Folha de S. Paulo
Radicalização nas redes sociais segue a
todo vapor e promete ser mais violenta que em 2018
A se acreditar nas pesquisas até agora,
a vitória
de Lula no ano que vem é líquida e certa. E que Bolsonaro perderia no
segundo turno contra qualquer oponente. Conforme nos aproximemos da eleição,
contudo, tudo pode mudar. Não devemos descartar Bolsonaro tão cedo.
O presidente tem um ativo que nenhum outro candidato, até agora, tem: engajamento e militância. Nas ruas, a diferença é gritante: protestos enormes; aglomeração de apoiadores para aplaudi-lo onde quer que vá. O mesmo não acontece com Lula. Não há contradição entre liderar com folga as pesquisas e não ter engajamento popular —Biden que o diga. Mas a desigualdade de engajamento indica, no mínimo, que Bolsonaro terá larga vantagem no número de voluntários a seu favor no ano que vem.
E ele também aprendeu a usar os meios mais
eficazes para manter essa vantagem: as
redes sociais. A radicalização via redes sociais (incluindo os aplicativos
de mensagem direta) segue a todo vapor, e 2022 promete ser ainda mais sujo e
violento que 2018. Foi uma mostra de seu poder o feito de mobilizar mais de 2
milhões de pessoas para votar em Bolsonaro como Pessoa
do Ano na enquete da revista Time no início do mês. E o aplicativo
utilizado para isso, o Telegram,
tem tudo para ser a principal arma do combate eleitoral.
O Whatsapp, concorrente do Telegram, vem
tomando medidas para enfraquecer o poder de difusão
de conteúdo polarizante. O número máximo de membros num grupo é 256, só é
possível replicar um conteúdo para cinco outros perfis simultaneamente
(limitação que entrou em vigor em 2019). Com conteúdos altamente replicados,
esse número cai para um. No Telegram, nada disso vale. Os grupos podem chegar a
200 mil membros cada, e a difusão de conteúdo é completamente livre.
É no mínimo irônico que essas ações do
WhatsApp para coibir as fake news funcionem na exata medida em que tolhem
justamente o fator distintivo das redes sociais: dar a todo e qualquer cidadão
a possibilidade de se manifestar para as multidões. Limitar as redes parece
dizer "queremos que o cidadão comum se manifeste, mas não muito!". A
única salvaguarda que nos protege contra líderes populistas é a limitação do
poder que poderia estar nas mãos do cidadão comum, e isso por decisão de uns
poucos bilionários da tecnologia?
Meu lado otimista prefere acreditar que
não: a sociedade ainda vai amadurecer no seu uso da informação. Mas um olhar
realista também vê limites nessas salvaguardas democráticas criadas pelas big
techs.
Os grandes magnatas das redes concentram,
de fato, muito poder. Nada garante, contudo, que esse poder seja
duradouro. Mark
Zuckerberg, por mais que tente nos convencer que a próxima revolução virá de
sua empresa e do "metaverso" por ele criado, hoje se
preocupa com o fato de suas redes serem incapazes de atrair usuários mais
jovens. E isso enquanto os olhos da política mundial voltam-se todos contra
ele, cobrando novas restrições para combater fake news. A cada nova restrição,
mais atraente se tornam seus rivais, como o Telegram, onde há mais liberdade.
O poder vai aos poucos passando de mãos,
indo para aplicativos como o Telegram e TikTok, empresas respectivamente russa
e chinesa, países cujos governos têm todo o interesse em controlar a livre
expressão, mas não em direções que favoreçam a ciência e o conhecimento
objetivo. Não está claro como venceremos esses tempos de
"pós-verdade" e polarização. Mas a ameaça que eles trazem continuará
conosco muito além de 2022.
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