O Globo
Não é mais um artigo sobre a incrível
insensibilidade de Bolsonaro, que não foi à Bahia confortar as pessoas,
articular obras de reconstrução de estradas, casas e até mesmo determinar a
ajuda médica necessária.
É apenas uma anotação na minha agenda. As
chuvas na Bahia foram as maiores dos últimos 32 anos. Gostaria de visitar as
cidades atingidas para saber até que ponto eram vulneráveis e o que é possível
fazer para fortalecê-las diante dos eventos extremos.
Passaria por Itabuna, veria o Rio
Cachoeira, faria uma parada em Itamaraju, onde, no passado, comia um camarão na
moranga, de passagem para Ilhéus.
Já fiz um projeto semelhante de analisar as
condições de uma cidade diante de eventos extremos, após uma enchente em
Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo.
Não o realizei. O que pude fazer agora neste fim de ano foi uma viagem para documentar a vulnerabilidade do litoral brasileiro diante da possível elevação do nível dos mares, provocada pelo aquecimento global.
Passei pelo norte do Rio, onde a Praia de
Atafona está coberta de ruínas, fui a Meaípe, no Espírito Santo, onde a Rodovia
do Sol foi parcialmente arrancada pelas ondas. Passei também pelo Morro das
Pedras, em Florianópolis, onde os moradores se entrincheiram com sacos de
areia, e terminei a viagem em Pernambuco. Há mais de dez anos, destinei
dinheiro do Orçamento a uma pesquisa voltada a salvar as praias de Boa Viagem e
algumas da Região Metropolitana, em Paulista e Jaboatão.
Naquela época, sugeri uma parceria entre
pernambucanos e holandeses, que têm uma ampla tradição de conter o mar. Hoje,
já há trabalho comum, o que é uma boa notícia.
Nessa caminhada, soube que os ingleses
fizeram também uma pesquisa sobre o litoral brasileiro. Queriam quantificar, ao
que parece, os custos de uma defesa contra a elevação do nível dos mares.
Os ingleses são pioneiros nisso. Um homem
chamado Nicholas Stern fez um trabalho importante mostrando quanto a humanidade
economizaria se tomasse as precauções necessárias diante do aquecimento global.
Os custos da inação são muito altos. Num
relatório de 700 páginas, escrito em 2006, ele propunha que se investisse 1% do
PIB por ano, para evitar perdas que poderiam ser de 5% ao ano, ou mesmo até
20%, dependendo de quanto a temperatura se elevasse.
Comecei a fazer perguntas sobre o litoral.
Resta agora avançar por algumas cidades atingidas, voltar às cidades do Sul da
Bahia, por onde passo tantas vezes, e, sem grandes pretensões, estimular a
curiosidade sobre o tema: como adaptar o Brasil ao aquecimento global, com que
projetos, a que custo.
Um observador do cotidiano diria que é uma
atividade lírica, pois não há dinheiro para nada. É uma objeção razoável.
Onde buscar dinheiro pelo menos para os
projetos? Se conseguirmos vencer essa etapa, creio que talvez fosse possível
atrair dinheiro internacional. Não me refiro apenas a uma fração dos US$ 100
bilhões que a COP26 anunciou em Glasgow.
É preciso buscar outros caminhos, imaginar
saídas. Ali em Ilhéus, existe uma lagoa chamada Encantada, que é realmente
muito bonita. Quando chove, é inacessível. Poderia tornar-se um lugar
resiliente aos eventos extremos e, ainda por cima, permitir a exploração de um
turismo sustentável de grande potencial.
Não sei se o melhor caminho é um plano
nacional ou se cada região deve tomar sua própria iniciativa. Sei apenas que
adaptar o Brasil às consequências do aquecimento global não enriquece
necessariamente as novas gerações, mas evita que elas empobreçam de forma
brutal.
São ideias ainda meio embrionárias, estamos
aprendendo aos poucos.Lembro-me das grandes chuvas na Serra Fluminense, que
cobri até o fim do lento trabalho de reconstrução. Aprendemos ali que era
necessário prever tempestades e avisar aos moradores com urgência. Isso foi
possível na Bahia, e é uma lição para todo o país. Não podemos evitar eventos
extremos, mas prever com alguma antecedência já é alguma coisa.
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