Valor Econômico
Fed mais duro e avanço da ômicron tornam o
quadro para o Brasil em 2022 mais complicado
As perspectivas para a economia brasileira
no começo de 2022 tornaram-se um pouco mais complicadas. Com o avanço da ômicron,
está em curso um aumento expressivo do número de casos de covid-19 no país, o
que deverá ter algum efeito sobre a atividade econômica no primeiro trimestre,
ainda que limitado. Além disso, o Federal Reserve (Fed, o banco central
americano) indicou na semana passada que vai elevar os juros antes do que a
maior parte dos analistas esperava. É uma notícia desfavorável para países
emergentes como o Brasil, colocando pressão sobre as moedas desses países.
Por enquanto, esses dois aspectos ainda não provocaram revisões nas estimativas de crescimento para o ano, mas são dois pontos que apontam para um cenário mais complexo para o país. A expectativa dominante já era de uma economia fraca em 2022, dada a combinação de inflação resistente, juros em alta e incertezas fiscais e políticas elevadas, num ano de eleições presidenciais. O consenso de mercado é de um crescimento de apenas 0,36%, com alguns analistas projetando contração do PIB na casa de 0,5%.
Para o economista-chefe da MB Associados,
Sergio Vale, a onda de contágio acelerado da ômicron deverá ter um “certo
impacto” sobre a atividade, “especialmente em serviços que tendem a retomar com
mais lentidão no primeiro trimestre”. Esse repique da pandemia ocorre num
quadro de uma economia já enfraquecida, com inflação e juros mais elevados, o
que pode ter o efeito “de manter o estado de estagnação”, afirma Vale. Ele
ressalta que o resultado do PIB no quarto trimestre de 2021 pode ter sido negativo,
considerando provável que “isso possa acontecer também no primeiro trimestre
deste ano, especialmente por causa dos serviços.” No segundo e no terceiro
trimestre do ano passado, o PIB já recuou em relação aos três meses anteriores.
Vale estima um crescimento de 4,5% em 2021
e de zero em 2022. No entanto, o peso adicional de um avanço mais forte da
covid no começo do ano “pode levar o PIB para terreno negativo”, diz ele,
explicando que a projeção de uma economia estável está muito atrelada aos juros
altos e à incerteza eleitoral.
Em relatório sobre os impacto econômicos da
ômicron, o Bank of America (BofA) afirma esperar um padrão de alta e queda
abruptas de casos na maior parte dos países. O cenário-base da equipe do
economista Ethan Harris é um choque de cerca de dois meses em cada região. Na
visão do BofA, a evidência até o momento sugere que a fase aguda da ômicron
deve durar cerca de metade da onda da variante delta. Na África do Sul, a delta
levou 106 dias para fazer os casos subirem de 2 mil para 20 mil por dia e
depois recuarem novamente para a casa de 2 mil. Extrapolando a tendência para a
ômicron, essa trajetória tenderia a durar 60 dias. Por ser altamente
transmissível, o BofA avalia que a nova onda atingirá os países em ondas
sucessivas. A boa notícia é que a gravidade da doença causada pela ômicron
parece bem menor do que a de uma variante como a delta, levando a um número
mais baixo de hospitalizações e mortes, num momento em que fatias mais
expressivas das populações estão vacinadas.
Nesse quadro, o maior impacto da nova onda
sobre a economia global deve ser um choque curto e intenso na oferta de
trabalho, afirmam os economistas do BofA. Segundo eles, é o que tem ocorrido
nos EUA, onde o número de trabalhadores em quarentena pode atingir um pico de
mais de quatro milhões. No âmbito global, o afastamento de funcionários do
trabalho por causa da ômicron tende a provocar perturbações sucessivas em
setores diferentes da economia, à medida que a variante passa a afetar com mais
força as diferentes regiões do planeta, aponta o BofA. “Um ponto a se notar é
que a ômicron ainda não se estabeleceu nos países asiáticos mais envolvidos nas
cadeias globais de suprimento, caso de China, Japão, Coreia do Sul e as nações
do ASEAN [bloco que reúne economias como Tailândia, Filipinas, Malásia,
Indonésia, Vietnã e Camboja]”, observa o relatório do banco. “Isso significa
que poderemos ver novas perturbações nas cadeias de oferta na primavera [no
Hemisfério Norte], mesmo que o panorama para o sistema de saúde melhore significativamente
nos EUA e na Europa.”
É um quadro que pode levar a um pouco menos
crescimento e a um pouco mais de inflação. O efeito, porém, não deve ser muito
forte, tanto pela menor gravidade dos casos provocados pela ômicron como pela
expectativa de uma onda de menor duração. No Brasil, o aumento simultâneo dos
casos de covid e de influenza tem afetado a mão de obra em alguns segmentos de
serviços, como bares, restaurantes e companhias aéreas. Para Vale, a nova onda
“deve causar impactos relativamente pequenos na economia”. Ele lembra que, no
começo do ano passado, a segunda onda no Brasil foi muito mais agressiva, mas o
efeito na atividade não foi tão forte. No caso de sua projeção para o PIB neste
ano, de variação zero, isso pode ser suficiente para levar o número para o
terreno negativo, ainda que os estragos não sejam grandes.
O avanço da vacinação no país é um trunfo
importante, embora o governo de Jair Bolsonaro faça o possível para atrapalhar.
O presidente busca sabotar e desacreditar a imunização de crianças, inventando
obstáculos e difundindo informações falsas sobre o assunto. Além disso, não há
dados precisos sobre a situação da covid-19 no país desde 10 de dezembro,
quando houve um ataque cibernético aos sistemas do Ministério da Saúde. Até agora,
a pasta não conseguiu normalizar a situação.
Nos primeiros dias do ano, mudou também o
panorama para a política monetária dos EUA. A expectativa é que os juros
americanos comecem a subir já em março e o Fed passe em seguida a reduzir o
volume de ativos em seu balanço. Isso tende a elevar a aversão global ao risco,
pressionando as moedas de países emergentes. É mais um fator a contribuir para
a desvalorização do real, num cenário em que incertezas fiscais e políticas já
mantêm a divisa brasileira muito mais depreciada do que o sugerido pela solidez
das contas externas e pelo forte aumento da Selic, dificultando o combate à
inflação. O Bradesco espera três altas de juros pelo Fed neste ano, a primeira
delas em março, com a taxa subindo 0,25 ponto percentual por trimestre, até
atingir 3% em 2023 - hoje, está entre zero e 0,25% ao ano. Como se vê, o fim da
era do juro zero nos EUA está cada vez mais próximo, o que deve se traduzir num
quadro global menos favorável para os emergentes ao longo deste ano e dos
próximos.
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