Marco Legal do Saneamento foi juridicamente reforçado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) deste mês que o considerou constitucional, contrariando o interesse de estatais do setor que lhe faziam oposição e queriam prolongar seus privilégios. Na votação do STF, o marco legal foi mantido por 7 a 3. Em seu voto, o relator e presidente da Corte, ministro Luiz Fux, defendeu que a lei buscou “incrementar a eficiência na prestação dos serviços, diante de novo regime de contratação pública” que aumenta a participação da iniciativa privada. Ele avaliou que a extinção dos chamados contratos de programa é “proporcional à autonomia negocial dos municípios, em prol da realização de objetivos setoriais legítimos”.

A arrancada do setor de saneamento pode não ser suficiente, porém, para recuperar o atraso que remonta aos tempos coloniais e para atingir as metas de universalização do acesso à água e ao esgoto no prazo previsto para 2033. No novo marco regulatório, o país se comprometeu a garantir água potável a 99% da população, e a coleta e tratamento de esgoto a 90% dentro de 11 anos - benefícios que muitos países conquistaram no início do século XX.

As metas parecem desafiadoras em comparação com os números atuais, divulgados na semana passada pelo do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), do Ministério do Desenvolvimento Regional. No fim do ano passado, 33,7 milhões de brasileiros não contavam com água encanada e a população atendida representava 84,1% do total, ligeiramente mais do que os 83,7% de 2019.

Mas nada se compara com o desafio na frente do esgotamento sanitário. Ao final de 2020, 95,3 milhões de brasileiros não tinham rede de coleta de esgoto. Visto de outra forma, apenas 55% dos brasileiros eram atendidos por rede de esgoto, pequeno avanço em relação aos 54,1% de 2019. Além disso, só metade do material coletado era tratado. Dessa forma, o desafio é coletar o esgoto produzido por nada menos do que 153 milhões de brasileiros.

Não é à toa que alguns especialistas consideram o plano de saneamento do Brasil um dos maiores programas ambientais já feitos, pois resultará na despoluição de 120 mil quilômetros de rios. Se tudo der certo, será finalmente despoluída a Baia de Guanabara, pela Águas do Rio, do grupo Aegea, que assumiu parte da Cedae e prometeu acabar com o despejo de esgoto in natura nos 143 rios e córregos, além das galerias pluviais, que desaguam na baía até 2033. A tarefa foi tentada sem sucesso duas vezes pelo governo estadual.

Há ainda desafios como extinguir os 3,1 mil lixões a céu aberto, espalhados pelo país; explorar a distribuição da água de reúso, além de diminuir o desperdício de água, que está perto de incríveis 40% em média, e dotar a Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) de capacidade para exercer a função de regulador federal do setor a partir do novo marco legal.

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