EDITORIAIS
Congresso se refestela, Bolsonaro silencia
O Estado de S. Paulo
Presidente usa vacinação de crianças contra covid-19 como distração enquanto parlamentares triplicam o fundo eleitoral, com apoio do governo
A tradicional farra com dinheiro público
que acontece todo fim de ano nas votações do Congresso Nacional atingiu um novo
ápice. Com apoio de 317 deputados e 53 senadores, os partidos terão R$ 5,7
bilhões para financiar suas campanhas políticas em 2022, quase o triplo dos R$
2 bilhões do ano passado. Esse volume escandaloso de recursos do Orçamento
poderá ser utilizado para viagens, contratação de cabos eleitorais e
publicidade nas redes sociais. Ele se somará ao fundo partidário de R$ 1,1
bilhão, que banca a estrutura das legendas, mas também abastece o caixa das
candidaturas.
O aumento do fundão teve apoio suprapartidário e contou com a constrangedora leniência do governo. Nem parece que Jair Bolsonaro transformou o tema em um cavalo de batalha há alguns meses, quando decidiu vetar a proposta e ignorar o acordo feito entre os partidos da base e responsabilizar o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), como se a iniciativa tivesse sido do vice-presidente da Câmara. A diferença é que, agora, o presidente tem um novo partido que precisa desses recursos para financiar sua tentativa de reeleição. Por isso, desta vez, optou por um conivente silêncio.
A posição do PL, no entanto, é reveladora
sobre as reais intenções de Bolsonaro. Dos 40 deputados da bancada, apenas 2
votaram contra o aumento do fundo. Entre os cinco senadores da legenda, três
concordaram com a derrubada do veto. Para se blindar das críticas de seus
apoiadores, o presidente usou de sua tradicional estratégia diversionista e
elegeu um novo tema para distraí-los: a vacinação de crianças contra a
covid-19.
Primeiro, tentou intimidar os diretores da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que aprovaram o uso do
imunizante. Agora, Bolsonaro se dedica a criar dificuldades para que a decisão
possa ser concretizada. Para isso, conta com o vergonhoso apoio do ministro da
Saúde, Marcelo Queiroga, e quer cobrar autorização dos pais e receita médica
para a aplicação da vacina – como se crianças com idade entre 5 e 11 anos
tivessem autonomia para ir aos postos de saúde desacompanhadas.
Todo o barulho bolsonarista deu a
tranquilidade necessária para o Legislativo tomar uma decisão mais do que
esperada a respeito do fundo eleitoral, que precisava de “atualização”, nas
palavras do líder do PL no Senado, Carlos Portinho (RJ). O líder do governo no
Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), liberou a base para se posicionar como
desejasse. “Trato de colocar aqui a posição da liderança do governo, entendendo
que vários partidos políticos soltaram nota acerca do veto n.º 6 e que essa
será uma decisão pessoal, partidária de cada parlamentar que estará em ano
eleitoral no próximo ano. Deixaremos, então, a posição em aberto, por essa
consequência”, disse.
O aumento do fundo eleitoral evidencia a
desconexão da realidade por parte do governo e do Parlamento. Como justificar
um valor dessa magnitude para o financiamento de campanhas eleitorais enquanto
milhões de brasileiros passam fome e permanecerão nas filas do Auxílio Brasil
em 2022? Se houve maioria para triplicar o fundão, como ainda não houve apoio
suficiente para derrubar o veto ao Programa de Proteção e Promoção da Saúde
Menstrual, que prevê a oferta gratuita de absorventes femininos e outros
cuidados de saúde menstrual a milhões de mulheres e adolescentes vulneráveis a
uma fração do custo das campanhas? O que explica o adiamento da apreciação do
veto ao projeto que amplia a cobertura dos planos de saúde para a quimioterapia
oral a pacientes com câncer?
Necessidades urgentes como essas, deixadas
para o segundo plano, reforçam a necessidade do fim do financiamento público de
campanhas, criado sob o pretexto de moralizar o País após escândalos de desvios
associados a doações privadas. Ao contrário do que defendem os parlamentares, o
uso de recursos do Orçamento não é a única alternativa. O que os partidos não
querem é ter o trabalho de buscar contribuições dos membros, conquistar o apoio
de simpatizantes e ter de prestar contas sobre o uso desse dinheiro.
A elite que aplaude o atraso
O Estado de S. Paulo
A conivência com o incorrigível
patrimonialismo de Bolsonaro é o caminho certo e seguro para o retrocesso
A uma plateia de empresários na Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o presidente Jair Bolsonaro fez
o discurso de encerramento do Fórum “Moderniza Brasil – Ambiente de Negócios”.
Previsivelmente, Bolsonaro nada disse sobre modernização ou empreendedorismo e
mesmo o Brasil foi eclipsado pelo seu tema predileto: ele mesmo.
O presidente começou se autocongratulando
por suas indicações para os Ministérios, como um “técnico” que escala seus
jogadores. Sem solução de continuidade, referiu-se a autoridades indicadas para
as cortes superiores como se fossem só mais outros membros do seu “time”,
chegando a sugerir que teria influenciado diretamente o voto de um ministro do
STF no julgamento sobre as alíquotas do ICMS para os setores de energia e
telecomunicações.
Então, Bolsonaro se propôs a mostrar “um
pouquinho o que é governo”. Vangloriou-se por ter sido “o único” chefe de
Estado contrário às políticas de contenção do coronavírus; por desmontar a
fiscalização ambiental; e por “ripar” a direção de um órgão de Estado porque
este havia cumprido sua função e embargado uma obra de um empresário amigo.
Tais falas eram recorrentemente precedidas
por um sorriso malicioso, como que a insinuar aos empresários que, se reeleito,
usaria do poder para privilegiar seus interesses. “Vamos supor que eu seja
candidato. Eu vou ter 40% a meu favor dentro do Supremo”, disse, referindo-se
às duas indicações à Corte previstas para o próximo mandatário.
Bolsonaro repetiu inverdades sobre a ameaça
ao agronegócio do novo marco temporal das terras indígenas em votação no STF e
sugeriu que, caso a sua vontade não prevaleça, terá de “tomar uma decisão”. Ao
longo do discurso – pontuado por algumas marcas registradas, como palavrões,
ridicularização de minorias ou alusões à sua vida sexual –, aproveitou para
atacar indiscriminadamente supostos adversários (“os governadores”) e conjurar
inimigos imaginários (“os comunistas”).
Nada há de novo nessa visão de governo.
Demonizar adversários políticos como se fossem inimigos da Pátria e utilizar a
máquina pública para privilegiar amigos e parentes é a agenda de Bolsonaro e
seu clã há décadas, e ele pouco se esforçou por dissimulá-la. O lamentável,
nesse caso específico, é que estas manifestações explícitas de patrimonialismo
tenham sido recebidas por uma plateia formada pelas elites empresariais com
gargalhadas e aplausos.
Nada há de ilegítimo em que um presidente
da República indique mandatários para cargos públicos afins ao seu ideário
político, muito menos que empresários se reúnam com autoridades públicas, ainda
mais a autoridade máxima. Mas é um contrassenso uma elite – ou ao menos parte
dela – que aplaude o atraso, enquanto anseia pela “modernização”. O
patrimonialismo, a confusão entre o público e o privado, a hostilização
daqueles que pensam diferente, o comportamento autoritário, o desrespeito à
liturgia do cargo, nada disso é engraçado, tudo isso é atraso, e só contribui
para degradar o ambiente de negócios no Brasil.
Sintomaticamente, enquanto o presidente
disparava suas bravatas na Fiesp, o Fundo Monetário Internacional anunciava sua
decisão de fechar seu escritório de representação em Brasília.
Se quisesse realmente modernizar o Brasil,
Bolsonaro teria debatido com os empresários soluções para implementar reformas
estruturantes, fortalecer o Estado de Direito, eliminar subsídios obsoletos e
privilégios inaceitáveis, garantir um orçamento transparente e democrático e
promover um sistema tributário mais simples e progressivo.
Outrora, propostas como essas chegaram a
ser apresentadas como promessas de campanha. Já no poder, a autoestima de
Bolsonaro é tamanha que ele renunciou até a hipocrisia – essa homenagem que o
vício presta à virtude.
Etimologicamente, uma “elite” é o conjunto
dos “eleitos”, as pessoas que se destacam por sua excelência em um determinado
segmento social. Por seus talentos e aptidões, os empresários são como que
eleitos para produzir, gerar riquezas, empregos e prosperidade social. É hora
de cooperarem para eleger um líder para o País mais capaz de ajudá-los a
cumprir essa missão.
Governo precisa começar logo a vacinar
crianças
O Globo
São inaceitáveis as intimidações e ameaças
a diretores e servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
após a aprovação, na quinta-feira, da vacinação contra a Covid-19 para crianças
de 5 a 11 anos. A Anvisa cumpriu seu papel: decidiu com base em critérios
científicos. Agora, o Ministério da Saúde precisa cumprir o seu. Aí começa o
problema, pois a questão sai da esfera técnica para entrar nos labirintos da
ideologia bolsonarista. A celeuma desnecessária só traz prejuízos à campanha de
imunização e ao controle da pandemia.
Tão logo a Anvisa aprovou a vacina da
Pfizer para crianças, o presidente Jair Bolsonaro deu início às intimidações.
Disse que divulgaria o nome dos técnicos responsáveis pela decisão. “Queremos
divulgar os nomes dessas pessoas para que todo mundo tome conhecimento (...) e
obviamente forme seu juízo”, afirmou numa transmissão ao vivo. Foi a deixa para
que funcionários da agência ficassem expostos a todo tipo de ameaça. A ponto de
o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, pedir proteção à Polícia Federal.
É lamentável a postura do ministro da
Saúde, Marcelo Queiroga. Além de reproduzir as intimidações, ele disse que
ouviria a câmara técnica e realizaria consulta pública. Perda de tempo.
Primeiro, a análise já foi feita pela Anvisa e por todas as demais agências
sanitárias internacionais que aprovaram a vacina. Segundo, a equipe do
ministério formou consenso sobre a necessidade de vacinar crianças contra a
Covid-19. O infectologista Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Pediatria,
afirmou ao Jornal Nacional que a pasta nunca fez consulta pública para adotar
vacinas. Queiroga tenta ganhar tempo para não se indispor com o chefe.
Fiel ao negacionismo, Bolsonaro tenta criar
todo tipo de obstáculo à decisão da Anvisa. No domingo, orientou Queiroga a
exigir um termo de responsabilidade assinado pelos pais e receita médica para
permitir a vacinação de crianças: “Liguei para o Queiroga e dei uma diretriz
para ele. Obviamente é ele quem bate o martelo porque é o médico da equipe”. Se
a decisão depende de Queiroga, não é ele quem deveria dar as diretrizes sobre
questões técnicas ao presidente? A ideia da autorização é totalmente
estapafúrdia quando está em jogo a saúde pública. Dificulta a aplicação da
vacina num momento em que o país precisa estar preparado para o alastramento da
nova variante Ômicron.
O último contrato assinado com a Pfizer
pelo Ministério da Saúde, para entrega de 100 milhões de doses em 2022, prevê a
possibilidade de compra da vacina pediátrica, mas é preciso que o governo se
mova. Em resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia-Geral da União
(AGU) informou que o governo anunciará sua decisão apenas no dia 5 de janeiro.
Diante da ameaça da Ômicron, cuja
transmissão ocorre em velocidade assustadora, há necessidade de vacinar a maior
quantidade de gente possível. Estados Unidos e países da União Europeia já
imunizam suas crianças. É uma forma também de aumentar a segurança no ambiente
escolar, que precisará recuperar perdas de dois anos praticamente
desperdiçados. Fundamental que o governo compre logo as vacinas, divulgue o
calendário e deixe de criar obstáculos ridículos à vacinação de crianças. A
despeito das incertezas sobre a Ômicron, ao ampliar a cobertura vacinal, o país
certamente estará mais preparado para enfrentá-la.
O maior desafio do presidente eleito no
Chile começa agora
O Globo
A vitória do ex-líder estudantil Gabriel
Boric na eleição chilena no domingo foi inédita por mais de um motivo. O
primeiro é a idade. Com apenas 35 anos, será o presidente mais jovem na
história do país. Contrariando a tradição da política local, derrotou o rival
José Antonio Kast no segundo turno, depois de ter ficado atrás no primeiro, em
21 de novembro. Obteve apoio de 4,6 milhões de eleitores (55,8% do total), a
maior votação já registrada no país.
É um marco para o Chile e para a América Latina
a derrota de um populista de extrema direita, filho de um ex-integrante do
Partido Nazista alemão durante a Segunda Guerra Mundial, crítico do casamento
gay e fã do ditador Augusto Pinochet, cujo regime é considerado responsável
pela perseguição a 40 mil vítimas, entre executados, desaparecidos e
torturados.
Numa campanha marcada pela polarização
—vista como uma espécie de prenúncio do que poderia ser um segundo turno entre
Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva em 2022 —, Kast teve ao menos a virtude
de reconhecer o resultado prontamente, evitando o triste espetáculo
protagonizado por Donald Trump nos Estados Unidos.
A derrota da extrema direita é certamente
um sopro de vida para a democracia, mas a vitória de Boric não representa tanto
alívio. Ao contrário, a ascensão dele traz alta dose de apreensão. Entre suas
promessas de campanha há o plano de abolir os fundos de pensão privados,
aumentar o salário mínimo em 50% e ampliar a participação do Estado na
economia. Se o passado serve de guia, é um receituário que jamais entrega os
resultados que promete.
No campo econômico, Boric poderá
representar um retrocesso histórico no país latino-americano mais próximo do
mundo rico. Se, a pretexto de atender a demandas sociais legítimas, o novo
presidente lançar por terra o arcabouço de responsabilidade fiscal, abertura
econômica e ambiente favorável a negócios que trouxe o Chile até aqui, corre o
risco de devolver o país à armadilha da renda média, a maldição do continente.
Ao longo da campanha, Boric tentou se
aproximar do centro do espectro político. Chegou a pedir desculpas pela
arrogância de sua geração. Foi apoiado pelo Partido Democrata Cristão e pela
ex-presidente socialista Michelle Bachelet. Seu êxito dependerá dessa
capacidade de continuar conversando com as diferentes forças no Congresso, de
trabalhar para formar consensos, de aprender que há uma distância entre os
gritos de protesto nas ruas e a obrigação de tomar decisões que afetam a vida
de milhões.
O fato de ser jovem pode ser uma vantagem,
se ele estiver aberto ao aprendizado. Seu sucesso é importante não apenas para
que a vida dos chilenos melhore, mas para manter os adoradores de ditadores
longe não apenas do Palácio de la Moneda, mas de toda a região.
Cordilheira a escalar
Folha de S. Paulo
Polarizado, Chile elege esquerdista, mas
caminho de Boric é mais que acidentado
Após uma campanha altamente polarizada, que
deu mostras do que o brasileiro poderá ver em 2022, o Chile teve um segundo
turno presidencial sem sobressaltos, com uma vitória
relativamente confortável do esquerdista Gabriel Boric.
Com um placar de 55,9% a 44,1%, ele
derrotou o direitista radical José Antonio Kast. Aos 35 anos, Boric só em
fevereiro se tornou elegível ao cargo que ocupará a partir de março de 2022
—será o mais jovem presidente que o país já teve.
Torcedores à esquerda verão no triunfo um
golpe fatal no apoio que o pinochetismo ainda reúne na sociedade chilena e, na
sua encarnação brasileira, poderão vislumbrar uma renovação do campo que se diz
progressista no continente e um caminho a seguir. A realidade, por certo, é
mais complexa.
O eleito só chegou aonde chegou porque,
entre a primeira e a segunda rodadas, buscou amainar algumas posições e angariou
apoios na centro-esquerda que tradicionalmente alternava o poder com a
centro-direita, na versão andina de concertação pós-ditadura, modelada na
Espanha dos 1970.
Como no Brasil de 2018, o pleito foi
marcado pela forte insatisfação com o establishment. A antipolítica está na
origem de Boric, líder estudantil que também se destacou, já deputado, nas
jornadas de 2019 que desaguaram na formação de uma Assembleia Constituinte.
Kast representa, nesse contexto, um
Bolsonaro dos Andes. Assumia qualificações do proverbial "fascista"
impingido pela esquerda a seus rivais. Até um pai egresso do Partido Nazista
alemão tinha, mas o fato é que encabeçou uma vertente radicalizada de algo que
subsiste no Chile, o pinochetismo.
O longo reino de Augusto Pinochet no poder,
de 1973 a 1990, ainda trinca o país. Ecoando o que se faz no Planalto, o
candidato até sacou a carta do anticomunismo.
Boric, até tentar se refazer como alguém
capaz de negociar, ajudava, principalmente com suas companhias de aliança.
Vencedor, terá de provar a capacidade sugerida, até porque não conta com
maioria congressual e terá de lidar com a encalacrada Constituinte em curso.
Tal barafunda política ocorre em um dos
países mais avançados, econômica e institucionalmente, de toda a América
Latina. No cerne está o fato de que a pujança não derrubou uma profunda
desigualdade, particularmente devido à crise do modelo de capitalização
previdenciária em meio à mudança do perfil demográfico.
Outros governos já tocaram no tema, mas a
explosão social de 2019 obrigará Boric a empenhar seu capital político em
alguma solução de curto prazo, o que remete novamente à necessidade de apoio
parlamentar. Será um caminho acidentado, para dizer o mínimo.
Assédio telefônico
Folha de S. Paulo
Vem em boa hora regra para conter
telemarketing, de dimensões anormais no Brasil
Recorrente nas listas de principais
reclamações aos órgãos de defesa do consumidor, o telemarketing invasivo há
muito se converteu em fonte de perturbação e violação da privacidade dos
brasileiros.
Essa espécie de assédio telefônico das
empresas —um estorvo que, em última instância, vai contra tudo aquilo que ditam
os manuais de venda— vem fazendo o Brasil liderar nos quatro últimos anos
o ranking
mundial de ligações indesejadas feito pelo Truecaller, aplicativo
que identifica e bloqueia esse tipo de telefonema.
No período de 1º de janeiro a 31 de outubro
deste ano, o país registrou nada menos que 33 chamadas spam, em média, por
usuário ao mês. O abuso fica ainda mais evidente quando se observa que no
segundo colocado da lista, o Peru, a média de ligações mensais foi de pouco
mais da metade (18).
Aqui, a maior parcela dessas chamadas
invasivas refere-se a serviços financeiros (44%), por parte de bancos, empresas
de cartão de crédito e de empréstimos. Logo depois aparecem as concernentes a
vendas (39%), que abarcam ofertas de produtos, promoções e assinaturas. Quanto
ao restante (17%), trata-se de tentativas de golpe.
Vem em boa hora, portanto, a determinação
da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) obrigando as
empresas de telemarketing a utilizarem um prefixo que faculte a
todos a identificação de suas chamadas.
A iniciativa, que ajudará a separar o joio
e o trigo telefônico, soma-se aos cadastros nacional e estaduais de usuários
que não desejam receber tais ligações, de que é exemplo a plataforma Não Me
Perturbe —instrumentos que, embora importantes, têm eficácia limitada.
Dentro de 90 dias, no caso de operadoras de
telefonia móvel, e 180 dias, para as de telefonia fixa, todas as chamadas de
telemarketing ativo, e somente elas, deverão exibir o código 0303 no início do
número. As companhias, além disso, deverão realizar o bloqueio preventivo de
chamadas quando solicitado pelo consumidor.
A Anatel avalia ainda criar um
identificador exclusivo também para SMS, WhatsApp e ligações pela internet
(Voip), meios que vêm ganhando proeminência na oferta de produtos e serviços.
Espera-se que a regra, boa na teoria,
também o seja na prática. Isto é, que as empresas não busquem formas de
burlá-la, a exemplo do que, como apontou a Anatel, tem ocorrido com o Não Me
Perturbe.
Desafios do saneamento começam a ser
encarados
Valor Econômico
É e dotar a Agência Nacional de Águas e
Saneamento (ANA) de capacidade para exercer a função de regulador federal do
setor
O saneamento ganhou tração neste ano. Na
esteira da vigência do novo marco regulatório, estima-se que cerca de R$ 50
bilhões serão investidos pelas concessões privadas autorizadas neste ano. O
volume de recursos jamais visto quando apenas operava na área o setor público,
cronicamente com problemas de caixa, fica em segundo lugar entre os
investimentos de infraestrutura estimados por especialistas, só perdendo para
telecomunicações, empenhadas na implantação do 5G.
Quase R$ 40 bilhões desse total foi
comprometido em leilões de outorgas realizados neste ano, entre os quais os
mais importantes foram os dos blocos 1,2 e 4 da Cedae, do Rio; o da região
metropolitana de Alagoas, o de Cariacica e Viana, no Espírito Santo; o de
esgotamento sanitário de Mato Grosso do Sul; e o leilão do Estado do Amapá.
Considerado um dos principais testes do marco regulatório, por causa da baixa
densidade populacional da área, o certame do Amapá atraiu R$ 3 bilhões em
investimentos e quase R$ 2 bilhões em outorgas, e trouxe ao mercado uma empresa
nova na área, a Equatorial, já conhecida na energia elétrica.
O restante está sendo garantido nos leilões
deste mês. Um deles foi o de dois blocos regionais de Alagoas, com um total de
R$ 1,65 bilhão em outorgas e R$ 2,9 bilhões em investimentos. A verdadeira
chave de ouro do ano será o leilão do bloco 3 da Cedae, marcado para o dia 29.
Esse lote não teve oferta quando os demais blocos do Rio foram arrematados, em
abril, mas agora foi reformulado e teve sua atratividade turbinada, com o
acréscimo de novas áreas.
O Marco Legal do Saneamento foi
juridicamente reforçado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) deste
mês que o considerou constitucional, contrariando o interesse de estatais do
setor que lhe faziam oposição e queriam prolongar seus privilégios. Na votação
do STF, o marco legal foi mantido por 7 a 3. Em seu voto, o relator e
presidente da Corte, ministro Luiz Fux, defendeu que a lei buscou “incrementar
a eficiência na prestação dos serviços, diante de novo regime de contratação
pública” que aumenta a participação da iniciativa privada. Ele avaliou que a
extinção dos chamados contratos de programa é “proporcional à autonomia negocial
dos municípios, em prol da realização de objetivos setoriais legítimos”.
A arrancada do setor de saneamento pode não
ser suficiente, porém, para recuperar o atraso que remonta aos tempos coloniais
e para atingir as metas de universalização do acesso à água e ao esgoto no
prazo previsto para 2033. No novo marco regulatório, o país se comprometeu a
garantir água potável a 99% da população, e a coleta e tratamento de esgoto a
90% dentro de 11 anos - benefícios que muitos países conquistaram no início do
século XX.
As metas parecem desafiadoras em comparação
com os números atuais, divulgados na semana passada pelo do Sistema Nacional de
Informações sobre Saneamento (Snis), do Ministério do Desenvolvimento Regional.
No fim do ano passado, 33,7 milhões de brasileiros não contavam com água
encanada e a população atendida representava 84,1% do total, ligeiramente mais
do que os 83,7% de 2019.
Mas nada se compara com o desafio na frente
do esgotamento sanitário. Ao final de 2020, 95,3 milhões de brasileiros não
tinham rede de coleta de esgoto. Visto de outra forma, apenas 55% dos
brasileiros eram atendidos por rede de esgoto, pequeno avanço em relação aos
54,1% de 2019. Além disso, só metade do material coletado era tratado. Dessa
forma, o desafio é coletar o esgoto produzido por nada menos do que 153 milhões
de brasileiros.
Não é à toa que alguns especialistas
consideram o plano de saneamento do Brasil um dos maiores programas ambientais
já feitos, pois resultará na despoluição de 120 mil quilômetros de rios. Se
tudo der certo, será finalmente despoluída a Baia de Guanabara, pela Águas do
Rio, do grupo Aegea, que assumiu parte da Cedae e prometeu acabar com o despejo
de esgoto in natura nos 143 rios e córregos, além das galerias pluviais, que desaguam
na baía até 2033. A tarefa foi tentada sem sucesso duas vezes pelo governo
estadual.
Há ainda desafios como extinguir os 3,1 mil
lixões a céu aberto, espalhados pelo país; explorar a distribuição da água de
reúso, além de diminuir o desperdício de água, que está perto de incríveis 40%
em média, e dotar a Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) de capacidade
para exercer a função de regulador federal do setor a partir do novo marco
legal.
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